Sunday, December 31, 2006

À vossa!




Então que tal, o Natal foi bem passado? Sim? Ainda bem!
Muitas prendas? Não? Não mesmo? Então, porquê? A malta é forreta ou está tesa?
Ah, estão mais para o teso, hem...? Deixem lá, às vezes até que dá jeito estar teso...

Neste momento, hora a que escrevo, véspera da noite de consoada e do bacalhau cozido com todos, iguaria que antes detestava e agora mamo que nem um abade em dia de festa, apesar do frio que está lá fora, eu estou bem quentinho e não é do calor da lareira, não senhor, essa está às escuras e sem chama, deu-me aquela preguiça malvada para encomendar a lenha a tempo e agora tenho que a racionar, estou guardá-la para os dias em que a neve cair cá em casa. Estou quase tão farto de levar na corneta por causa deste meu pequeno lapso como o presidente do banco Espírito Santo por causa do apelido da Carolina; agora que ele já conseguiu esclarecer que, embora tenham o mesmo apelido, a dita senhora é Sal por parte do pai e Gado por parte da mãe pode ser que parem de o chatear.

O calor da noite, esse malandro, deve-se a quase uma garrafa de tinto Adro da Sé, reserva de 2001, que chocalha cá no bucho. Oferta de um amigo que me quer ver alegre, o raio do tintol desliza pela goela abaixo com uma suavidade que até arrepia. A minha Maria farta-se de barafustar porque eu bebo muito mais depressa do que ela e depois ela sente-se prejudicada. A culpa é minha, podia muito bem ter arrumado os trapinhos com alguém que só bebesse água, fui nabo e distraí-me, agora bem torço o gargalo mas o mal está feito. Cá em casa, beber a meias quer dizer meia caixa para cada um. Esquecer-me de comprar a lenha, é como o outro, vá que não vá, agora ficar sem pinguita em casa, chiça, isso sim, é que era assinar a minha sentença de morte.

Estou tão quentinho que, dada a quadra festiva, até me arriscava a acabar a crónica em verso mas, ou é o danado do teclado do computador que não pára quieto ou então são os meus dedos que não acertam com as teclas certas para fazer as rimas. A luz do candeeiro também não ajuda. É pena, porque sinto que hoje me corre nas veias parte do mesmo combustível criativo que fez de Bocage um grande poeta.

Assim sendo, vou continuar com a minha prosa, fraquinha, tadita, culpa desse amigo que fez o favor de me tentar com aquela pomada. Sim, não fosse ele e eu até era gajo para conseguir escrever alguma coisa de jeito em vez de estar para aqui, aos esses, a fazer estas figuras tristes. Se a entidade reguladora de comunicação social condenar o director do jornal por permitir a publicação de textos escritos sob a influência de vapores etílicos, vou-me a ele, a esse amigo, como um dragão a um leão.

Pensando melhor, acho que vou acabar por aqui, os meu olhos já estão qualquer coisa alhudos, como diz o Telmo (um palavrão que começa por ´p´ e que a minha esmerada educação não permite escrever), a noite já vai longa, amanhã tenho que me levantar cedo, por volta do meio-dia, tomar uns sais de frutos e preparar a vasilha para mais uma noite de farra. Espero acordar deitado na minha cama, o pijama vestido, sem dores de cabeça e com o fígado sossegado.

De gatas, vou para dentro, desejando a todos uma Feliz quadra Natalícia e umas boas entradas no próximo ano. Até já.

Saturday, December 16, 2006

Amores e desamores




Carolina abrandou o ritmo do passeio dominical a pé pela marginal da foz de modo a quase poder ver bem de frente o rosto do marido, ajeitou-lhe a gola do sobretudo, ergueu ligeiramente a cabeça, olhou-o nos olhos, esboçou um sorriso satisfeito e perguntou-lhe:
- Ó querido, se a primeira mulher que te cumprimentou, aquela morena de há bocado, é a amante do teu sócio e se a segunda, a bomba loira de mini-saia que te disse adeus é a tua, então estamos de parabéns, porque a nossa amante é, de longe, muito melhor do que a amante do Fagundes.

Pinochet morreu, já está enterrado e a vida de Fidel de Castro parece estar por um fio.
De entre as várias coisas que tinham em comum há uma que se destaca: ambos foram ditadores. Reza a lenda que Pinochet foi um ditador de “direita” e Fidel um ditador de “esquerda”.
Como bons ditadores, fosse porque fosse, mandaram prender, torturar e assassinar algumas dezenas de milhar de pessoas Ainda como bons ditadores que eram, roubaram os seus conterrâneos (e não só) tendo amealhado e dispersado fortunas que provavelmente ficarão por calcular.

