Saturday, October 20, 2007

Vira o disco





O difícil é conseguir encontrar um tema sobre o qual vai girar a treta da minha crónica; depois – eu acho – a coisa mais ou menos acaba por fluir e, no final, às vezes até fico com a sensação do dever cumprido, com a sensação de que o cheque é merecido.
Esta semana, o problema é a quantidade; é conseguir escolher entre os vários temas que, assim de repente, me ocorrem: o congresso do PSD, a visita de dois policias a um sindicato na Covilhã para saberem o cardápio das queixas e dos insultos contra o nosso primeiro e o rápido arquivamento do respectivo inquérito, os desabafos de dois apresentadores de noticias de televisão, ambos escritores de romances, sobre a suposta ingerência dos chefoes nas linhas editoriais das respectivas estações e as diferentes reacções dos seus superiores, o novo orçamento do estado e o (continuo) aumento da despesa corrente ou os perdões de enormes dividas acordados pelo BCP a empresas ligadas a alguns accionistas e administradores.

Ou a atribuição do Nobel da paz a Al Gore, autor do filme Uma Mentira Conveniente, desculpem, Uma Verdade Inconveniente, que teve piada por ter acontecido na mesma semana em que o juiz de um tribunal inglês impediu a divulgação do filme nas escolas públicas inglesas, por este conter nada mais, nada menos do que 9 (nove) imprecisões científicas. Para poderem passar o filme, os professores terão que contrabalançar a teoria do laureado com a de cientistas que defendem o contrário, isto é, que não há nenhum aquecimento global e que não é o homem o culpado pelas alterações no clima. A mulher talvez, aí sim, já eu não punha as mãos no fogo, quanto à culpa…

Ou ainda o sorriso irónico e a pergunta “mas quais escutas?” que o senhor ministro da administração interna fez na RTP, às quinhentas da matina, a propósito da divulgação de escutas telefónicas antigas onde é ouvido a agradecer a Abel Pinheiro (ex-tesoureiro centrista, actualmente arguido num processo de tráfico de influências) o empurrão para uma sua eventual nomeação como procurador geral da republica que o Paulinho das feiras podia dar junto do antigo Presidente da Republica, Jorge Sampaio, em resposta a um pedido de ajuda directo do (na altura ainda) engenheiro.

Vamos entendendo melhor o complexo enredo, encenado, nos bastidores, pelos artistas que, alegadamente, se estrafegam na praça pública de modo a arrancarem ruidosas mas anestesiadas palmas aclamatórias das suas diferentes clientelas.

Do congresso do PSD, bastou-me ouvir uma parte do discurso de Manuela Ferreira Leite, onde ela jurou, a pé juntos, que não há, nem deverá haver tão cedo, margem para reduzir os impostos. Como defende também o novo presidente eleito do partido.

São estas reservas morais da republica, referências históricas dos grandes (e pequenos) partidos da nossa assembleia democraticamente eleita, prestigiados e experientes economistas e eu sei lá que mais, que, do meu ponto de vista, desde há não sei quantos anos, empobrecem a vidinha e a conta bancária da maioria dos desgraçados portugueses, com a maldita impossibilidade de reduzir os impostos porque – genuína mas (se calhar) não ingenuamente – não querem é acabar com o regabofe que é a despesa pública e os seus efeitos colaterais.

Sendo assim, eu que até escrevo e falo de barriguinha cheia, filiei-me na abstenção. Sentado e à espera!

Thursday, October 11, 2007

Arrepios

(foto daqui )





Quando o calor vai de férias, aquecer os corpos que se passeiam noutras paragens, vem o estafermo do frio para tomar conta de nós, sempre à coca, a ver quando é que metemos o pezinho, descalço, numa poça de água gelada e, mal nos apanha de corpinho bem feito, acama-nos com uma bruta e estúpida gripe. Para o ajudar a torturar-nos vem, como dizem no


Porto, o bento (mas é aquele que assopra e não aquele que faz aquelas poucas vergonhas com a senhora marquesa) e enche o ar que respiramos com micróbios, qual deles o mais pestilento, resultando numa sinfonia de espirros que nunca mais acaba, coisa tão desprovida de graça como o primeiro episodio da segunda edição do programa dos gatos fedorentos que estreou ontem, domingo, no canal de televisão estatal e que eu e a minha gente, aguentámos até ao fim, sempre naquela vã esperança, esperança nem sei bem de quê.

Já há umas noites atrás, também naquela estação, um concurso do tipo festival da canção, mas para putos, me tinha mandado para a cama todo arrepiado e com uma dor de ouvidos levada da breca, uma vontade danada de experimentar saltar dum avião sem me preocupar em levar o pára-quedas ou até a vestir e fazer explodir um desses fatos de macaco que os islâmicos fascistas usam, convencidos de que é a maneira mais rápida de irem às meninas.
A ultima vez que eu me lembro de ouvir uma tão horrorosa chinfrineira e de ter tão inocentes pensamentos foi quando o meu filho mais velho, então com uma mão cheia de anos, tirou a chupeta da boca do mais novo e este, ainda incapaz de lhe ir ás trombas sem a minha ajuda, desatou num berreiro tal que acabou por rachar a parede da porta da entrada da minha casa, onde está, desde então, pendurado aquele que é o nosso maior quadro e também onde, durante o Inverno, mantemos as garrafas de vinho branco sempre geladinho.

Ainda pensei que os pais daquelas barulhentas criancinhas fossem como eu e que, quando confrontado com a óptica duma câmara de televisão a transmitir as minhas fuças em directo e em simultâneo com a actuação do meu desafinado petiz, meteria aquele meu ar aparvalhado e surpreso, género “que é que foi?, vire essa coisa para lá, eu?, ter alguma coisa a ver com aquilo?,


você é maluco ou faz-se?, porra, já viu como o puto canta mal como o raio, chiça penico, caramba pastel de coco!, coitados dos pais da criatura, bom, eu só vim ver a bola, agora tenho que me ir embora, em que rua é que fica o museu do ruído?”.

Juro, puto meu, naquela idade, enfiar-se numa situação daquelas, sem ter jeitinho nenhum para a poda, como castigo – Deus me livre, me perdoe e me poupe – não recebia a mesada até conseguir cantar tão bem como aquele senhor de bigode que, com o bacalhau, quer alho.
Mas não, não senhor! Aqueles paizinhos não só não invadiram o palco para cascar e calar os fedelhos como ainda por cima estavam felizes, contentes e saltitantes sempre que as câmaras os mostravam e os rotulavam como os progenitores, os tios, os primos, ou os avós daquelas pestes desafinadas e guinchadoras.

Se algum dia, por muito distante que ainda possa estar (e espero bem que sim), algum filho de um dos meus filhos me levar a comportamentos destes, desde já vos suplico: internem-me!