Wednesday, December 23, 2009

Ano 2050, dia 20 de Dezembro – Diário de bordo


Cumprindo a profecia da cigana da Tojeira, morri há quatro anos, com a bonita idade de noventa e três anos. Pairo numa confortável concha de gás, algures no espaço etéreo e celestial e vivo sem preocupações, sem razões de queixa e tenho, além disso, uma belíssima vista sobre o planeta Terra.
Vista daqui, a terra está um bocadinho diferente do que era no final do ano dois mil e nove, ano da publicação deste texto.
Conforme então previam os especialistas, o gelo praticamente desapareceu do planeta, incluindo aquele que estava armazenado numa pista em Viseu e onde a malta arrefecia a pandeireta em graciosas quedas.
O pouco gelo que agora existe no planeta, caro e em pequenos cubos, está guardado em arcas frigoríficas especiais e só é vendido nas estações de recarga de baterias dos automóveis eléctricos.
Em Portugal, por exemplo, por cada minuto de carregamento de electricidade para o popó, o senhor automobilista tem direito a três cubos, um pechisbeque com a fotografia do Sócrates (actualmente é o presidente do conselho de administração da fundação Magalhães, fundação que é a proprietária de quatro das cinco regiões administrativas do país), uma bandeira da secção portuguesa do partido socialista mundial (cujo símbolo é o rosto enrugado mas sempre angélico do messias que mantém a presidência dos estados unidos e já ganhou trinta e dois prémios Nobel, todas da paz).
Se o carregamento for superior a quinze minutos tem direito a um prémio extra, uns óculos especiais com a projecção em três dimensões da última produção do realizador português Manuel de Oliveira, sobre o impacto da falta de água fria na extinção dos ursos polares que viviam nas florestas virgens africanas.
O prometido degelo e a consequente subida do nível do mar submergiu, como antecipado, o arquipélago das Berlengas, os estádios da Luz e o de Alvalade e ameaça fazer o mesmo à serra do Caramulo o que está a provocar o pânico entre as gentes de Besteiros, obrigadas a andar sem meias e com as calças arregaçadas, o que as expõe a morte súbita causada pelo ridículo.
Entretanto, a temperatura do planeta não aqueceu nem arrefeceu, contrariando estabelecido no tratado de Copenhaga 2009. Os mais conceituados especialistas mundiais procuram os responsáveis por essa falha administrativa grave.
Alguns desses responsáveis já vivem por aqui, são praticamente meus vizinhos e a maior parte deles, graças às cunhas das Nações Unidas, entrou para os quadros administrativos celestiais. Al Gore, o mais mediático dos seus membros, vive na constelação Taurus, na sua mais luxuosa e brilhante estrela, a Aldebaran, razão pela qual é conhecido como “o Alderabão conveniente”.
Consta que têm em preparação um movimento de protesto com vista à total eliminação de símbolos religiosos no céu e à legalização da fundição entre os anjos e os arcanjos do mesmo tipo de ectoplasma.
O sol está a pôr-se, sem os seus raios eu congelo, já só há tempo para vos desejar um Santo e Feliz Natal.

Vizinhos




Caxias, terra aonde habito, apesar de ficar a meia dúzia de quilómetros do centro da capital, não passa de uma aldeia com mais habitantes do que a maioria, razão pela qual, para além de mim, por cá vivem outros mânfios igualmente famosos.

O nome da terra é reconhecido no país inteiro não por eu cá morar mas por causa da famosa prisão para aonde eram recambiados, até ao vinte e cinco de setenta e quatro, os que não agradavam aos senhores que então estavam no poder. Não fora por isto, pouca gente no país saberia da sua existência.

Em Caxias, além da prisão e do seu hospital, está instalado, há mais de cem anos, um Instituto de reinserção social que tem, actualmente, como objectivo fundamental promover a prevenção criminal, através da reinserção social de jovens adultos delinquentes e, do apoio a menores em perigo ou com difícil adaptação social.

