Thursday, June 28, 2007

Mensagem



É assim a História. Amontoado de histórias que, ligadas umas com as outras, nos ensinam e nos explicam como nos fomos portando ao longo dos tempos. Para contá-las, houve, há e haverá, contadores que, oralmente, através de desenhos, de textos ou de filmes, vão alimentando a necessidade que temos para perceber os porquês do que já foi.
Cada cabeça sua sentença, cada contador sua versão da história.

Um desses contadores, “Menino da Luz” e oficial de Cavalaria, protagonista privilegiado que foi num recente e importante acontecimento da nossa História pátria, partiu há dias. O muito pouco que se permitiu contar da sua versão, substancialmente diferente da oficial que os meus netos vão ler nos livros escolares, contrastava com a catadupa de pequenos detalhes com que, copo de whisky numa mão e um cigarro na outra, o seu vozeirão embrulhava a descrição das dezenas de aventuras que viveu pelos quatro cantos do mundo sob domínio português por onde andou.

Desta vez, e ao contrário do que fez durante toda a sua vida, deixou as suas mulheres para trás. Uma delas, a minha Maria, em nome de todas as outras, com uma cunha minha e a devida licença do senhor director, à laia de agradecimento pelos muitos telefonemas recebidos das gentes beirãs, transcreve o texto da carta que lhe mandaram para o espaço:

Podemos chorar por teres partido
Ou então sorrir por teres vivido;
Podemos fechar os olhos e rezar para que voltes
Ou abri-los e ver tudo o que nos deixaste;
Podemos sentir o coração vazio por não te termos aqui
Ou senti-lo repleto do amor que partilhámos;
Podemos virar as costas ao amanhã e viver no passado
Ou guardar connosco o passado e olhar felizes para o futuro;
Podemos recordar somente que partiste
Ou podemos manter viva a chama da tua memória;
Podemos chorar e fechar a nossa mente,
Sentir-nos vazios e virar as costas
Ou podemos fazer aquilo que desejarias:
Sorrir, abrir os olhos, amar e seguir em frente.

Tuesday, June 19, 2007

Enredo

(imagem de www.star.ucl.ac.uk)
Plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro.
Eram estes, quando eu vivia regalado e sem responsabilidades, os três objectivos fundamentais na vida de qualquer candidato a macho que se prezasse. Cumpridos, sem esforço e com prazer, os dois primeiros, era normal e lógico que começasse a tratar da tarefa que me faltava para obter o desejado estatuto.

Iniciei os estudos há dez anos. Decidi que ia ser um livro de ficção, um romance policial, romance que ia ter pelo menos umas quinhentas páginas (gosto de ler ao quilo, tinha que escrever em conformidade), ia vender para aí umas quinze edições – só em Portugal! – a história girava à volta das peripécias de um grupo terrorista que pretendia levar a cabo um atentado biológico, através da disseminação do vírus do ébola, a ocorrer durante o jogo da final do campeonato europeu de futebol que estava marcado cá para o burgo.

Da empreitada, tenho escritas umas oitenta e tal páginas e, exactamente, trinta e sete anos para acabar as restantes quatrocentas e pico. Parece um prazo relativamente apertado mas, sem esforço e sem vontade, o falhanço está no papo. Só lamento o tempo que fiz perder aos meus editores chineses e nepaleses, países onde a minha obra era esperada com grande expectativa e que, com esta minha confissão pública, vão sofrer uma enorme decepção.

Não pareço mas, apesar de sorna, sou persistente e, na esperança de um dia voltar ao romance, necessito de exercitar e desenvolver a minha criatividade (caso contrário enferruja ainda mais). Para o conseguir já seleccionei duas hipóteses: concorrer a um lugar na agência de informação AFP (Agence France Press) ou candidatar-me a biógrafo oficioso do novo aeroporto de Lisboa.




Na AFP é dado enorme relevo e importância à ficção e à criatividade, como comprova a publicidade para angariação de novos talentos, feita através da publicação de uma noticia na semana passada de que o vai e vem americano Atlantis “tinha explodido segundos após o lançamento para mais uma viagem até à estação espacial, cujas imagens estavam a ser difundidas pelo canal de televisão da Nasa”. Infelizmente para mim, neste mundo global, tal anúncio foi visto por milhões de marmanjos que também vão querer concorrer a tão cobiçado lugar.
Mentes sem sentido de humor andam por aí a dizer, há anos, que a AFP pinta a realidade de acordo com as cores mais ao gosto e desejos particulares e especiais dos seus editores, os mesmos que, só por acaso, não viram o arraial de pancadaria entre palestinianos “moderados” e radicais até terem sido obrigados a pôr os óculos da realidade, que é chata, mas é o que é.

