Monday, November 10, 2008

Interpretações




Se pudesse viajar até ao passado e escolher uma outra maneira de ganhar o caroço, sabendo o que sei hoje, escolheria a profissão de jornalista. Por achar que, no que estes profissionais fazem – ver, ouvir, escrever, relatar – está aquela que eu considero a mais importante de todas as liberdades: a liberdade de expressão. Toda a gente deve ser livre de pensar e de dizer o que lhe apetece; duma maneira ou de outra, é-se influenciado, por mais ou menos tempo, por aquilo que se vê, por aquilo que se lê e por aquilo que se ouve. Somos moldados por muitas coisas e muitas dessas coisas são-nos dadas por jornalistas. A profissão ideal para um gajo como eu, um gajo que gosta de aldrabar os outros.

Se eu fosse jornalista, daqueles com muita saída, a trabalhar para uma grande estação de televisão ou para um grande jornal, a minha liberdade de expressão daria para, por exemplo, eu informar e convencer o mundo, com ar grave e solene, de que o meu porto tinha dado uma abada de todo o tamanho nos leões e que só não tinha ganho por uma diferença de catorze ou quinze golos por ter tido um azar do caraças. Quem tivesse visto o jogo saberia que eu, além de ceguinho e aldrabão, era parvo todos os dias; quem o não tivesse visto e não escutasse ou não lesse o que outros jornalistas escrevessem sobre o tema, engolia a minha treta e o resto seriam cantigas…

Esta capacidade dos jornalistas em moldar as opiniões tem, repetidamente, dado para o torto! Quando eles não os têm no sítio e se entregam nas mãos de gente desmiolada percebe-se até aonde pode ir esse poder. De jornalismo passa a propaganda.
Uma mentira repetida vezes sem conta transforma-se em verdade para a maioria das cabeças expostas ao tratamento. Exemplos? O Benfica é o melhor do mundo! Sim, pois…e eu sou mais cabeludo que a Maria Alice! Outro exemplo: a liberdade na antiga União Soviética! Durante décadas, a imprensa local convenceu milhões de pessoas de que viviam no paraíso e de que o inferno estava ali ao lado, no ocidente decadente e capitalista. Os povos dos estados oprimidos pela foice e pelo martelo só souberam que a “verdade” que lhes vendiam era uma treta quando puderam ser eles próprios a julgar ou quando puderam comparar e ver, ler ou ouvir outras interpretações da “verdade”.
Se os jornalistas locais podiam justificar a sua falta de vergonha na propagação de mentiras com o medo que tinham em levar na tromba, já os jornalistas estrangeiros, os que viviam em liberdade, tinham mais dificuldade em explicar porque carga de água é que vendiam a sua honra, mentindo em nome de regimes mais perigosos do que a claque dos super dragões. Se este exemplo já é do passado, a coisa continua para milhões de pessoas por esse mundo fora, na Coreia do Norte, na China, em Cuba, etc.

Pior do que a minha aldrabice na afirmação de que o meu porto deu uma trepa e uma lição de bem jogar no último jogo contra os leões, é a “verdade” que o partido do politicamente correcto, anda a impingir, com a preciosa ajuda dos “seus” jornalistas, sobre a crise do subprime, as suas causas, os seus responsáveis.

A seu tempo, tal como aconteceu em relação às verdades comunistas e ao homem novo que aí vinha, também sobre as explicações desta crise internacional os jornalistas vão ter que engolir sapos atrás de sapos. Escreverem ou dizerem, sem se rirem, que a culpa é dos tipos que querem menos estado – portanto menos impostos, menos desperdícios com subsídios a quem não precisa, menos compadrio – e mais liberdade individual, é duma lata de todo o tamanho.

Quando também este muro cair, no bando dos verdadeiros culpados estarão: o antigo presidente americano Carter e a sua legislação de 1977 (o Community Re-investment Act, no original) que “sugeria” aos bancos privados a atribuição de empréstimos a quem não tinha capacidades para os reembolsar; o senhor Clinton com e o reforço daquela legislação, forçando (já não apenas sugerindo…) os bancos privados a financiar toda a espécie de gente para a compra de casa, com a hipoteca da dita, mas com a garantia última do estado americano; por último, dezenas de deputados – democratas (na sua maioria) e republicanos – que, ao longo de décadas, e apesar da vasta regulação existente e dos múltiplos avisos, não souberam ou não quiseram tirar as palas dos olhos.
Até lá, até à queda deste muro, como aconteceu até à queda do de Berlim, eu e outros como eu que destoam do actual celestial consenso (felizmente somos uma minoria…segundo se diz) vamos ter que aguentar e levar tautau no tutu por causa destes pensamentos maldosos.