Por exemplo, jovens como o pê-esse-dê Pedro Passos Coelho que, numa entrevista, disse “fumei haxixe com uns amigos e, por acaso, só posteriormente percebi realmente o que tinha fumado” não têm estatuto para vir para cá, topa-se logo que são demasiado distraídos, são encaminhados para outras escolas mais especializadas ou então abraçam a carreira artística, vão para cómicos.

Segundo parece, o Instituto também presta apoio técnico aos Tribunais na aplicação de sanções penais e de medidas tutelares e correctivas, através da elaboração de relatórios sociais e de personalidade sobre o arguido e/ou, a vítima, assegurando o acompanhamento dos arguidos, dos indivíduos condenados e dos indivíduos em regime de liberdade condicional. Apoia ainda os Tribunais a nível da protecção e defesa dos direitos e interesses dos menores. Por outro lado, assegura apoio técnico aos indivíduos e famílias, a nível psicológico, social, económico e, a Instituições Particulares e Outras Organizações e à Comunidade em geral, no desenvolvimento de projectos e acções de Reinserção Social e de Prevenção da delinquência e da marginalidade e exclusão sociais.

Por ser um pouco daquilo tudo, um marginal e um excluído social é que José António Saraiva, director do semanário o Sol, foi, por três vezes, intimado por carta registada a comparecer no Centro de Reinserção Social, na “companhia de pessoa idónea, de preferência adulta”.

À terceira foi de vez e, conta o próprio, dado que a diligencia se referia a uma violação ao segredo de justiça no famoso caso de pedofilia, enquanto tentava dar com a morada calculou que a intimação à reinserção social fosse uma diligência para que “caso fosse condenado ao pagamento de multa, a juíza estaria interessada em saber quanto ganhava, se era casado, se tinha ou não filhos ou outros familiares a meu cargo, se vivia em casa própria, se tinha bens, etc.”.

Na morada, no número cinco da Estrada da Cartuxa, a pouco mais de duzentos metros da minha casa, diz ele que duas individuas não o questionaram sobre a sua capacidade financeira para pagar multas mas que “o interrogaram como se estivesse na policia, um interrogatório sobre o segredo de justiça, o que pensava da violação desse segredo, sobre a Lei de Imprensa, sobre o relacionamento dos jornalistas com as fontes, sobre a presunção de inocência e a preservação do bom nome da liberdade de imprensa, etc., etc., etc.”.

A “coordenadora da equipa” de inquisidoras informou-o de que ele "voltaria a ser interrogado por outras pessoas nos próximos dias. E que depois teriam de ir à sua casa, interrogar vizinhos e conhecidos".

Embasbacado, o jornalista diz que só há uma explicação para esta coisa aberrante: "Tratou-se de uma tentativa de intimidação".

Como não ouvi ninguém falar na coisa, nomeadamente o sindicato dos jornalistas ou a ERC, certamente que o episódio não terá nada de esquisito nem de grave, deve ser apenas um biscate que o Centro e as duas senhoras arranjaram.

Resta saber para que “Poder” andarão elas a biscatar.