Como candidato a biógrafo do novo aeroporto, poderei escrever ao quilo, sem ter que encher chouriços como tantas vezes faço, há material para umas cinco mil páginas e, o enredo, tem os ingredientes dos melhores livros de suspense: um crime, vários suspeitos reunidos à volta da mesma mesa, cada um com as suas próprias motivações, negociatas, traições, pistas, muitas pistas, falsas a maior parte delas e um castiço inspector chefe encarregado da investigação que, mesmo sabendo muito bem quem é o criminoso e o móbil do crime, só os vai revelar no último parágrafo da última página. E haverá surpresa!

Desejos

(imagem de http://www.barnesandnoble.com/)




O último livro que li era a história de um judeu português, expulso pela Inquisição, e a sua actividade em amesterdão, como negociante de café (o titulo português é "o Mercador de Café").
Quantas vezes, bem lá no fundo, desejamos, silenciosamente, que as coisas, os acontecimentos, corram à nossa maneira? E quando essas coisas, esses acontecimentos, não correm como a gente gostava que tivessem corrido, quantas vezes temos a coragem (ou lata) para dizer como desejávamos que elas se tivessem passado?

Uma das mais conhecidas, mais antigas e mais citadas agências de (des)informação europeia, a AFP (agence france presse), anunciou, há dias e com alguns detalhes, na sua página de Internet que o vai-e-vem espacial Atlantis, cujo lançamento ocorrera pouco tempo antes, tinha explodido segundos depois do seu lançamento. Reflectiria a noticia o desejo secreto, de quem a escreveu ou da própria agência, de que a missão fosse um fracasso e acabasse em tragédia? Não, responderam embaraçados, tratou-se de um infeliz erro, tinham escrito uma peça para o caso de…

Esta mesma agência, que ficcionou a explosão daquela nave americana, teve bastante dificuldade para conseguir ler a realidade e perceber que os palestinianos andavam, há “dias”, à cacetada uns com os outros, assim a modos que numa guerra civil.
Aguarda-se, com ansiedade, que, passados que estão os momentos de distracção, a isenta agência, dê corda aos sapatos e nos informe sobre os verdadeiros culpados desta tragédia, a saber, as democracias ocidentais, o senhor Blair, os israelitas e … esse mesmo, o senhor Bush!

Os cegos que se movem com a ajuda de cães estão a enfrentar problemas nalguns aeroportos americanos quando têm que recorrer ao serviço de táxis conduzidos por islâmicos. A religião não permite que transportem cães, pessoas com álcool, e coisas do género; com direito a corridas grátis só mesmo criancinhas mártir dispostas a estoirarem com balões, pessoas e inutilidades parecidas.

Santos

(foto www.semanal.expresso.clix.pt)

Como já não tinha mais nenhum livro novo para ler tive que me reabastecer e, por isso, fui até à FNAC, aquela mercearia gigante onde se compram computadores, telemóveis, discos, jogos, televisores, livros, sandes, chupa-chupas e bolos. Em destaque dois livros: “O cérebro feminino” com trezentas e tal páginas (no meu tempo chamava-se “O livro em branco” e tinha apenas cerca de cem páginas) e “O dia em que Sócrates vestiu Jeans”, de uma escritora inglesa, apresentado como “inteligente, divertido e original romance que mostra aos jovens que a filosofia pode melhorar as suas vidas… As grandes questões da vida abordadas pelas atractivas técnicas da literatura”.

Com estes dados, Sócrates, inglês e técnicas, pensei tratar-se do nosso primeiro mas, um olhar mais atento ao jovem na fotografia da capa, rapidamente me elucidou sobre o herói principal. Não era o nosso!
Não faz mal porque, a julgar por uma pequena amostra que vi, há dias, na SIC-Noticias, os próximos meses vão ser ricos na demonstração desses conhecimentos, embora eu tema complicações a outros níveis. Pela dita amostra, vai ser um fartote se o homem insistir em dar entrevistas naquela língua de trapos; a conversa há-de, inevitavelmente, sair da parte técnica das engenharias (cadeira em que é elevadamente licenciado) para as coisas mais triviais e aí, sem rede por baixo, a coisa pode ficar feia. Espero, sincera e honestamente, que não lhe aconteça a ele o mesmo que me acontece, muitas vezes, a mim!
Modéstia à parte, também eu sou muito bom na parte técnica (diploma de inglês de praia) mas quando a conversa descamba para o dia-a-dia, como não percebo patavina do que me dizem, meto o meu sorrisinho de plástico – para o conseguir escorropicho tanto a pele da cara que deixo de ouvir! – e, depois, seja o que Deus quiser: podem insultar-me a mim, à minha malta ou ao meu fcp, podem dizer que tenho as mãos nos bolsos e a braguilha aberta, podem contar-me a mais triste e comovente história verídica que conheçam mas, o meu sorriso, só se desfaz quando finalmente me apercebo do silencio que me rodeia e da incómoda sensação de que, a qualquer momento, me vão partir a tromba.