Tuesday, November 04, 2008

Preces




Quando o safado e bem anafado ouriço se soltou do castanheiro e aterrou em cheio na minha pinha, fui o único que não teve vontade nenhuma de rir. Naturalmente que o meu primeiro gesto foi coçar com ternura a careca ferida, mandar as castanhas para os carvalhos e ir, a seguir, de trombas, alapar-me à lareira em vez de continuar ali, no quintal assassino, a dar cabo da espinhela na apanha das oito toneladas de castanhas que os meus pais fizeram o favor de deixar caídas no chão para me escravizarem.
Dá-lhes gozo…o que é que eu hei-de fazer!

Sai um gajo da cidade, farto daquela confusão de gente que a crise empurra para os centros comerciais e da correria que é procurar uma caixa de Multibanco que ainda não tenha sido assaltada, com intenções de passar um fim-de-semana sossegado e agradável na província e acaba a ser gozado por aquela malta do campo.

Depois queixam-se e dizem que as aldeias estão a ficar sem gente, admiram-se que a malta troque o campo pela cidade.
Pudera! Na cidade, quando quero castanhas não sou eu que as vou apanhar não! Isso é que era bom! Aliás, na cidade, a malta está tão avançada que a castanha já nem vem com o ouriço; pode vir com bicho, mas com picos, isso é que não! Castanha em árvores, embrulhada em ouriços, é mesmo coisa do século passado, coisa do campo! Às tantas ainda pensam que Magalhães é nome de gente!

Portanto, lá estava eu, a tola mais picada do que carne para esparguete à bolonhesa, a mola toda dobrada e aqueles dois marretas ali ao alto, na galhofa, a gozar o panorama.
Como sou católico, especialmente quando está a trovejar mesmo em cima de mim, rezei para que, também eles, fossem presenteados com, pelo menos, uma dúzia de ouriços cada um.
Contudo as minhas preces não surtiram efeito; segundo informações recebidas do além, há congestionamento grave nas linhas que levam as orações dos tubarões que, como eu, só se lembram que são católicos quando se aleijam e os pedidos estão a ser entregues ao destinatário com muito atraso.

Um santinho, que falou comigo na condição de eu manter o seu nome no anonimato, disse-me que, por causa da avalanche dos pedidos, as cunhas eram tantas, vindas de todo o mundo e de gente tão importante que parecia o nosso país; confidenciou-me alguns dos nomes, o que é que eles suplicavam, as cunhas que metiam, nomes que, bem, a vocês nem vos passa pela cabeça! A nata da nata das sociedades, ou como dizem os venezuelanos “la créme de la créme, carago”. E a procissão ainda vai no adro!

Eu, se já não fosse uma besta, acreditem nisto, tinha-me tornado numa! Logo ali! Em maior numero do que políticos no poder – que eram bastantes – estavam os banqueiros, de todas as cores e de todos os feitios. No meio de toda aquela gente importante a pedir coisas muito sérias, havia um anónimo caramelo a rezar pela repetição dos dois últimos jogos realizados pelos dragões (eu disse ao santinho para, à socapa, apagar esse da lista, ainda nos arriscamos a levar mais na repetição se o pedido for aprovado).
Que me lembre, este meu pedido anónimo era o único pedido totalmente egoísta. Os outros não, os outros só queriam a paz na terra e o bem geral.
Embasbacado com a quantidade e qualidade da lista dos banqueiros pedintes, perguntei-lhe o que é que o Espírito Santo achava daquilo mas fiquei sem moedas para prosseguir a conversa e o santinho foi-se. Quanto a mim, continuo picado e cheio de dores nas costas!