Pinochet chegou ao poder, em 1973; por essa altura já Fidel era um veterano como primeiro-ministro, cargo que ocupou desde a revolução até 1976.

Os primeiros tempos de Pinochet terão também sido os mais brutais. Em poucos anos Pinochet privatizou quase tudo o que tinha sido nacionalizado por Allende, o homem que ele derrubou; porém, no inicio da década de oitenta, as más condições da economia forçam-no a reformar as suas próprias reformas, ficando parte dessa obra a cargo de um grupo de jovens economistas chilenos, conhecidos como os “Chicago boys” e muito influenciados pelas teorias de vários defensores da liberdade individual e da economia de mercado. No fim dessa década, um plebiscito negou-lhe um segundo mandato como presidente da república e, a pouco e pouco, foi perdendo peso e influência. O Chile já vai no terceiro presidente da república eleito por sufrágio universal desde o último mandato de Pinochet.

Em Cuba, com Fidel doente, dizem as más-línguas que tudo se mantém hoje como em 1973, nos tempos áureos da mãe Rússia. O estado, que é o patrão de todos os cubanos, continuará a depender das ajudas rotativas de outros países, para ir mantendo, racionada, a vida da sua gente. Poucos são os dados disponíveis sobre a economia da ilha embora sejam cada vez mais os turistas que a visitam.

Segundo um estudo, feito em conjunto pela fundação Heritage e pelo jornal americano Wall Street Journal, sobre o grau de desenvolvimento e liberdade na economia tendo por base o ano de 2004, o Chile ocupava a 14ª posição (integrando o grupo dos mais livres), Portugal a 30ª (grupo dos parcialmente livres) e Cuba a 150ª (grupo dos reprimidos). Apenas por curiosidade, o primeiro país europeu a aparecer na tabela é a Irlanda, na 3ª posição, os USA aparecem na 9ª, a Espanha na 33ª e a minha terra natal, o antigo Zaire, nem sequer tem cabidela para lá constar).
Nesse ano o Chile cresceu 6,1%, Cuba 2,9% e Portugal 1%.
Fidel é tão aclamado por esse mundo fora quanto Pinochet é odiado.
Como diria a Carolina, o meu ditador é, de longe, muito melhor do que o teu.

Fontes




No texto anterior escrevi sobre jornalistas, muitos dos quais, de braço estendido e dedo em riste, apontam, apoiam, criticam, publicitam, bajulam, insultam e, como os toureiros face aos touros feridos, finalmente de rastos e humilhados, saem tranquilos e superiores para a programada ovação à volta da arena.

Uma noticia falsa, publicada no Jornal de Tondela, com os seus, digamos, duzentos mil leitores (peço desculpa se estiver a pecar por defeito), não tem o mesmo impacto – diria eu – que uma falsa noticia publicada no New York Times (NYT) com os seus escassos quase dois milhões.

As notícias que o Jornal de Tondela publica sobre os acontecimentos, no Iraque profundo por exemplo, têm, quase de certeza, origem na mesma fonte que as dá ao NYT, fonte que dá pelo nome de AP (Associated Press) e que quase detém o monopólio da informação em certas áreas do globo, como é o caso do médio oriente.
Há umas três semanas, a secção iraquiana da AP noticiou, com base no relato de um capitão da polícia local chamado Jamil Hussein, que algumas mesquitas tinham sido incendiadas e que seis sunitas tinham sido queimados vivos. Ouvi na SIC Noticias, na rádio Bagdad, na CNN, na BBC, na SKY e li em vários jornais americanos.

Face à falta das imagens de mais esta carnificina (as televisões árabes exibem os mortos e os feridos na mesma proporção que as nossas passam telenovelas em horário nobre), instalou-se a desconfiança entre certos sectores; feitas umas pesquisas, descobriu-se que o tal capitão da polícia, o senhor Jamil Hussein, tinha sido a fonte usada em 61 notícias dadas pela AP nos últimos dois anos. Contactados o Ministério do Interior do Iraque e o comando das forças americanas para mais detalhes sobre os ataques às mesquitas e o assassínio daquelas seis pessoas, chegou-se à situação actual: na área e datas indicadas, há registo do ataque a uma mesquita, nada sobre pessoas queimadas e a informação de que na polícia iraquiana, não há, nem houve, o registo de um capitão com o nome da fonte usada pela AP.

