Tuesday, March 27, 2007

Decisões



Quando era puto, naquela idade em que podia dar-me ao luxo de me chatear por causa dos berlindes, da macaca, do futebol ou dos resultados dos concursos, apanhava uns valentes cagaços sempre que me punham ao comando do carro das vacas, nas excursões matinais que então fazíamos aos pinhais, cujo objectivo era roçar o mato em vez de o fazer nas paredes.

O bafo delas ficava ao nível da minha nuca, de modos que, de cada vez que eu era obrigado a olhar para trás, borrava-me todo, com a enormidade daquelas bestas e das suas respectivas hastes. O som dos cascos a martelarem o alcatrão ajudava ainda mais à festa e eu sempre à espera que uma delas escorregasse e me deixassem no mesmo estado em que ficavam as suas bostas. Creio que uma delas se chamava “castanha” e a outra “não-sei-quantas”.

Um dia, estava eu na casa de banho, ouvi-as a conversar e quando finalmente consegui ligar o tradutor automático já só consegui ouvir a “não-sei-quantas” a dizer: “Ainda bem que amanhã já é segunda-feira e vamos andar com a canga!” A castanha, bufou desconsoladamente e, sacudindo sete moscas com a cauda, respondeu-lhe: “Tu não regulas bem dos cornos, pois não?”

Lembrei-me deste episódio durante uma conversa que tive, este fim-de-semana, com um amigo meu que mora no Allgarve (senhor director, peço-lhe o obséquio de não corrigir porque agora é assim que se escreve. Juro!), mais precisamente em Vila Real de Sto António.
Faminto de notícias da sua terra, mal me apanhou sozinho, fez de mim o seu telejornal. Contei-lhe todas as novidades mas dei um especial destaque à (pequena) proposta de redução de alguns impostos, feita pelo líder do partido social-democrata e das reacções contra que provocou, mesmo dentro do seu próprio partido. Embalado, despejei-lhe a minha lengalenga, estes gajos são todos iguais, aumentam os impostos com o argumento da justiça social, depois é só descobrir as carecas, reformas milionárias aos quarenta e pouco anos, salários fabulosos em empresas municipais, cargos e custos fictícios, o costume, tudo à nossa custa!

Armado em esperto, sacudiu da camisa a cinza do charuto e estucou-me: “Queres pagar menos impostos, pagar o IVA a 16%, a gasolina a 0,98 cêntimos e outras mordomias? Então muda-te! Vai viver para a fronteira! Em vez de refilares, muda-te!”

Mudar de vida foi também o que quis uma marroquina a viver na Alemanha, ao apresentar em tribunal um pedido de divórcio, com base nos maus-tratos infligidos pelo marido.
Uma juíza, alemã, cidadã de um dos estados que há cinquenta anos ajudou a fundar a nossa comunidade, negou-lhe essa possibilidade porque, de acordo com a sua douta sentença, na religião islâmica, bater nas marmanjas, é um direito que assiste aos homens.

Mudar-me para a fronteira? Mas qual?

Thursday, March 22, 2007

Calores




Quem diria que, depois de um belo e solarengo fim-de-semana primaveril, a semana ia começar com tanto vento e com um frio de rachar? Ainda por cima, como hoje é dia do Pai, eu já me estava a babar todo só de pensar que ia poder baldar-me ao trabalho e ir apanhar sol para a praia, os meus filhos que dobrassem a mola por mim; agora, se quiser ir, terei que carregar com o estafermo do edredão e do saco cama e, quer-me parecer, até com o guarda-chuva. Não vale o esforço!
Março marçagão, de manhã és porreiro, à tarde és um grande … maganão! É assim o ditado, não é?