Sacrifícios


Embora tenha uma energia fora do vulgar, de ser um daqueles seres humanos que não conseguem parar quietos e que precisam de estar em perpetuo movimento, a cada ano que passa, depois da quadra natalícia e quando se arruma a caixa com as decorações no sótão, os pneumáticos que circundam a minha (por enquanto esbelta) cintura mostram um ajustamento pela positiva, apresentam um significativo, embora pequeno, aumento de volume.
E eu, ao contrário do Paulinho das feiras, até sou um miúdo com muito juizinho e tenho muito tento na língua. Quando muito, às vezes – raramente, muiiiiiito raramente – sou capaz de me alambazar com manteiga e, em vez de só pôr metade, por distracção enfio um papo-seco inteiro num pacote de duzentos e cinquenta gramas. Mas isto, como disse, com papos-secos acontece muito raramente. Já com os croissants é mais habitual mas também o que é que adianta um gajo viver a vida toda e não ter uma porcaria dum vício para confessar ao Criador?
Além do mais, para manter esta elegância de hipopótamo raquítico, obrigo-me a praticar desporto durante o ano inteiro e, chova ou faça sol, jogo ténis três vezes por semana. Normalmente treino sempre com o mesmo parceiro, temos os dois tanta classe e as jogadas já estão tão bem ensaiadas que o mesmo par de meias e a mesma t-shirt dão-nos para mais de três jogos (o recorde está em seis jogos sem que nada fique amarrotado).
Pois bem, apesar de todos estas preocupações, este ano optei por ter ainda mais cuidado com o esqueleto, a idade exige cada vez mais sacrifícios, pus a cabeça a funcionar e delineei um programa suplementar de apoio ao pobre do pneumático, programa que passa por ir andar a pé aos fins-de-semana. Vivendo tão pertinho do mar e havendo tanto passeio marítimo aqui na zona, só mesmo um calão como eu é que não aproveita e não tira partido destas benesses.
Acabei agora de vir da estreia mundial deste novo programa e, devo dizer-vos que estou muito contente com a opção tomada, arrependido até por não me ter lembrado disto há mais tempo, de facto o que custa é a gente sair de casa, depois de estarmos na rua até lhe apanhamos o gosto, sinto-me bastante mais revigorado, pareço outro.
Como ainda não conhecia o paredão de dois quilómetros e tal que liga a praia de Paço de Arcos à praia de Santo Amaro de Oeiras, saí de casa, guiei até à marginal e parei o carro num parque de estacionamento mesmo em frente ao mar.
O céu estava cheiinho de nuvens escuras e, como de costume, à beira-mar o vento era mais forte o que leva à diminuição da temperatura exterior, mas eu estava bem equipado e, acima de tudo, estava determinado.
Deixei sair a Maria e o cão, apertei bem o anoraque até ao pescoço, tranquei as portas porque dizem que há ladrões por ali, aumentei o volume do rádio, encostei o banco um pouco mais para trás e encerrei as pálpebras.
Uma hora depois, quando um bater insistente na janela me acordou, o exercício físico feito e a satisfação do dever cumprido, não pude evitar de pensar: porque é que eu não me sacrifico mais vezes?

Wednesday, December 16, 2009

Às claras





Já não é só o rabo do gato que está de fora. O gato está todo ele de fora, a cauda, a cabeça, o tronco e os membros. Destapado e exposto. Todinho. Bastaram dois meses depois dos patos terem votado para que o felino deixasse o esconderijo, arreganhasse as beiças e afiasse as garras, pronto para as habituais e dolorosas carícias ao desgraçado do rato contribuinte.
Seguindo a táctica do polícia mau e do polícia bom, táctica muito utilizada nos filmes policiais americanos antes da era do Messias – agora, por lá, no paraíso, os policias e os ladrões juntam-se à esquina a tocar a concertina e a dançar o solidó – os felinos do governo socialista retomaram o tratamento ao nosso pêlo, voltaram ao assunto do aumento dos impostos. Nos filmes, o suspeito é primeiro confrontado com o trombudo polícia mau que em vez de chá e bolos o ameaça de todos os males possíveis e imaginários; depois vem o polícia bom, de cigarro na mão e sorriso nos lábios, todo ele mesuras, simpatia e promessas. No fim, destroçado, cansado e rendido o suspeito, os dois polícias acabam a noite nos copos, em grande e alegre farra com os amigos.
No papel de policia mau, o senhor governador do banco de Portugal, o tal que ganha mais por mês do que o presidente do banco central norte-americano, deu o mote em entrevista às televisões, largando a sua caríssima opinião de que, está na cara, para reduzir o défice até 2013 como nos impõem os malandros da união europeia, o aumento dos impostos é uma forte probabilidade.
Logo de seguida, no papel de policia bom, vem, não um mas dois senhores, o senhor ministro das finanças e o senhor primeiro-ministro, não pensem nisso, então, então, aumento de impostos?, esqueçam, nunca tal nos passou pela carola, que a velha caia já redonda no chão se nós estamos a mentir!, pelo contrário, se pudéssemos, até os descíamos, de tão bondosos que somos.
O felino actor que faz de polícia mau é o mesmo que fez, há anos, uma previsão até às centésimas para o défice do estado, com nove meses de antecedência. Também nessa altura tinham decorrido apenas cerca de dois meses desde as últimas eleições legislativas e a actuação do excelentíssimo técnico serviu de desculpa para que o então recém-empossado primeiro-ministro mandasse às urtigas a promessa, feita durante a campanha eleitoral, de não subir a carga fiscal. Afectado na sua capacidade de adivinho pelo aquecimento global do planeta em que vive, o actor que faz de policia mau, mostrou-se, há duas semanas, surpreendido pelo défice do estado ir atingir 8 por cento este ano, coisa que ele, apesar da sua sábia pessoa, nunca julgou possível. A idade não perdoa, até ao melhor dos cartomantes se evaporam as qualidades.
Os felinos actores que fazem, em conjunto, o papel de polícia bom, são igualmente criaturas reputadas, uma delas até é muito escutada mas, independentemente das suas excelsas qualidades, o desgraçado do rato contribuinte já percebeu o que lhe vai acontecer, vai mesmo levar nas ventas com mais aumentos nas suas contribuições em beneficio do grande esbanjador.
Como nos filmes americanos, estes nossos felinos que fazem o papel de policia mau e de policia bom, apesar de parecerem, aos olhos do suspeito rato contribuinte português, como sendo diferentes no tratamento e na preocupação com o bem estar do bicho, vão, também eles, acabar a noite na farra e nos copos com os amigos. São zangas públicas que escondem acordos e amizades privadas. E a gente a vê-los…