Penduras




Convoquei uma reunião de emergência da minha malta, uma espécie de assembleia-geral extraordinária dos moradores lá de casa, para lidar com a nova realidade politica e económica da comunidade em que estamos integrados.
Por causa da urgência da coisa, em vez das habituais cartas registadas com aviso de recepção, convoquei a malta com três valentes berros. O cão dos meus filhos, que me tem mais respeito do que eles, foi o primeiro a comparecer e, sentados, esperámos pelos outros que, diga-se em abono da verdade, quando chegaram não pareciam, ainda, nada despertos.
Meu povo – comecei eu depois de confirmadas as identidades de todos os presentes – sabem por que é que convoquei esta assembleia-geral extraordinária?
Não, ninguém sabia! Passados dez minutos fui forçado a concluir que nenhum deles fazia a mais pequena ideia do que estava ali a fazer. Pelas faces misericordiosamente raivosas, supunham que eu, para os ter acordado, aos berros e às seis da manhã, tivesse pifado de vez mas, quanto ao resto, mais nada.
Entretanto, imitando o nosso ministro das finanças na segunda apresentação do orçamento geral do estado, eu distribuíra pela mesa e para uso dos estremunhados presentes, meia dúzia de rebuçados de mentol, quatro fatias frias de pão torrado, dois pasteis de nata e, para mim, um sumo de laranja natural, três croissants carregadinhos de manteiga e uma caneca de chá preto e quente com uma pitada de leite frio.
Nada desencorajado, continuei: “Se vocês andassem atentos ao que se passa lá fora, teriam percebido que, como eu já desconfiava, desde há dias que foi oficializada a união socialista da Europa e que, do outro lado do atlântico, foram criados os estados socialistas da América do norte. A meu ver, a coisa teve que ser oficializada porque, com o tremendo sucesso do projecto democrata americano de atribuição de empréstimos para compra de casa – baratos e à fartazana – a quem os não podia comportar, tornou-se impossível tapar os buracos que esta, imposta mas disfarçada, redistribuição da riqueza acabaria por provocar nos grandes bancos mundiais, bancos geridos por seres humanos espertos, atentos, activos, venerandos e salvos por árbitros comprados.”
Para dar tempo a que as minhas palavras fossem bem digeridas, bebi um gole de chá e dei mais uma trinca no croissant; passeei o olhar pela mesa para ver o efeito inicial. O mais atento era o cão, não sei se pela partilha das preocupações se por cobiça à minha comida; os restantes mantinham-se irritantemente apáticos, com excepção da Maria que, de cabeça baixa e olhos fechados, parecia meditar na gravidade da situação que eu ali expunha.
Esmorecido pela reacção da plateia, fui directo aos finalmente: “Bem, isto quer dizer que os juros mensais do empréstimo que contraí para construir aquela bela ponte que liga o meu quarto à adega vão ser muito superiores ao esperado e mais do que todas as minhas receitas. Por isso, como tu, meu filho mais velho, já começaste a trabalhar, é-te imposto entregar-me uma parte do teu salário para eu ter algum para dar ao teu irmão mais novo, para ele gastar no tabaco, nas bejecas e em tudo o mais que precisar.”
O desgraçado do cão foi o segundo a ganir antes de eu poder concluir; o primeiro foi o meu puto mais velho cujo salto, desesperado e brusco, provocou a dor ao animal; o meu mais novo, finalmente com ar de quem tem qualquer coisa parecida com um cérebro naquela coisa que lhe fica por cima dos ombros, perguntou-me: e isso é a somar à mesada que tu já me dás?
A minha esmerada educação e a censura do director deste jornal impedem-me de transcrever o resto da reunião.

Santos Populares



(Magnífico trabalho do artista NATHAN SAWAYA a ver aqui)

Ainda a propósito da rebaldaria que tem sido, desde há décadas, a gestão das casas, lojas e outros espaços que pertencem à Câmara Municipal de Lisboa, foi publicada uma lista dos felizardos, uma lista que tem quarenta páginas. Ao mesmo tempo, gente lá da câmara, gente distraída mas, ainda assim, gente importante, foi comentando o assunto:
José, um dos irmãos Sá Fernandes – o conhecido duo maravilha do bloco justiceiro, mistura do Zorro da Mouraria com o Robin de Alcântara – ficou de boca escancarada por causa do valor das rendas cobradas pela autarquia onde, supõe-se, é vereador do ambiente e de mais umas coisitas (a notícia não esclarece sobre a causa do espanto: se ele se deve aos baixos valores das ditas ou ao facto da tramóia ter sido desvendada);
Ruben de Carvalho, o comunista, outro veterano da autarquia e também ele membro do chiquíssimo clube dos vereadores distraídos, concluiu – brilhantemente – que a autarquia não anda a fazer uma boa gestão do seu património;
Carmona Rodrigues, o independente, lamenta que a câmara tenha sido um mau senhorio durante tantos anos e Fernando Negrão, membro recente, sim, sabia que havia umas rendas baixas mas assim, tão minúsculas, ah não, isso não, nunca tal lhe passou pela cabeça.
Até agora, hora do fecho desta edição, desconheço comentários de Jorge Sampaio, João Soares e Santana Lopes, antigos dirigentes desta agremiação da cunha.