Este episódio segue-se a um anterior, a prisão, há cinco meses atrás, de um repórter local da AP, engavetado por ligações à organização terrorista Al-Qaida e a outros grupos corais congéneres, mas ainda não formalmente acusado.

Não estando em causa a gravidade da situação na zona o que se pede à AP é simples: que mostre o tal capitão, que o apresente ao público que por ele é “informado” através da AP e dos órgãos de comunicação social pelo mundo fora, umas fotografias dos acontecimentos tal como relatados. Se tal não for feito, é legitimo concluir que, pelo menos, parte da notícia é falsa, que a fonte usada, 61 vezes, não existe

A isto e até hoje, a AP disse: nada! Reconfirma a sua história, agora sustentada em mais três testemunhas – anónimas, claro – e jura pelas alminhas que a sua fonte é credível.

Mas se a malta não vir o famoso capitão, não será legitimo concluir que ele não existe? E, não existindo, quantas notícias vindas da AP são falseadas? Muitas, poucas, nenhumas, algumas, todas? E porquê falseadas? E, já agora, as notícias falseadas, será que beneficiam sempre os mesmos “ideais”? E acharão os leitores do Jornal de Tondela que este continue a mantê-la como fonte privilegiada?

Tuesday, December 05, 2006

Surpresas


A RR (rádio Renascença), decidiu, na semana passada, dar a conhecer aos seus ouvintes e aos portugueses em geral, a sua posição editorial em relação ao referendo sobre o aborto, tomando a defesa do “não”.

Poucas horas depois, foi publicada, em vários órgãos de comunicação social, a fotografia de um grupo, jogadores do clube doentológico do sindicato dos jornalistas, acabados de chegar de um torneio de bisca lambida realizado em Saturno. Pensei que os queixos caídos e as calças na mão simbolizavam a coça que tinham levado na bisca ou necessidades ainda não satisfeitas em fim de tão longa viagem mas, lida a legenda, percebi que estava errado.

Pela voz de um dos seus elementos soube que estes seres estavam surpreendidos pelo facto da direcção de uma empresa privada de comunicação social ter tido a lata, o despudor de, publicamente, assumir uma posição e mandar às urtigas a tão apregoada imparcialidade. Inadmissível, imperdoável e inimaginável nos bons velhos tempos da criação do dito clube!

Quem se ausenta, voluntariamente ou não, do planeta terra durante tanto tempo, fica sujeito a estas desagradáveis surpresas quando aterra. Lá, nas nuvens, talvez pela falta da gravidade, acredito que os extraterrestres vejam os jornalistas como eles gostavam que nós, terráqueos, os víssemos, ou seja, anjinhos com asas, pairando em círculos, subsistemas de segurança perfeitos e restritos, por sobre nós, os comuns dos mortais.

Seja por causa da redução da camada do ozono, por andar com uma crise de fígado ou pelo simples facto de ter aprendido a ler, há muito tempo que acredito tanto na imparcialidade dos jornalistas como acredito na fada madrinha.

Aliás, se eu não souber as opiniões do conjunto dos jornalistas que compõem uma rádio, um jornal ou uma televisão, como raio é que vou escolher a informação que prefiro ouvir, ler ou ver?

Imparcialidade sim, mas nos factos senhores, nos factos! E aqui é que a porca torce o rabo, porque como ainda há alguns monopólios na cobertura jornalística em certas regiões do planeta, certamente praticantes do tipo de imparcialidade abençoada pelo tal senhor porta-voz, são tão grandes os barretes que nos enfiam que nos tapam da cabeça aos pés.

Para quem tem a dupla sorte de saber ler em inglês e ter acesso rápido e fácil há muitos anos à Internet, esta decisão da RR não é novidade, porque, para os órgãos de comunicação social ingleses e americanos, informar os seus clientes das escolhas editoriais é o pão nosso de cada dia.

Resta-me uma dúvida: quanto tempo demoraria o dito representante do conselho doentológico do sindicato dos jornalistas a criticar a RR se esta fosse apoiar o “sim”?