Muros



Celebrou-se há dias o vigésimo aniversário da queda do muro de Berlim, o muro que, durante décadas, dividiu aquela cidade alemã em dois modelos de sociedade, dois modelos completamente diferentes: num dos lados a malta tinha a liberdade para falar e decidir, por si próprio, uma catrefada de coisas que a só a ela lhe diziam respeito e, no outro lado, do lado de lá, o maralhal tinha todo e o exclusivo direito de levar no focinho se não calasse a matraca o que, mesmo assim, atendendo ao alargado lote de mimos à disposição dos queridos lideres e dos seus amigos, era um género de mimo para o suave.
A parede foi construída para impedir que os felizardos que ficaram do lado leste da cidade dessem de frosques, mandassem tudo para as urtigas e que, com os seus testemunhos, dessem cabo da maravilhosa propaganda que o politicamente correcto fazia, nos órgãos de comunicação social do ocidente, ao que se passava do lado de lá do muro, supostamente o paraíso onde o homem novo viveria como nos filmes da carochinha, sem chatices e feliz para todo o sempre.
O tal do homem novo era assim como um totó ceguinho que, após a aplicação duns cremes e dumas gotas feitas a partir dum produto químico chamado socialismo, virava um atlético e visionário socialista, apelidado de comuna nesta variante.
Por cá, expressar em público a mais pequena dúvida quanto às qualidades dos comunas era sintoma de disfunção do metabolismo do marmanjo e mesmo em privado havia que ter algum cuidado porque o comuna é um ser muito sensível e dado a reacções alérgicas que podem causar contundências nos órgãos de terceiros.
Como o bicho homem sempre quis imitar o pássaro e voar livremente, tem sido impossível manter um elevado número deles aprisionados durante muitos anos. O vírus da liberdade, que é triliões de vezes mais perigoso do que o vírus da gripe suína e contra o qual, felizmente, nunca foi descoberta nenhuma vacina, acaba sempre por atacar os homens subjugados e o desencadear duma pandemia é uma questão de mais tempo ou menos tempo.
Muitos dos homens portadores da estirpe mais forte do vírus da liberdade apanham tareia de criar bicho enquanto os ditadores os tentam curar e alguns acabam mesmo por esticar o pernil não ficando para ver os efeitos da pandemia que ajudarem a espalhar.
Como causas e contributos para a queda do dito muro de Berlim eu já tinha ouvido muita coisa e muitos nomes, mas foi preciso chegar a este aniversário para ficar a conhecer mais uma teoria, uma teoria vinda, nada mais nada menos, que da boca do Zézito, o nosso querido líder e primeiro-ministro que, sem se rir, disse:
«Há muitos que dizem com justiça que as revoluções democráticas precursoras do movimento que levou à queda do Muro foram as revoluções ibéricas as revoluções democráticas em Portugal e em Espanha, e eu faço essa leitura histórica»
O que me provocou um ataque de riso maior do que a piada do querido líder foi uma filiada no partido do frei Anacleto dizer que o antigo presidente americano Ronald Reagan não teve qualquer influência ou impacto na queda do muro.
Como antigamente, há um politicamente correcto que mete dó e…medo.