Enquanto que pelas terras de besteiros eu andava a levar uma coça no jogo da malha, batido sem apelo nem agravo por um casal de idosos – com idade para serem meus Pais – dois seres sem escrúpulos, batoteiros e manhosos (fingem que lhes custa muito a dobrar a espinha e as pernas para apanhar aquelas coisas redondas e depois, pimba, é sempre a mandar o meco abaixo), aqui na capital, a autoridade policial também andou a levar pela medida grande, embora neste caso os malhadores fossem ganapos. Para a câmara e microfones da SIC, putos de ambos os sexos, com aparência de andarem aí pelos dez anos, juraram, que “agora é que os matamos a todos, cá no bairro eles não mandam nada”. Para o canal televisivo que é meu, teu e dele, os distúrbios, ocorreram num local que é um “mosaico multicultural” embora a censura tenha impedido as crianças de darem voz ás suas promessas de justiça. Se um mosaico bate assim …

Miúdos, um pouco mais velhos do que os do degradado bairro, pertencentes ao mesmo agrupamento politico, alguns deles até com direito a sentarem o dito cujo no nosso parlamento e, ao que consta, com um pouco mais de educação, terão estado a um passo da galheta geral. Relatos vários, falam em prolongada, intensa e interessante troca de galhardetes verbais, levando à prática os ensinamentos adquiridos em tempo de eleições com as passagens das suas caravanas pelos mercados de peixe. A batatada, técnica que apenas se consegue adquirir nas feiras, terá ficado para outros episódios.

Um eterno ex-miúdo, que anda por aí, associado do partido a que ainda pertence o deputado Jorge Neto, ameaçou-nos, em entrevista televisiva, em bicos de pés e ar sério, de que, por ele, podemos ter que contar com ele. Outra vez!

Todos estes acontecimentos foram, ou são, maus para a minha saúde física e mental. Se a eles juntar o trambolhão que aconteceu no sábado à noite em pleno estádio do dragão, o resultado é uma “Tello” do caraças!

Se os primeiros calores tiveram este efeito, nem quero pensar no que vai ser o verão!

Assédios e cultura


Photo by Rachel Papo

Não admira que haja tanta malta a malhar nos israelitas! Até eu começo a pensar que os tipos andam mesmo a pedi-las. Depois de anos de esforços, notoriamente antidemocráticos e anti civilizacionais, lá conseguiram fazer aprovar uma lei que protege e defende as jovens adolescentes, obrigadas a cumprir vinte meses de serviço militar, dos actos de assédio e de violação sexual praticados pelos homens, em particular pelos seus superiores hierárquicos. É lá coisa que se faça naquela parte do mundo? Em qualquer parte do mundo não ocidental?

Isto é o resultado desta nossa velha e estúpida mania de queremos impor os nossos valores e os nossos costumes a outras civilizações, humilhando-as e despindo-as dos seus próprios valores, valores que vêm de há séculos e que, não sei bem para quê, há que preservar. Gajas? Mulheres? Ó pá, não se metam nisso, tratem de manter as vossas destapadas (ih-ih-ih-ih-ih, nham…nham!) que das nossas cuidamos nós, afiambramos-lhes uns tabefes e umas violações de quando em vez, só para não perder o jeito. E, para não dar cabo da mercadoria muito depressa, deixem-nos lá ter umas quantas mais em stock, mesmo que a malta viva aí ao pé do vosso museu do Louvre. Multi qualquer coisa, como vocês tão bem dizem!

Não acho que seja coscuvilhice esta mania de nos intrometermos nos costumes dos outros; não senhor, isto é muito mais grave: é colonialismo! Do puro e do duro! E, como todos muito bem sabemos, abaixo com ele! Que dizer do nosso Infante, candidato ao posto de o maior português de todos os tempos, pioneiro na globalização deste colonialismo cultural? Bandalho! Porco colonialista! Vai para casa, ou como se diz em esperanto, a língua universal, go home mr Bush!

Não admira que o emplastro do Irão e os seus muchachos, entre outras brilhantes ideias, andem por aí alegremente a querer riscar Israel do mapa. Acho bem! Sentado, espero que os activistas do costume encham as ruas das ocidentais cidades e que partam, em manifestações nunca antes organizadas, em protesto contra mais este abuso dos direitos dos pobres violadores de mulheres e em defesa do tal multi não sei das quantas. Como já estão treinados, os primeiros a ir, podem ser aqueles pacíficos dinamarqueses que, há dias, resistiram heroicamente ao despejo – legal, hélas! – de um centro de juventude “alternativo” (não sei se é conotação com a palavra alterne ou com a arte do toureio a cavalo).