Sunday, December 03, 2006

Desejos


Esta semana eu até tinha uma boa desculpa para me baldar e não escrever a minha crónica já que ando a servir de guia ao senhor que paga para eu produzir estas tretas mas, como sou um menino bem comportado, aqui estou eu, sentado à frente do computador, num domingo à tarde, a cumprir o meu dever. Há quase vinte anos que ele e a mulher vêm à capital, sempre nesta altura do ano, para comer pastéis de Belém. Estão viciados naquilo, na ficha clínica consta que a dependência remonta ao século passado, já tentei fazer-lhes uma desintoxicação à base de pezinhos de coentrada mas não resultou e as recaídas estão a ser cada vez mais penosas e, sinceramente, começo a perder a esperança.

Agora adoptei o que o tripeiros designam por “regime lisboeta” que é um novo tratamento à base de pequenos-almoços servidos entre as dez e meia e as onze da manhã, almoços muito ligeiros por volta das três da tarde – um pão pequeno com uma fatia, fininha, muito fininha de queijo ou fiambre – e á noite então lá os deixo ferrar o dente em qualquer coisa mais substancial, até porque, por essa altura, também eu já estou esganado de fome.

Podem fazer muitas críticas a este regime mas pelo menos cá no hospício são mais os malucos com ar de paus de virar tripas do que aqueles com ar de arredondado, daqueles que, com as mãozinhas, afagam a saliente barriga. Os que as afagam de baixo para cima são os banqueiros, os que as afagam de cima para baixo são os tansos.

Algumas más-línguas dizem que eu já sou um arredondado perfeito mas tal afirmação ainda não é verdadeira embora eu acredite que mais depressa cumprirei com todos os requisitos exigidos para tal do que o nosso governo com a promessa do défice nas contas públicas.

Dando como adquirido que lá chegarei em breve, informo que já escolhi a qual das duas categorias de arredondados eu quero pertencer: à dos banqueiros, obviamente!

Eu desejo, eu quero, eu aspiro a arredondar para cima. Se for para receber, bem entendido! Se for para pagar, saia uma desculpa com um arredondamento para baixo aqui para a mesa do canto, a vida está difícil, não posso dar mais e olhe, dê-se por muito contente por eu ainda lhe arredondar alguma coisinha. Contradição do caneco!

Aspirações contrárias às minhas, têm os mentirosos e os santinhos, indivíduos que dizem querer arredondar para baixo.

Se eu fosse um desses funcionários do hospício pagos para manter o indígena a afagar no sentido mais natural, de cima para baixo, além de vigiar bem os marmanjos da minha laia para evitar o género de abusos que eu sei que faria se me dessem rédea solta, prestaria também uma especial atenção aos mentirosos. Se os conseguisse distinguir dos santinhos.

Liberdades






Morreram, na semana passada, duas pessoas que eu admirei: o futebolista Puskas e o economista Milton Friedman.
Do primeiro as lembranças já são muito vagas, transportam-me a um tempo da minha vida que eu, então um puto na escola primária, não gosto muito de recordar, a minha infância era um inferno, estava infectado por um vírus que comandava toda a minha existência, um bicharoco terrível cujo nome cientifico era estrafego-te-aos-poucos benfiquismus e que curiosamente atacava mais aos domingos à tarde, punha-me os joelhos a tremer, um nó no estômago e as unhas nos dentes.

O húngaro Puskas era um dos fabulosos curandeiros nesse, já então, gigantesco Real Madrid; numa noite do ano de 62, ele quase me ia livrando do benfiquismus tendo-lhe acertado com três injecções na primeira das duas partes daquilo que se anunciara ir ser simplesmente um tratamento do tipo toma lá e embrulha; só que o treinador do vírus, também ele húngaro e portanto conhecedor das poções do compatriota, tinha um antídoto contra as mezinhas, um produto novo das africas chamado Eusébio, que lá conseguiu retardar a minha cura. Nessa noite ri-me à brava à custa do Puskas e pelo facto me penitencio.

Quando contactei com o segundo falecido já o meu intelecto estava crescidinho, tinha chegado à fase do “penso, logo sou do … porto”, estava portanto curado de tudo o que era má influência da cor vermelha, algo que o próprio senhor Friedman, prémio Nobel da Economia em 1976, ajudou a reforçar e a cimentar.

Este senhor, um gigante dos nossos tempos, insultado pelo comunismo e pelos adeptos dos governos paternalistas, deixou-nos um legado extraordinário através de ideais que realçam o tremendo respeito pelo indivíduo e pelos enormes benefícios que se obtêm quando somos “livres de escolher”. Com estas três palavras se pode resumir o seu legado. Conselheiro de muitos governantes desde o fim da primeira guerra mundial foi com Ronald Reagan e com Margaret Tatcher que o mundo mais se familiarizou com as suas ideias.