Atchim!!



Na semana em que dois vírus fulminantes griparam as aves e um pastel de Belém me atacou o fígado, uma das irmãs da Maria – uma das gémeas – ao perceber que o marido largara o tabuleiro com o pequeno almoço do lado de fora da porta do quarto onde partilham o leito conjugal, concluiu que cumpria os requisitos para recorrer à linha de Saúde 24, o primeiro passo a dar, seguindo os conselhos das autoridades competentes, para quem desconfia que está a ser atacado pela gripe.
Às apresentações, o meu nome é fulana de tal, nascida no ano da graça de mil nove e troca o passo, etc., seguiu-se um extenso interrogatório sobre as queixas que a levaram a fazer a chamada: sim, dói-me isso, sim…isso também, não…isso não tenho e por aí fora. O veredicto, uma ida devidamente mascarada ao centro de saúde mais próximo foi contrariadamente cumprida pelo marido que, forçado à condição de chauffer ocasional tentou, sem sucesso, transportar a carga infectada no banco de trás.
No centro de saúde em questão, o departamento da guerra à gripe só abria às 16 horas, pelo que o marido a despejou na rua onde, juntamente com uma dezena e meia de saudáveis doentes, esperou cerca de meia hora antes que um senhor, equipado para detectar fugas radioactivas, lhes abrisse a porta e os levasse para o segundo conjunto de apresentação dos dados pessoais e de repetição das queixas.
Duas horas e meia depois, a irmã da Maria, sentada à frente duma senhora doutora e terminada a terceira etapa de apresentação e da reconfirmação das queixas, foi informada que só não ia para casa devidamente medicada porque tinha vindo do estrangeiro uns dias antes e, assim sendo, seguindo o manual da gripe A, tinha que ir às urgências do hospital São Francisco Xavier.
Trouxa aviada, febre e dores em crescendo, a saudável doente chegou ao novo estabelecimento de saúde pelas dezanove horas, cumpriu a quarta etapa de apresentações e do menu das queixas e sentou-se numa sala aonde só estavam quatro novos colegas.
Umas míseras cinco horas depois, a dolorida doente, entretanto impedida de se pirar do rápido, compassivo e magnânime sistema de saúde público por manifesta falta de forças e por falta de solidariedade do marido que aproveitava ao máximo aquelas horas de liberdade no exterior do estabelecimento, cumpriu mais uma etapa, a quinta, de apresentação dos seus dados pessoais e das queixas e foi levada para um novo compartimento, uma sala, onde foi, finalmente, vista por uma médica.
Pensou que a sala, parcialmente dividida por um biombo de modo a que dois médicos aviassem dois pacientes em simultâneo, já teria sido testada e usada uma catrefada de vezes depois de tantos meses de preparação para a pandemia. Pensou mal! Só quando a senhora doutora, intervalando o seu exame médico com dicas sobre o modo de funcionamento do equipamento informático do seu colega do lado, pediu à furibunda doente que se despisse para a auscultar é que notaram que, do lado de lá do biombo, o outro doentinho mirava os contornos do seu busto nas janelas na perspectiva dum espectáculo de strip à borla, o olhar esgazeado e a língua de fora. Ou então era da febre.
Pelo sim pelo não, para benefício dos doentes futuros e como prevenção contra o voyerismo mórbido, foi colocado um lençol nas vidraças.
À uma da manhã, dezasseis horas depois do telefonema, engolido o primeiro comprido contra a amigdalite, a irmã da Maria fez o que há muito lhe apetecia: deitou-se e adormeceu. No pesadelo, nevava e ela voltava àquele hospital, havia trinta e quatro realmente doentes à sua frente, esquecera-se dos seus cartões de visita e no farnel para seis dias que o marido levava às costas não havia nada para ela.