Caso, por inveja e dor de cotovelo, estejam a pensar em aderir a este distinto clube e fazer companhia a este notável ramalhete de servidores da causa, convém que não se esqueçam de que a coisa não é fácil, que a lista de espera está à cunha e que há uma prova importante a cumprir, ignorar conhecimentos, conhecimentos difíceis de esquecer mas cuja ocultação é fundamental. Por exemplo, entre muitos outros exemplos, os candidatos têm de saber esquecer que:
a) Fernando Ka, ex-deputado do partido socialista e activista dos direitos dos imigrantes, paga a enormidade de cinco euros e sessenta cêntimos por mês por uma casita social, uma barraquita com cinco assoalhadas e quintal, localizada perto da praça de Espanha;
b) Dina Aguiar esturra vinte e seis euros mais trinta e cinco cêntimos no atelier no palácio dos Coruchéus;
c) A Associação dos Arquitectos Portugueses paga, por uma fracção num palacete, desde 1990, uma renda de…zero euros;
d) O Restaurante Gôndola – restaurante de comida italiana com oitenta lugares no interior e oitenta na esplanada, com preços por refeição a variar entre os vinte e os trinta euros por pessoa – paga cento e noventa e nove euros mensais;
e) O PS, PSD e CDS-PP pagam rendas mensais de setenta e cinco euros, quarenta e seis euros, trinta euros e trinta cêntimos respectivamente. Em 2005, o PCP pagou quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos por um espaço na Ajuda.
(Ainda à espera de esclarecimentos, a indicação de que o colégio de São João de Brito – um dos mais caros colégios privados e cujo lema é “Divulgar a Fé promovendo a Justiça” – paga uma renda de cinquenta cêntimos).

Pela (insignificante) amostra já devem ter topado a trabalheira que dá um tipo armar aos cucos e querer fazer parte de clubes selectos; deixem-se de coisas, façam como eu, esqueçam essas ideias chanfradas e dediquem-se à pesca. Deixem as coisas difíceis para quem sabe!

Pândegos

(Harold Escalona/EPA)

Aí está ele de novo: Hugo Chavez, turista acidental, amigo de peito dos camaradas Soares e mi amigo José, em mais uma visita de negócios! Como ele tem muito petróleo e muita lata (refiro-me a paleio e não ao material das casas onde vivem milhares dos seus desgraçados apoiantes) este é o género de crápula com quem os nossos mandantes não se importam de ser vistos em público, sem embaraços de maior.

Há quem me jure que esta amizade, este apoio e atestado de credibilidade internacional, é só fachada, uma farsa montada pelos camaradas e comparsas para proteger os milhares de emigrantes portugueses que lá estão a fazer pela vida e que, sem a peça de teatro montada, ficariam expostos a terríveis consequências.

É, eu acredito que sim, até porque é essa mesma politica que os camaradas aplicam a outros países que também têm petróleo e milhares de emigrantes nossos, também eles subjugados por regimes opressivos, internacionalmente isolados, evitando insinuar uma leve critica ou um insulto que exponham os nossos compatriotas a umas valentes nalgadas. É o caso dos USA, onde a presença de milhares de emigrantes, impedem os nossos camaradas (os governantes e os amigos) de falar grosso e do alto da burra!

O Huguinho – diz ele – veio para vender petróleo a pataco e comprar bacalhau, azeite, casas e um milhão de “Magalhães”, aparelho de computação que o órgão de propaganda oficial do governo – a RTP1 – insiste em classificar como um produto genuinamente português, o primeiro portátil inteiramente português. Alertado por escritos de Pacheco Pereira, pesquisei na Internet e fui ver o telejornal das 13 horas da terça-feira da semana passada, dia 23 e fiquei com a certeza de que não foi o excesso de esparregado de nabiças do Tourigo que me pôs enjoado.
Com tão descarada propaganda, tanta insistência numa evidente mentira, parece-me que já não é a mim nem a vocês que o canal estatal quer convencer mas que são eles – os jornalistas – que precisam de ser convencidos, obrigados a acreditar na verdade oficial que lhes é distribuída por quem manda, por quem comanda e por quem puxa os cordelinhos daquela tasca.

Ou então, simplesmente, limitam-se a achar que o povo português é tão burro que já nem a aparência é preciso manter e, que se dane, afinal de contas a maior parte da malta está-se nas tintas e dependente do mesmo patrão, desde que, no fim de cada mês, o taco venha, o resto é paisagem.
Imagino-me sentado na cadeira do apresentador, minutos antes do programa ir para o ar, a passar uma vista de olhos pelo material que vou ler, a perguntar ao chefe da direcção se o que está ali escrito é mesmo verdade, ele a encolher os ombros enquanto responde: faz de conta!

No sítio da Internet do “Magalhães” informa-se que cada aparelho custa 180 euros a produzir mas que será vendido a preços que vão dos zero aos cinquenta euros, consoante os rendimentos do agregado familiar que o adquirir. Atendendo a que a birra do engenheiro é distribuir meio milhão destes aparelhos, isto quer dizer que o custo, para os contribuintes, pode variar entre 65 e 90 milhões de euros por cada meio milhão desta coisa!
Fixe! Assim, até os cerca de três mil pobrezinhos – entre amigos, artistas, jornalistas, familiares e outros necessitados – a quem a câmara municipal de Lisboa atribuiu casas, moradias, palácios, lojas e apartamentos com uma renda média de EUR 35.48, podem ter condições para comprar um “Magalhães”. Fico tão contente e tão aliviado…