Atenção, quando eu digo que, sentado, espero que partam, não estou a querer sugerir que peguem na trouxa e que viajam para se manifestarem em sítios tão horrorosos como o Irão ou a Arábia Saudita. Não, isso não! Eu ia partir o meu coco a rir e vocês, é bom de ver, também iam partir o vosso. Consta que os camaradas de lá são gajos para não ligar peva aos vossos direitos humanos. Especificidades culturais!

Partam, no sentido de quebrar, destruir, como é o vosso pacífico hábito, uma pipa de montras, carros e outros objectos, só para mostrar a esses porcos capitalistas ocidentais, proprietários desses símbolos da exploração do homem pelo homem, como é triste e vergonhosa a vida deles em comparação com a vossa – dura, excitante e perigosíssima.

Monday, March 05, 2007

Muralha de aço




O ministro afirmou, com ar sério, que o Estado não tinha dado nenhumas instruções à CGD para que esta votasse contra a desblindagem dos estatutos da PT (Portugal Telecom). O André Agassi apesar de ser um dos melhores tenistas do mundo ainda não me conseguiu ganhar uma única partida. Eu também não estou a mentir!

A verdade do senhor ministro está escarrapachada no efusivo abraço entre o anónimo barbudo sindicalista e o magnata capitalista Joe Berardo, abraço amplamente difundido pelas televisões e que aconteceu antes da reunião da assembleia-geral da empresa de telecomunicações onde se discutia, na minha modestíssima opinião, muito mais do que o rumo da Opa feita pela família Azevedo (lembre-se que, há anos, o patriarca da família, o Eng.º Belmiro, porque os senhores deputados exigiam ouvi-lo sobre determinada matéria, os obrigou a levantar mais cedo e a abrir o tasco muito antes da hora habitual).

Aquele abraço ternurento explica muitas das razões para o nosso eterno atraso. Curioso como algumas das maiores fortunas deste país, donos de grandes empresas privadas, acabam por nos mostrar, em momentos decisivos, como afinal, ou lhes convém, ou então não conseguem mesmo viver/sobreviver sem a estado-dependência. O Joe, um conhecido especulador bolsista e hoje o mais mediático empresário do regime, concluiu há meses, um excelente negócio de arte com o poder central.

Ao senhor ministro, ao sindicalista e ao empresário capitalista falta juntar um senhor socialista bancário (ou um bancário socialista) e um senhor deputado do PSD para ficarmos com os ingredientes principais do cozinhado que, em lume brando, foi preparado e servido aos comensais.

Surpreendeu-me mais o senhor deputado! Eleito pelas listas de um partido que apregoa a defesa da iniciativa privada e a necessidade de reduzir o peso do estado na vida dos portugueses, quando chamado a comprovar na prática a sua ideologia, foi incapaz de fugir ao faz o que eu digo, não faças o que eu faço! Teve medo do mercado livre! Votou ao lado dos privilégios pela manutenção dos mesmos! Senhor deputado: qualquer pequeno accionista, que o senhor disse representar, que não quisesse vender, não vendia!

No fundo, estes artistas acagaçaram-se e recearam que, valendo cada acção um voto (assim como cada homem vale um voto nas eleições que elegeram o senhor deputado do PSD), as tetas da PT pudessem ser substancialmente reduzidas, contagiando as tetas das outras empresas privatizadas criando uma razia nos chupistas e enfraquecendo a capacidade de distribuição de tetinas para uma saudável manutenção do fluxo do liquido mordómico.

Ao senhor ministro, ao senhor sindicalista, ao senhor magnata capitalista do regime e ao senhor socialista bancário (ou bancário socialista) eu já topava de ginjeira; quanto ao senhor deputado do PSD, já andava desconfiado. Agora fiquei com a certeza!
Cá no burgo, ser liberal (no sentido europeu do termo) é obra! Estamos blindados! E mal pagos!