Thursday, October 15, 2009

Hossana




Para estar de harmonia com as novas regras mundiais já alterei todos os programas que tenho no meu computador, eliminei as referências ao antes e ao depois de Cristo (A.C. e D.C). e introduzi no calendário o ano um da nova era, a era antes e depois do Obama (A.O e D.O.), o novo messias.
Não sei se vai ser fácil alterar o meu bilhete de identidade, lá diz-se que nasci no ano de 1953 D.C quando na (nova) realidade nasci no ano 56 A.O., mas acredito e tenho fé que mesmo a má fama da burocracia portuguesa desapareça graças e estes novos tempos.
Esta é portanto a primeira crónica do novo calendário e é com o peito inchado de felicidade e com os ouvidos prenhes de música celestial – harpa e dança aos molhos – que a escrevo.
Lá fora, para lá de janela do meu escritório, os pássaros chilreiam e voam em círculos perfeitos, descrevendo miríades de ós de Obama, que depois, a brisa suave que embala a doçura da manhã, transforma em coraçõezinhos pirosos como o caraças, as folhas das árvores que há dias jaziam na relva voltaram aos ramos e as flores do jardim perderam as suas rugas outonais e recuperaram o viçoso aspecto primaveril.
Cinco marmanjos escolhidos pelo parlamento norueguês – entre os quais dois socialistas à maneira e um bloquista lá da zona – atribuíram o prémio Nobel da paz ao messias, utilizando, na minha opinião, o mesmo efeito de alavancagem da chamada economia de casino.
Na economia de casino, um artolas como eu, com base na pífia garantia do pinhal dos Chaninhos, consegue dum banco o acesso a linhas de crédito dez, vinte ou cinquenta vezes superiores ao valor do dito pinhal, para tentar fazer fortuna investindo em produtos complicados nos mercados bolsistas por esse mundo fora. Quando a coisa dá para o torto, quando começa a desalavancagem, quando os investimentos em que o artolas se meteu com toneladas de dinheiro alheio começam a derrapar mais do que as contas públicas portuguesas, o desgraçado arrisca-se a perder o pinhal mais as peúgas e as cuecas e o banco talvez nem a transformar os pinheiros em palitos se consiga safar do buraco que ajudou a cavar.
O que os marmanjos noruegueses fizeram foi uma coisa do género: atribuíram ao messias o Nobel da paz, não por aquilo que ele fez mas por aquilo que ele disse que ia (ou vai) fazer. Justificaram eles, os marmanjos noruegueses, que o prémio dado é para encorajar os extraordinários esforços para o fortalecimento da diplomacia mundial, para a facilitação na relação com o Islão e para o êxito do conceito dum mundo sem armas nucleares. Tipo a academia de Hollywood premiar um actor com o Óscar de melhor interpretação num filme que nem sequer começou a ser rodado.
A garantia do messias – as suas boas intenções – foi agarrada e alavancada pelos marmanjos noruegueses com o objectivo de que empedernidos investidores taliban, iranianos, sudaneses, norte-coreanos, russos e chineses entre outros jogadores do xadrez diplomático mundial, abram as suas mentes, os seus corações e os seus mercados à bela retórica e aceitem trocar pontapés, caneladas, facadas nas costas, armas e ogivas nucleares por pétalas de rosas, rebuçados para a tosse e boiões de creme contra a espinhela caída e os joanetes.
Quando a estúpida e dura da realidade das coisas malhar forte e feio nas costas do messias, a listagem das suas boas intenções poderá ter sido suficiente para a atribuição prematura dum prémio mas a desalavancagem da fantasia vai, à maneira da economia de casino, provocar muitos e péssimos estragos. Veremos quem apanhará mais por tabela.

