Tuesday, December 18, 2007

Brrrrrrrrrrrrrrrr!




Está aqui um frio danado, mesmo com dois aquecedores à minha volta e uma catrefada de roupa vestida não consigo aquecer. É suposto estar frio na época natalícia mas também não era preciso exagerar. Quatro graus de temperatura mínima previstos para a capital é o melhor convite (e pretexto) para eu ficar na cama o dia todo, mais ou menos como fazem os ursos, esses sim é que são espertos, dormem durante todo o Inverno e só acordam quando já se pode andar de tanga.

Por falar em tanga, entreguei, há minutos – voluntariamente forçado – a terceira prestação por conta da minha prendinha do ano que vem, ao senhor fisco, aquele monstro que tem uma carantonha muito, muito feia, igual à do gigante Adamastor, o brutamontes barbudo, sujo e malcheiroso que também assombrava os homens que tentavam, desafiando os ventos e as marés, dobrar um cabo de boa esperança. Eu, que sou tão ou mais curioso que os gajos do banco de Portugal quanto a tudo o que se passa nos nossos bancos, nomeadamente no BCP, roo-me todo para ver se adivinho o que vou receber em troca!

Felizmente há uma prenda que o estado me vai dar para o ano que vem e que vai contrabalançar estas mexidas, descaradas, no meu bolso.
Nem toda a gente se pode gabar de conseguir prever acontecimentos futuros mas eu consigo, tal como o professor Karamba-às-vezes-nem-sei-como-calha-mas-acerto. Não, por acaso não é só uma, por acaso eu até já sei duas das prendas que vou receber: uma é mais um (uuuaaaahhh, longo bocejo de monotonia!) título de campeão nacional para o meu clubezito e a outra, a tal de que falava atrás, é a nova lei anti tabaco.

A partir do primeiro dia do próximo ano vou deixar de gastar dinheiro em almoçaradas ou jantaradas em restaurantes. Não posso fumar? Então não vou! Como e bebo em casa!
Ou então recheio um taparuére com torresmos, pastéis de bacalhau, enchidos, azeitonas, carcaças, um garrafãozito de tinto – copos não que o plástico estraga o ambiente – e esfumaço até vir a mulher da fava rica ou até se lembrarem de inventar uma porcaria qualquer grave na camada do ozono, ou no recheio do taparuére, por minha culpa.
Ao menos consolo-me a pensar na massa que vou poupar só nos “couverts”, que na maior parte das vezes vão quase inteirinhos para trás, poupança que vai dar e sobrar para fazer face ao aumento do preço de cada maço; como dizia um antigo primeiro-ministro, o primeiro dos que fugiram por causa do nosso pântano, é só fazer as contas: para um aumento de, vá, trinta cêntimos por maço, fumando eu meio maço por dia, ora deixa lá ver, dá-me um aumento de despesa de cinquenta e quatro euros por ano. Isto dá para aí quantos “couverts”, por ano e por pessoa? Dez? Doze? É nas calmas! Sem contar no que poupo nas gorjas!
Interessante vai ser a solução para as prisões: os governantes têm que proibir o tabaco mas querem dar seringas para injectar um substituto nos viciados noutras substâncias (menos perigosas, suponho!). Os agarrados do tabaco vão ser discriminados ou também vão, como os outros agarrados, ter direito a uma regalia especial? Ainda vão ver que um gajo, para poder fumar à vontade, num espaço público, pequeno, fechado e sem ventilação, tem que ir dentro.

Mas pronto, é Natal, não vale a pena falar de coisas tristes, se tem que haver frio então que haja, se não se pode fumar que se dane, manda quem pode e obedece quem deve, tenham umas Festas felizes e, cuidado, muito cuidado com o que comem!

A máquina do tempo



112 Lexington Avenue, Bridgeport, USA.

Esta não é uma morada ao calha. Esta é a morada, cujo passado eu andei a investigar durante este fim-de-semana, aproveitando as maravilhas da tecnologia, confortavelmente sentado na minha cadeira e em frente ao meu computador, sem vontade para sair de casa por causa da confusão da cimeira.
Ali, há quase cem anos, a 28 ou 29 de Junho de 1917, o Ezequiel e o Custódio terão dado um abraço, um abraço apertado, umas quantas palmadas nas costas, sorrisos largos, o Custódio disse "estás com bom aspecto, primo, as gringas tratam-te bem!", e o Ezequiel retorquiu "e tu, deste-te bem lá pelas terras do Brasil?". Devem ter morto as saudades, partilhado esperanças e brindado a um futuro melhor. Não consta que tenham ressonado apesar da quantidade de bebida ingerida.
O Custódio Marques tinha chegado ao porto de Nova Iorque, no navio "Vauban" vindo do Brasil, via Buenos Aires. Às autoridades aduaneiras, disse ter 23 anos e a fortuna de 10 dólares, de ter sido ele a pagar a sua viagem e que ia para a casa do primo Ezequiel Henriques. Vinha para trabalhar mas fazia tenção de regressar para o seu país de origem. As autoridades registaram-no como física e mentalmente são, capaz de ler e escrever, sem cicatrizes ou marcas especiais, de olhos castanhos e cabelos pretos.
No mesmo navio vieram, de Santa Comba, o João Almeida, com 24 anos e 32 dólares e o Augusto Leonardo, de 22 anos e com 35 dólares, mas foram para outras paragens.
Em Setembro do ano seguinte, no dia 12, o Custódio foi obrigado a ir à inspecção militar. Apesar da primeira grande guerra se aproximar do fim os americanos queriam toda a gente alistada.
No cartão de registo, o Custódio escreveu que tinha nascido a 25 de Agosto de 1893, que era operário na Remington Arms Co. de Bridgeport, uma empresa de fabrico de armas e munições, e assinou-o declarando que tudo aquilo era verdade. As autoridades atestaram que o meu avô não tinha perdido nenhum braço, perna, mão ou olho, não estando obviamente desqualificado para o serviço. Na história da Remington, este dia ficou marcado por uma missa em comemoração do fabrico do ultimo rifle dum grande contrato com o exército dos EUA, a que compareceram, entre importantes figuras do exército e da marinha, mais de 14,000 dos seus empregados.
Diz o ditado, e é verdade, que quando vai um português vão logo dois ou três! A dada altura, naquela morada terão habitado o Custódio, o Ezequiel, o Moyses Mattos Affonso, o Júlio Reis e o José Henriques. Outros mais se juntariam:
O Roberto Ventura, filho de Manuel M. Ventura, que chegou no dia 18 de Fevereiro de 1920 no navio "Britannia", com 22 anos e 50 dólares; com ele vieram também o Sabino de Matos e o Alberto Mattos Almeida.
No dia 5 de Outubro de 1920 atracou no porto de Nova Iorque o navio "Providence". Um dos passageiros era o Joaquim Ventura, agricultor, que vinha para casa do irmão Custódio. Declarou 20 anos e 20 dólares, que não era nem polígamo, anarquista nem aprovava o uso de força para derrubar o governo americano e não sabia quanto tempo ia ficar. As autoridades consideraram-no mental e fisicamente são e sem quaisquer deformações. Com ele vieram o Joaquim Marques Matos de 28 anos e o Manuel Antunes de 38, com 30 dólares cada um.
Aos habitantes do 112 da Lexington avenue em Bridgeport, Connecticut, as autoridades americanas chamaram Tourigo Boys e, durante anos, mantiveram uma apertada vigilância.