Imaginem-me a falar com o presidente russo, ou com o presidente Mugabe (que virá de visita), ou com o presidente Chavez, ou com o presidente emplastro: troco ou pronuncio mal uma palavra e, de repente, até parece que fiz uma critica sobre a forma como tratam dos direitos humanos nos seus países! Nem em sonhos me passaria pela cabeça fazer tal critica, quanto mais acordado! Sim, quem sou eu, metido no meu cantinho, para dar lições de moral seja a quem for? Santinho?
A conversa até está muito agradável mas, vão-me desculpar, estou ali a ver o Bush e o Blair, badamecos, tenho que lhes ir dizer umas quantas verdades, os gajos andam para aí a abusar, ouvi uns zunzuns sobre cadeias e torturas, haja alguém com coragem que os meta na ordem, vou ali e já venho. Excuse me!

Uma pergunta, aproveitando a boleia ali de cima e já que estamos na época: porque carga de água é que nós não podemos ter santos com nomes nobres, tipo Gustavo, Afonso ou Guilherme e comer bifinhos de lombo com batatinha frita e champanhe a acompanhar em vez dos pindéricos Pedro, António e João mais as suas pindéricas sardinha e sangria, essa mistela demoníaca que arruína a fruta, a gasosa e, até, o mau vinho? Porquê?

Tuesday, June 05, 2007

Indecisões






Bolas pá, assim um tipo anda sempre à nora, sem saber com o que é que há-de contar, isto é duro psicologicamente e alguém vai ter que ser responsabilizado pelos traumas que estas indecisões me causam.
Quando me disseram que a multa a pagar ao ser apanhado a fumar ia dos 50 aos 1000 euros contra uma multa de apenas 25 a 403 euros (substituível por tratamento voluntário) se fosse apanhado a chutar heroína para as veias, percebi que estava na hora de mudar de vício. Somei dois mais dois e, vai daí, concluí que se um delito tem coimas inferiores ao outro é porque é menos perigoso e socialmente mais aceitável. Ao nível da punição, era o chamado dois em um: a troca de um vício mais caro e socialmente asqueroso por um mais barato e mais bem visto. Ao contrário do habitual, saltei da fase do “já faço, daqui a um bocadinho!” para a do “bora nessa Vanessa!” pesquisando na Internet a melhor, a mais barata e a mais rápida forma de trocar de veneno.

Acabada a pesquisa, optei pela compra do pacote que me pareceu o mais adequado ao meu caso particular: um curso diurno de dois dias de “Técnicas de assalto por esticão em zonas urbanas” e outro nocturno, em fim-de-semana, de “Antecipe-se ao estado e alivie a sua família do peso das pratas, do ouro e/ou de outras riquezas materiais”; um bónus, uma espécie de mestrado em “Activismo pacifico anti globalização”, ministrado durante uma qualquer reunião dos G-8, com tudo incluído, a viagem de ida e volta de avião, regime de meia-pensão na primeira noite numa casa ocupada, as seguintes em pensão completa nos calabouços da policia ou num hospital local, um kit de material escolar com quatro paralelepípedos para a prática do tiro às montras, aos carros e às trombas dos broncos que ainda se dão ao trabalho de fazer cumprir a lei, quatro esferográficas, três pensos rápidos, uma t-shirt com o Che estampado e um CD com alguns dos discursos do novo rei da banha da cobra, o grande líder venezuelano.

Eis que, do nada, vem a menina Maria de Belém (sempre tão pequenina, tão sensível, tão sorridente, tão penteadinha, tão bonequinha… ahhhhhh – suspiro! – tão querida!), informar que, alertada que fora por colegas parlamentares (fumadores???), vistas bem as coisas, era bem capaz de haver qualquer coisa de errado naquela tabela de coimas, sabe-se lá, quiçá a merecer alguma reflexão. Em que ficamos, mudo ou não mudo de vício? E posso ou não deduzir no irs as despesas que tive com o curso?
Não deixa porém de ser verdade que tem lógica, aos olhos dos caçadores de receitas para a manutenção dos vícios do estado, a maior penalização dos fumadores (que continuam a comprar a matéria-prima às claras, desde que abifem com o imposto de selo); a enorme esmagadora maioria desses agarrados ao fumo, mesmo depois de muitos anos de vicio, consegue manter raciocínios coerentes, comportamentos razoáveis, moradas conhecidas, toda uma panóplia de defeitos que os forçam a manter-se em empregos remunerados, remunerações essas que acabam por se traduzir, em muitos casos, no crescimento dos seus activos, portanto, alvos que, indefesos, mesmo bufando, pagam mesmo!

Um aviso público à minha Maria e aos meus putos, sem qualquer relação com o texto anterior: transferências, a partir de agora, só para debaixo do colchão da cama do quarto de costura! Know what I mean? Quem não souber inglês, pode pedir ajuda a qualquer um dos alunos que frequentam essa disciplina na universidade da terceira idade da cidade de Tondela.