Monday, August 24, 2009

Directivas





Segundo relatou o Correio da Manhã (CM) do passado fim-de-semana, foi com socos, cadeiras pelo ar e ameaças de morte que terminou uma eleição para o secretariado do Partido Socialista da freguesia da Sé, na cidade do Porto, cidade que também tem uma catedral e onde mora, desde o último domingo, mais um título (para si caro leitor que, de há uma catrefada de anos para cá, não sabe o que é que é isso dum “título”, aqui fica o meu abraço de compaixão e os meus votos sinceros de que para o ano…a coisa continue na mesma).

Pequeníssimas diferenças de opinião entre elementos afectos a duas facções que lutam pela presidência da Junta daquela freguesia nas próximas autárquicas terão estado na origem da excitação que levou a esta democrática forma de resolução das diferenças internas destes militantes do aparelho socialista.
Em pequenas, mas bem localizadas comunidades, o cheirinho a eleições, principalmente o cheirinho a eleições autárquicas e legislativas, é mais perigoso do que o vírus da gripe agá-ene-não-sei-das-quantas, provoca febrões altíssimos e reacções estranhas como a relatada pelo CM, enfim, todo um conjunto de sintomas já investigados e a que os estudiosos classificam como a Pandemia-do-tacho.

Consta que muitos membros dessas comunidades escapam às formas mais graves da doença e, por muito que já se esteja familiarizado com o fenómeno, não se conhece ainda a existência de qualquer tratamento totalmente eficaz. Alguns dos maiores especialistas na matéria defendem a teoria de que todos nós, em maior ou menor escala, somos portadores duma variante do bicho, sendo vulgar o comum dos mortais esticar o pernil sem sofrer uma crise séria, desde que mantido longe das tais comunidades localizadas.

Embora não haja indicação de que a moléstia possa alastrar a toda a população assim por dá cá aquela palha, sabe-se que em certos países – como Cuba, Venezuela, Coreia do Norte, entre outros – alguns dos portadores, os mais iluminados e mais esclarecidos, se isolam do resto do maralhal e, num gesto de despojada filantropia, eliminam totalmente as eleições de modo a que o cheirinho não se propague aos compatriotas e os efeitos nefastos fiquem restringidos aos mais próximos.

O filantropismo despojado é aliás o efeito secundário benigno mais visível na versão mais preocupante da doença. Pode não parecer mas ele está lá! A populaça que fique descansada que os iluminados e os esclarecidos, mesmo que os seus actos o não mostrem, através de boas directivas só têm uma coisa em mente: zelar por nós e pelos nossos bens.
E, para isso, o recurso aos membros da comunidade afectados pela forma mais grave do vírus é fundamental para assegurar níveis de estabilidade e controlo desejáveis.

Embora eu seja uma potencial vitima do vírus da dita gripe – estou sempre a meter-me com ele de tal maneira que já quase esqueci a anedota daquele famoso computador totalmente português – podia jurar em publico e pela rica saúde de qualquer um dos meus vizinhos, dos lagartões empedernidos e dos lampiões assumidos, que nunca, jamé e em tempo algum, seria afectado por esse febrão que, em épocas eleitorais, ataca as ditas comunidades. Podia mas não juro!