Na sua maneira simples de explicar a economia, dizia ele que eu posso gastar o dinheiro de quatro maneiras diferentes:
- Posso gastar o meu próprio dinheiro em mim mesmo. Se o gastar assim, então terei o máximo cuidado com o que faço e tentarei receber o máximo de retorno por ele;
- Posso gastar o meu dinheiro com outra pessoa, num presente de aniversário de alguém, por exemplo. Nesse caso, a minha maior preocupação não será com a qualidade da prenda mas com o seu custo;
- Posso gastar o dinheiro de outra pessoa comigo. Se eu estiver a gastar o dinheiro de alguém comigo, podem apostar que vou ter um belo e bem regado almoço;
- Por ultimo, posso gastar o dinheiro de alguém noutra pessoa qualquer. Neste caso, não só não me vou preocupar com quanto gasto como também não me vou preocupar com o que obtenho em troca.

Será assim tão difícil perceber que quanto menor for o peso do (des)governo, melhor será a vida de cada um de nós?

Wednesday, November 15, 2006

Pragas

Como a tradição ainda é o que era, o São Martinho não se esqueceu e lá trouxe o verão para passar uns dias connosco. Poucos, porque o sol quentinho faz muita falta lá no seu posto de trabalho, o patrão diz que a sua presença no sitio certo é absolutamente essencial para o bom funcionamento das suas empresas e para o bem estar dos empregados que habitam na sucursal do planeta terra e que ele não pode andar a mudar de lugar de cada vez que a malta da secção portuguesa decide que vai à adega provar o vinho e se põe a comer castanhas para ensopar.

E que falta que me faz nos dias de hoje conseguir ensopar bem o efeito dos tintois que vou emborcando porque se por um acaso do destino eu for a conduzir e me mandarem parar para me obrigarem a encher uns balões e o meu bafo estiver, por assim dizer, com defeito por excesso, estou bem tramado e sabe-se lá que tipo de caldinho é que me vão dar como castigo e para ver se me emendo. Às tantas sai-me ou um caldo verde ou, pior ainda, um caldo vermelho, de cenoura ralada e quem fica raladinho e passado sou eu.

Caldinho com legumes, qualquer que seja a cor, deixem-me que vos diga é coisa má, coisa ruim, até se me arrepelam os pelos da nuca.
Um amigo meu, ou melhor, um senhor que eu mal conheço e que por acaso até nem sei que vive naquela espectacular vivenda branca em Cascais do lado esquerdo de quem vai para o Guincho, um dia ao almoço perguntou à mãe se a comida estava boa; a mãe, sem parar de comer disse-lhe: filho, não gosto nada dos teus amigos!
Então coma só os legumes, respondeu-lhe ele.

Com sinceridade, conseguem imaginar alguém capaz de manter no futuro, o mesmo tipo de relação que tinha no passado com os legumes? Eu, lamentavelmente, não consegui! Comecei a dar sopa na sopa e a olhar de esguelha para as saladas. Mas estou melhor e a prova disso é que esta é a primeira vez que consigo falar abertamente deste episódio em público sem chorar.

A minha mulher anda a tratar dos meus filhos porque, diz ela, o meu comportamento vai tendo um efeito nefasto na educação deles e eles estão numa idade em que ainda podem ser salvos. Tem andado com paninhos quentes e, sempre que pode, disfarça as leguminosas para ver se nós não topamos o que estamos a comer.
Em desespero de causa e como quem roga uma praga, avisou-nos de que ou comemos a sopinha toda e todo o tipo de legumes e saladinhas ou obriga-nos a ler os livros do Saramago.

Para já, diz ela, são só os livros. Se não resultar, passamos para as entrevistas que ele deu, começando pelas mais recentes.
Os miúdos, à rasca, andam a ver se a convencem de que a alface que vem com os hambúrgueres do macdonaldo é verdadeira; eu, após consultar vários especialistas já decidi: daqui para a frente vou comer legumes todos os dias.

Monday, November 06, 2006

Ressacas





Se continuar a chover pelas minhas bandas como choveu ontem à noite (domingo), em breve devo estar a escrever do Porto Santo ou do Funchal, dois lugares aonde eu acho que só mesmo uma enxurrada me pode levar, o mesmo é dizer que muito provavelmente só por via marítima é que me por lá apanham, por via aérea está quieto ó melro.

