Wednesday, January 31, 2007

Nada




Volta e meia acontece! É raro... mas acontece! Às vezes, quando me sento ao computador para escrever, fico para ali especado a olhar para o monitor, ou para as teclas, ou para as unhas e, apesar do meu ar sério e compenetrado, não consigo encontrar o tema que seja o tiro de partida para a minha crónica. Hoje não, hoje sei exactamente sobre o que é que vou escrever, e vai ser sobre nada. Isso mesmo: nada!

Podia escrever sobre o referendo ao aborto, sobre o caso do sargento Gomes, sobre a justiça ou criticar a falta dela, sobre a crise na autarquia da capital e no maior partido da oposição e dizer cobras e lagartos de uns e de outros, sobre o problema do aquecimento global e esconjurar os seus maiores culpados, sobre a as alterações ao concurso do canal um por causa da vitória de Salazar, sobre mais uma derrota do maior clube de futebol do mundo e arredores, sobre o roubo que é o preço da gasolina face ao custo do petróleo e ao câmbio do euro contra o dólar americano, sobre o exagero que são os impostos mais as suas taxas escondidas, sobre o excessivo peso do estado na economia e na vida dos cidadãos, sobre aqueles buracos na berma da estrada do Tourigo para Mortágua, ao pé de Mortazel e que, como a Toyota, vieram para ficar, bem, se eu quisesse, matéria prima não faltava.

Mas queria ser original e, sei lá, escrever um texto a apoiar a politica do senhor Bush na sua luta contra o terrorismo; ou um a questionar porque carga de água não havemos nós de impor os nossos usos e costumes aos que escolhem ficar por cá (na Europa comunitária) a viver e a trabalhar se depois somos punidos pelas nossas autoridades, por violação da nossa constituição, se copiarmos alguns dos costumes deles; ou escrever a dizer que me estou nas tintas se uns quantos combatentes extremistas islâmicos foram obrigados a fazer o pino e a ouvir a música dos Red Hot Chili Peppers até cuspirem cá para fora a informação que evitou vários atentados contra alvos densamente povoados de civis (a minha vizinha, que tem setenta e muitos anos, foi torturada, ao murro, por dois putos de treze que continuam por aí, mais livres e arrogantes do que os voos da CIA, apesar do inquérito que, dizem, está a decorrer na policia).

No fundo, o que eu queria era escrever textos que seja raro lerem-se, provavelmente porque são poucos os que os têm no sitio! O senhor Pacheco Pereira é dos poucos que os tem, lá no sítio dele que é o www.abrupto.blogspot.pt; além dele, ou melhor, com a inteligência e com a independência dele, se calhar os dedos de uma só mão chegavam para contar quem tem a distinta ousadia de fugir à atracção do pc (politicamente correcto).

Querendo ser original mas não me sentindo à altura do senhor doutor Pacheco, decidi escrever sobre nada. Só chateio quem já leu até aqui e depois cada um vai à sua vidinha.
Hoje de manhã, domingo, esteve quase a nevar aqui em Lisboa; estavam quatro graus na rua e – juro – que vi dois farrapos de neve no meio da carga de água que caía quando cheguei ao clube para ir jogar ténis. Pois foi, a sério que vi!

Wednesday, January 24, 2007

O Maior


Tanta gente a votar a setenta e dois paus o voto, mais iva, para a eleição do maior português de sempre e nem um só, um só único desgraçado votou no Gabriel!

O Gabriel foi, sem sombra de dúvida, o maior português de sempre. Dois metros e para ai uns quase quarenta centímetros. Deitava a cabeça na cama do quarto e os pés numa outra, instalada na marquise. Duas traineiras velhas, compradas na sucata, escondiam as camisolas que calçava nos pés para esconder os joanetes do tamanho de maçãs reinetas.

Nascido em Moçambique, conheci-o ainda aquela colónia era território português. Veio na bagagem de um empresário manhoso e, juntamente com um anão de nome Lúcio, correu o país de lés a lés; o Gabriel sentado numa cadeira real segurava o Lúcio na palma da sua mão direita enquanto recebia, na enorme tenda, os visitantes que compravam o direito a vê-lo de perto, a ele, o gigante de Majacaze, o maior de todos os portugueses.

Durante os meses que durou a sua tournée pelas feiras do norte, ficou hospedado na mesma casa que eu. A vivenda de três andares, conhecida nas redondezas como a casa dos malucos, tinha onze quartos e uma vintena de inquilinos, todos machos e supostos estudantes, rapaziada que foi mandriar para o Porto, idos das mais variadas regiões, do Minho ao Algarve.

Nos primeiros dias da sua estadia naquela espécie de manicómio, ainda conseguiu ter algum sossego porque essas eram as ordens do empresário e também porque o Gabriel era muito tímido. Valeu-nos o Lúcio, a quem bastava enfiar um copo com brande ou whisky debaixo do nariz para cair redondo no chão. Na sala das refeições e depois de um jantar, após a segunda inspiração de Macieira lá tivemos nós que o levar ao colo para a sua cama, que era ao lado de uma das do Gabriel. A medo batemos à porta, pedimos autorização, dissemos ao que íamos e ficámos amigos. Rapidamente aquela zona passou a sala de jogos e a casa de fados, berros esforçados ao som da viola do Gabriel, por sinal muito mal tocada. Aquela manápula era incapaz de conseguir tocar uma só corda de cada vez e, a partir, eram logo todas as seis duma vez.