Não é que eu tenha medo de voar, não senhor, antes pelo contrário, eu entro num avião e fico logo ferradinho a dormir ainda antes dele levantar voo; claro está que quem me leva por companhia é que não aprecia nada este comportamento mas é superior a mim e eu não resisto. De resto, é só vantagens: as viagens parecem mais curtas e nunca como as mixórdias que as companhias aéreas servem disfarçadas de comida.

Mas, voar para a Madeira? Nã, não é com certeza o irmão mais novo do filho mais velho dos meus pais que o vai fazer! Meteu-se-me de tal maneira na cachimónia que se entrar num avião com destino àquelas paragens acabo estampado, derretido e misturado com o alcatrão da pista do aeroporto que nem podre de bêbado me conseguem fazer embarcar.
Perdi a conta aos nomes que já me chamaram, todos eles – evidentemente – bastante elogiosos para a minha pessoa mas tenho aguentado todos os enxovalhos sem vacilar porque sou tão casmurro quanto irracional.

Se este meu medo é irracional, o que é que se há-de chamar à decisão do senhor Presidente da Câmara do Porto, Doutor Rui Rio, de acabar com os subsídios pecuniários a fundo perdido, a partir do próximo ano, exceptuando aqueles destinados às Juntas de Freguesia e às empresas associadas da Câmara para acabar com “o preocupante fenómeno de desajustada subsidio dependência”? Irreflectido, impensado, irracional? Não – diz ele – é tempo de acabar com esta cultura de mão estendida para os orçamentos públicos.

Acabar com a quê? Repita lá, se faz favor? Não devo ter ouvido bem! Ah, e ainda por cima quer que esse seu gesto seja também um sinal para as outras autarquias? Ai, ai, ai, mas o que é que o senhor anda a tomar?

Quer o senhor dizer que a partir do ano que vem, se eu quiser ir ver uma peça daquele teatro dito alternativo, o bilhete me vai custar quase tanto como um bom bife de lombo e uma garrafa de Esporão? Ou, posta a coisa de outro modo, acabam-se os bilhetes ao preço da sandes de coirato e do copo de três?
O quê, sujar-me todo para ir ver uma “instalação artística” ao estaleiro de uma empresa de construção civil quando, se houvesse um.. um… bem, o senhor sabe o que é que eu quero dizer, eu podia ir ver a mesma coisa, calçadito nos meus sapatinhos de pele de crocodilo, a um museu ou a uma fundação?

Homem, não é por nada, mas palpita-me que por sua causa vai andar muita gente ressacada.

Monday, October 30, 2006

GATAS







Afável, elegante, simpático, vivo e digno de ser citado. Precisamente o género de epítetos que se fixam na mente de um jornalista! É assim que o senhor Nick Bryant, correspondente da BBC em Sidney (Austrália) vê o autor do discurso que, parcialmente, transcrevo nesta minha crónica e que, segundo me dizem, é o mais alto líder islâmico naquele continente, que dá pelo nome de Sheik Hilaly e que se pronunciava sobre a sentença aplicada a muçulmanos acusados de violação de mulheres:

“…Quando se trata de adultério, 90 por cento das vezes a culpa é das mulheres. Porquê? Porque a mulher tem a arma da sedução. É ela que despe as suas roupas, que as encurta, que põe maquilhagem e que vai para as ruas, Deus nos proteja, namoriscar… Depois, um olhar, um sorriso, uma conversa, um cumprimentos, um encontro, um crime e depois a prisão. Então, enfrentas um juiz, sem piedade, e ele dá-te 65 anos de cadeia.
Mas, quem começou este desastre? Nos seus textos, o escritor al-Rafee diz que se fosse confrontado com um crime de violação, disciplinaria o homem e dava prisão perpétua à mulher. Porquê? Porque se ela não deixasse a carne descoberta o gato não a teria arrebanhado. Se tiveres um quilo de carne e se a deixas num prato no pátio das traseiras em vez de a guardares no frigorifico, na panela ou na cozinha e tiveres uma luta com o teu vizinho porque o gato dele comeu a tua carne, tu és maluco. Não é isto verdade?
Se levas carne e a pões na rua, no pavimento, num jardim, num parque, sem a tapares e vier o gato e a comer, então de quem é a culpa, do gato ou da carne que estava à mostra? A carne destapada é um desastre. Se a carne estivesse dentro do frigorífico o gato ia andar às voltas, às voltas até desistir e ia para casa sem a comer.
Se a mulher estiver no seu quarto, na sua casa a usar o véu e a ser casta, os desastres não acontecem. As mulheres têm a arma da sedução e da tentação.
É por isso que o diabo diz das mulheres: vocês são metade de um soldado. Vocês são o meu mensageiro para eu atingir os meus fins. Vocês são o último recurso que uso para esmagar a cabeça do homem mais esperto e teimoso. Eu uso alguns homens para certas coisas, mas eles nunca me escutam. Mas vocês? Oh, vocês são a minha melhor arma.”