O Gabriel deslocava-se numa furgoneta VW, a sua limusina; o banco era muito rebaixado para evitar que o desgraçado andasse sempre às cabeçadas ao tejadilho. Tinha problemas nas pernas (tinham-lhe enxertado um osso – de carneiro ao que me lembro – numa das coxas) e muita dificuldade em andar a pé e usava uma bengala do meu tamanho que brandia em jeito de ameaça, sempre a sorrir, quando fazia de contas que se zangava connosco.

As visitas lá a casa de duas namoradas que vinham expressamente contratadas de um bar da Povoa do Varzim eram um dos momentos mais comentados, até pelas medidas de segurança que originavam, com dois seguranças à porta do quarto que só partiam quando a visita estivesse consumada. Uma destas namoradas acabou por casar com ele, tendo-se divorciado pouco depois. De volta a Moçambique, também ele morreu na miséria.
Um enorme português e nem um mísero voto… nem o meu, pois eu, confesso, preferi esbanjar os setenta e dois paus, mais iva, numa imperial com tremoços!

Tuesday, January 16, 2007

Anjos





Um dia destes tenho que ir às compras, estou a precisar de umas roupitas novas e adiar este sacrifício significa arriscar-me a ficar sem os fundilhos de algumas das minhas calças a qualquer momento e embora me dê algum gozo imaginar o embaraço de quem me visse o dito, mesmo que decentemente tapado, tenho dúvidas de que eu próprio apreciasse a minha humilhação.

Mudar de fatiota e vestir uns trapos novos, dizia um senhor meu conhecido, pode ser melhor para a saúde do que muitos remédios, mudar o visual é excelente para a nossa disposição, fazer de contas que somos outros, novos, diferentes e frescos aos olhos de quem nos vê. O stock é o mesmo a montra é que aparece exposta de maneira diferente, o efeito dura pouco tempo mas enquanto dura sabe bem.

A ONU, esse polvo que as elites politicamente correctas querem que eu engula, à maneira do óleo de fígado de bacalhau, como o único, o verdadeiro, o maravilhoso garante do direito internacional, também trocou de roupa, um produto da Coreia do sul em substituição do já mais que gasto produto ganês, do estilista Kofi Annan.

Toda a gente sabe como os americanos, perdão, os americanos não, o que toda a gente sabe é como o senhor Bush trata os habitantes do mundo, entre eles os prisioneiros, estejam eles em prisões iraquianas, numa ilha das Caraíbas ou em trânsito, num qualquer avião da CIA. Toda a gente sabe, porque há jornais, rádios e televisões que não se cansam de o repetir e de o lembrar. Às vezes há provas – fotografias, filmes, testemunhos – outras vezes, como não as há, as acusações ficam como que a pairar no ar embora a sua sombra já funcione como uma nódoa que não sai.

Em todos os casos sustentados por provas já houve, ou estão em curso, julgamentos, alguns com sentença já proferida e com os culpados a cumprir pena; quanto aos outros aguardam-se as provas para se poder ir para além do diz-que-diz e outros episódios há em que se provou ser mentira. Os americanos são maus, perdão, o senhor Bush é muito mau, mas a justiça naquelas terras funciona e uma sociedade civil irrequieta lá vai picando os vários poderes impedindo-os de adormecerem na cepa torta.

Os garantes do direito internacional, a minha querida, adorada e estimada ONU, têm tropas de manutenção de paz espalhadas por uma porção de países – Congo, Libéria, Haiti, Burundi e Sudão por exemplo – e, segundo provas, os soldados que as integram violam e roubam à fartazana os pobres dos nativos, especialmente as crianças.
De quantos julgamentos e acusações já lhe deram noticia os órgãos de comunicação social que costuma ler e ouvir? Eu também!

O actual Conselho dos direitos humanos da ONU, eleito no ano passado e com mandato para três anos é constituído por quarenta e sete países entre os quais se encontram países tão democráticos como Cuba, Argélia, Arábia Saudita e China.
Durante o ano de 2006, os dois países com o maior número de condenações feitas por este conselho foram Israel (38) e os Estados Unidos (29). Só depois aparecem o Sudão (26), a China (23) e o Irão (21). Cuba está em décimo sétimo lugar com 9.

Quando mandar rezar uma missa vou convidar estes meninos de coro. São tão afinadinhos a embalar-nos que até dá gosto.

Tuesday, January 09, 2007

Jogos



Já curti e já curei os estragos provocados pelos exageros cometidos durante a época natalícia; estou agora na chamada fase dos caldos de galinha que se caracteriza por uma total ausência de excessos e cujo objectivo é manter-me em bom nível físico e mental.
Infelizmente ontem comi qualquer coisa que me provocou uma tremenda de uma azia e segundo o meu médico, nem na Quaresma vai passar. Atlético e pronto para jogar não ficarei eu tão cedo. Paciência!
Ou então vou jogar na bolsa, brincar com as acções das empresas cá do burgo; aqui sim, quem tem jogado, tem todas razões para andar contente, o ano passado foi o melhor desde o princípio do século e este também começou com o pé direito e, para já, vai lindo e formoso, com bom porte atlético.
No meu tempo – expressão usada por elementos de uma determinada geração para dar tareia em todas as gerações mais novas – quando se compravam acções, entrava-se mesmo na posse dos títulos em papel que ficavam guardados no cofre ou debaixo do colchão até à próxima transacção, altura em que eram passados para as mãos dos seus novos titulares. Hoje, nos tempos deles e graças à parafernália tecnológica existente, num minuto, sem ter que sair da cama, sem ter que falar ou contactar com mais nenhum ser vivo, um artista pode comprar e vender imediatamente uma porradaria de acções, ganhar ou perder uma pipa de massa.
Há jogadores que dizem que as cotações das acções já subiram demasiado, que os lucros das empresas vão ser afectados negativamente pelas subidas das taxas de juro, que a economia americana vai entrar em recessão, que a bolha não tarda nada vai rebentar e que as quedas vão ser dolorosas, muito piores do que a queda dos dragões; outros, pelo contrário, dizem que não senhor, este ano ainda vai ser sempre a acelerar, a economia mundial continua de boa saúde e a nossa, a portuguesinha da costa, também vai crescer e as empresas vão mas é ter mais lucros, abrandamento só para o ano que vem. A juntar aos sinais dados pelas maiores economias mundiais, dizem eles, está também o sentimento de que durante este ano vai aumentar ainda mais a concentração de empresas, quer através de aquisições hostis quer através de fusões amigáveis, reduzindo o número de empresas e criando grupos com mais poder de controle sobre os preços de venda dos produtos.
Uma destas duas leituras tão diferentes da mesma realidade estará mais correcta que a outra; pode até dar-se o caso de as duas estarem certas dependendo da altura do ano. Os pessimistas são os ursos e os optimistas são os touros.
Prognósticos só no fim do jogo, de maneiras que convém lembrar a todos aqueles que estão em campo para estarem atentos ao desenrolar dos encontros, ter muita atenção às faltas, especialmente às entradas por trás e à má fila, para não se perder o controle do esférico que neste caso dá pelo nome de euro.
Eu, como se diz na gíria, já estou dentro e em jogo. Espero é não ficar tapadinho …

Tuesday, January 02, 2007

Correrias




Hoje é o último dia do ano de dois mil e seis, amanhã arranca mais um período de doze meses que, em progressiva aceleração, nos vai levar em direcção à próxima passagem de ano, que está já ali, ali ao virar da esquina, isso, aí mesmo.

Não sei que raio é que se passa com o estafermo do tempo mas, de há um punhado de anos para cá, o marmanjo parece ter o fogo no rabo, armado em carapau de corrida.

Ando eu ainda a apreciar o cheirinho a lavado que a prima vera deixa no ar quando, sedutora, provocante e prometedora, aparece a pavonear-se, armada em boazona – que é, entre as estações! – e, pimba, já as noites tomaram, outra vez, conta da maioria dos dias, embrulhando o sol na cama pouco depois da hora a que os ingleses tomam o seu chá, não vá o menino estar cansado quando, à meia-noite, se comerem as doze passas e, rabugento, estragar a festa que, goste-se ou não, tem que ser alegre.

Os meus putos riem-se, encolhem os ombros e dizem que eu devo ter os cilindros entupidos ou a cabeça do motor queimada; a minha patroa começa a entender-me e os meus pais gozam à brava comigo! À brava, à brava, não será, mas parece, pois garantem que o tempo deles é ainda mais veloz e que, se os nossos dois tempos fizessem uma corrida, a minha humilhação na derrota era menina para me estatelar na cama com uma depressão à maneira.

Desconfiado, procuro-lhes no olhar pistas que me façam concluir que estão a gozar com a minha cara, exactamente como faziam quando, ao luar em plena selva tropical, apontavam para a sombra vergada pelo peso do enorme saco e diziam que era o Pai Natal que estava de passagem. Nã, estão mesmo a falar a sério.

Que se dane! Com que então sua excelência quer conduzir cada vez mais depressa? É? Está bem! Que lhe faça bom proveito!

Já que este maluco teima em me levar no lugar do pendura, espero que o desgraçado evite tanto quanto possível os buracos que vão dando cabo dos pneus, que obedeça minimamente ao manual de instruções e faça umas revisões de quando em vez. que vá cumprindo as regras de transito, que não abuse muito do motor e nunca, mas nunca, deixe o depósito ficar sem combustível.

Apesar do vento e da poeira provocados por esta desenfreada velocidade há que manter os olhos sempre bem abertos e, assim, apreciar bem a paisagem enquanto posso porque, mais cedo ou mais tarde, este Fangio vai mesmo acabar por nos fazer despistar (não se preocupem, já bati quarenta e seis vezes na madeira ...).

A minha taça, cheia de um bem gelado champanhe, aguarda que a vossa esteja a postos; já está? Tchim, tchim!