Meninas, portuguesas e não só, cuidem-se e revejam a história medieval. Além da BBC ser uma “tremenda referência” para os meios de comunicação social ocidentais quando se trata de educar as massas e vender certas realidades, convém não esquecer que dentro de uma ou duas dúzias de anos a nossa população vai ter muitos velhos e poucos novos e que, nas nossas fronteiras, vão continuar a estar os mesmos países do norte de África e do Médio Oriente, carregadinhos com milhões de jovens desempregados, fieis seguidores do afável, elegante, simpático e vivo Sheik Halily; sem esquecer os fiéis seguidores que já temos dentro de portas, como os irrequietos (subsidio dependentes) jovens franceses de origem magrebina que, felizmente, agora andam bem mais calmos e já só têm queimado cerca de duzentos carros por dia, incendiado uma meia dúzia de autocarros e atacado os policias em barda e em força (nada que mereça ser devidamente noticiado, nem na BBC nem noutros órgãos mais perto de nós, não se preocupem). Nessa altura os americanos, fartos de nos aturar e mais interessados noutras zonas do mundo, vão-vos mandar bugiar.

Até lá, sejam felizes e … miau!

Tuesday, October 17, 2006

Empréstimos, juros e Paz?





Não é que os marmanjos da academia sueca, aquela que atribui os prémios Nobel, ensandeceram de vez, passaram-se dos carretos e entregaram o da Paz a um ferrenho adepto do capitalismo e ao banco por si criado? A um desgraçado que preferiu passar a vida a lutar para arranjar dinheiro para os mais pobres dos pobres, não na forma de um subsidiozinho mínimo estatal garantido, tão do agrado que quem eu muito bem sei, mas através de empréstimos com a respectiva cobrança de juros? Pode lá ser? A economia que, através do risco e responsabilidade pessoal, visa o lucro, a ser galardoada com um prémio da paz?

O tresloucado, que dá pela graça de Mohammad Yunnus, começou, há cerca de trinta anos, a emprestar sem quaisquer garantias, pequenas quantias do seu próprio dinheiro a meia duzia de mulheres para que estas pudessem desenvolver negócios que as sustentassem, a elas e às suas famílias, permitindo ao mesmo tempo libertar fundos suficientes para reembolsar esses empréstimos. Como naquele país, o Bangladesh, que tem pouco mais do dobro do tamanho do nosso Portugal, clientes muito pobres não faltavam, o senhor Yunnus, para satisfazer a clientela, começou a moer o juízo aos bancos estatais e privados e, com muito engenho e muito mais persistência, lá acabou por criar um império de milhões de pequenos empresários e um grupo cujo rosto mais visível é o banco Grameen. Mas não é só ele que é louco; os seus clientes, mulheres na esmagadora maioria, em vez de se pirarem com a guita, lá vão trabalhando, desenvolvendo os negócios e pagando o capital e os juros.

Tivessem essas empresárias tempo livre e acesso a informação detalhada sobre a nossa sociedade actual e certamente já teriam pendurado o senhor Yunnus, de cabeça para baixo, no pau da roupa mais próximo. Com toda a razão, digo eu, pois se há centenas de milhar de almas lusas (mais as francesas, as espanholas, as alemãs, mais as outras europeias) a receberem, por mês e garantidinhos, uns trocos a troco de nada e a nada terem que dar em troca – excepto talvez uns votos de quando em vez – porque carga de água hão-de aquelas pobres desgraçadas, já de si (ainda) com poucos direitos cívicos numa sociedade ainda demasiado machista, terem que trabalhar que nem loucas para terem um sustento?

Acho bem que não se exagere na publicidade a este conceito capitalista, não vá perder-se o nosso modo de vida que é a esmolinha de caridade aos pobrezinhos, coitadinhos, eles nem sequer saberiam o que fazer se tivessem acesso ao dinheiro, os senhores intelectuais doutores é que sabem o que é melhor para eles, já pensaram bem, depois vinha o stress, a tensão alta, sabe-se lá se a independência, enfim, tudo problemas com que eles, os pobrezinhos, não iam, de certeza certezinha, saber lidar e por isso toca mas é a cuidar bem deles, anestesiando-os, vestindo-os e alimentando-os. Mal mas de boa vontade.
E se todas estas bondosas boas acções mesmo assim não forem suficientes para os manter quietos e anestesiados, inventam-se e implementam-se mais umas quantas normas, regulações e obrigações e outros tantos e pesados impostos. Assim, se alguém tiver peneiras e quiser sair da alçada do estado providência, ou consegue engendrar uma actividade que dê lhe lucro suficiente para sustentar a sua família e mais a família de dois ou três funcionários estatais ou então, o que é mais certo, arruma logo as botas e vai vivendo vegetando ou vegetando vivendo.

Diz o novo Nobel da Paz que caridade não, que a caridade não dignifica o ser humano. Mas o homem é doido ou quê?

Thursday, August 31, 2006

Contos de fadas (Jornal de Tondela)

“Aqueles que ao desembarcar temem enfrentar uma polícia de fronteiras carrancuda e formalidades burocráticas demoradas têm a primeira surpresa. Tudo é mais fácil do que na Europa de Schengen . No aeroporto carimbaram o passaporte sem olhar para mim … Pela primeira vez na vida, ao utilizar voos domésticos não me pediram documentos de identificação. …”.
“Pedi ao guia que me levasse a bairros degradados. Ele não entendeu, inicialmente, o que pretendia. Quando visitámos depois áreas da periferia densamente povoadas percebi o motivo da sua perplexidade. Eram bairros de moradores pobres, de ruas estreitas, mas asfaltadas, com abastecimento de luz, água e gás… O inesperado chegou também da visita aos bairros residenciais da classe dominante. O luxo e a riqueza não são ali menos ostensivos do que nas grandes capitais … milionários excêntricos escolheram terraços de alguns arranha-céus para instalar mansões, jardins e até piscinas em ambientes paradisíacos”.
“A resistência das mulheres às leis que lhes limitam os direitos – alguma ridículas como a proibição de assistirem nos estádios aos jogos de futebol, mesmo em bancada especial – é ostensiva…Confirmei que as mulheres … sobretudo têm uns olhos enormes, levemente oblongos, com uma luminosidade que lhes realça a beleza e a brancura da sua pele… a minha companheira de viagem entrou na sala sagrada do belo mausoléu … por uma porta diferente da minha. As filas não se cruzavam – as mulheres, registei, perdiam a serenidade ao desfilarem perante o sarcófago de prata de Fátima … disseram-me que não faziam promessas. As jovens pediam beleza, fecundidade, amor. As idosas gemiam e lançavam apelos.”

Todas estas frases foram extraídas de um mesmo texto. Longo. Ainda incompleto, no original.
Não é a descrição da minha última visita ao Tourigo, civilização onde, foi-me assegurado por fontes anónimas mas altamente conhecedoras, ainda é permitida a assistência de mulheres – desarmadas – aos jogos de futebol; as mesmas fontes asseguraram-me aliás que, na eminência de aí se voltar a praticar a dita modalidade, a junta de freguesia local tem já em estudo um projecto de lei que, embora não proibindo a sua presença – delas, das mulheres – as obriga a levar um lenço bem amarado à volta da boca (até ao momento do fecho desta edição ainda não foi possível chegar à fala com o respectivo presidente por, alegadamente, ele ter mais que fazer do que andar a responder a boatos).
Tão pouco reflectem as minhas precauções, a nível de documentos, sempre que atravesso a freguesia do Barreiro. Não é do Inimigo Publico, a secção humorística do jornal O Publico. Não é uma cópia parcial de nenhum dos escritos dos autores do gato fedorento. Não é de um texto da autoria do Badaró, do Herman José, da Lili Caneças ou do doutor Alberto João Jardim. Nem tão pouco do frei Anacleto.
Talvez, quem sabe, seja um teste à minha inteligência, à minha capacidade para pensar as coisas. Talvez faça parte de algum estudo sobre o grau de alfabetização do nosso povo. Talvez eu esteja a delirar, cheio de febre.

O texto, publicado no Avante, é da autoria de Urbano Tavares Rodrigues, jubilado como Professor Catedrático da Faculdade de letras de Lisboa Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sobre uma sua visita, recente, ao idílico Irão.