Promessas



- É claro que eu também quero! Há anos que falamos sobre isso e tu sabes muito bem como eu ficaria feliz e além disso não estou propriamente a ficar mais nova e, concordo, sim, quanto mais depressa engravidar, melhor. Mas tu tens bem a certeza do que me estás a dizer? – perguntou ela surpreendida, afastando bruscamente a sua cara da dele.
- Claro que tenho. Absoluta! Chica, não me digas que não ouviste falar disso, na comunicação e na explicação do simpático porta-voz? Na ausência de resposta, rematou: deu em tudo o que é noticiário, foi uma jogada inteligentíssima, de mestre, os outros partidos ainda estão em estado de choque. Com esta medida surpresa, a próxima eleição está no papo!
- Hum…e já fizeste bem as contas, vocês já fizeram bem as contas? – disse ela, voltando-se ligeiramente na cama e esticando o braço esquerdo em direcção ao interruptor do pequeno candeeiro cujo abajur vermelho escondia a lâmpada de energia verde renovável. Aos poucos, a escuridão em que o quarto estava mergulhado deu lugar a uma crescente luminosidade. Tens mesmo a certeza de que alguém fez bem as contas? Tens a noção da fama dessa malta, com anúncios e mais anúncios e mais anúncios…?
António levantou-se bruscamente e, sem responder, vestiu os calções do pijama, calçou os chinelos, pegou no copo com água que todos os dias levava para a sua mesinha de cabeceira e aonde sonhava, um dia, poder afogar a sua prometida dentadura postiça, bebeu um gole e saiu do quarto sem fechar a porta.
Quando voltou, pouco depois, trazia a máquina de calcular e duas bolachas; sentou-se na borda da cama e finalmente disse:
- Queres uma? A Maria estendeu a mão, sorriu agradecida e ele continuou: és mesmo do contra e desconfiada! Só porque são meus amigos tu hás-de estar sempre a embirrar com eles! Ora bem, supondo que o banco nos dá uma média de 3% de juros por ano, já vais ver a pipa de massa que ele terá quando fizer os dezoito anos.
A Maria sentou-se na cama para sacudir algumas migalhas da bolacha que se tinham espalhado pela almofada e pelo seu corpo nu e ficou à espera enquanto o marido, de costas voltadas para ela e a cabeça tombada sobre a máquina, prosseguia com os cálculos. O tempo passou – a Maria engomou uma dúzia de camisas e fez um apetitoso salame de chocolate – até que ele disse:
- Dá quase trezentos!
- Trezentos? Trezentos quê, perguntou a Maria, trezentos só de juros?
- Não – respondeu baixinho o António – trezentos tudo junto, os duzentos euros que o Sócrates dá pelo nascimento dum filho e mais os juros que ganhamos pelos dezoito anos que o dinheiro tem que ficar depositado, sem que a gente lhe possa mexer.
- Tanto? – ironizou ela. Ajoelhou-se, pôs-lhe as mãos nos ombros e, espreitando por cima da cabeça do António, ficou a olhar para os números no ecrã da máquina de calcular. Uma fortuna dessas daqui a dezoito anos? Tens a certeza que não te enganaste? António, envergonhado, atirou com a máquina de calcular para cima da cadeira aonde estavam as calças de ganga e a camisa de linho branca que vestira durante o dia, descalçou os chinelos, despiu os calções do pijama e deitou-se na cama, também ele nu, virado para a mulher, o cotovelo esquerdo espetado no colchão e a mão esquerda a apoiar a cabeça:
- Tenho e não, não me enganei! – balbuciou amuado.
A Maria, deitou-se de barriga para cima e, pensativa, pôs-se a brincar com o piercing que tinha no umbigo. Então perguntou:
- O que é que preferes: enfiar o preservativo ou tomar um duche de água gelada?

Virus II



Azar o vosso, desgraçados leitores!
Depois da alucinação da semana passada, muitos de vocês ficaram na esperança de que eu entretanto deixasse de respirar ou que fosse internado num hospício, enfiado num colete-de-forças e largado bem longe dum teclado.
Acontece que os hospícios precisam é de gente calma e tranquila, infelizmente todos eles disseram que estavam cheios, sem uma única vaga que fosse. A Maria, que tal como vocês também acha que lhe fazia bem pôr-me a saltar dum avião com um bruto rasgão no pára-quedas – estou a imaginá-la a olhar para o céu, a ver-me cair desamparado, a levar uma mão à boca, envergonhada e a dizer ooopppps, querido, esqueci-me de cozer aquilo – bem se fartou de chorar, implorar mas esta gente não tem sentimentos.
Deve ser um grande negócio este, tanto manicómio com a lotação esgotada mesmo com a crise do Sócrates que por aí vai, bem bom, quem me dera a mim gerir uma coisa destas! Isto se a minha cabeça funcionasse.
Ou então os responsáveis por aquelas chafaricas acharam que o mais acertado era fazer de contas que a lotação estava esgotada só porque, de vez em quando, dá-me para desatar a abrir muito os olhos, a encolher os ombros e a tremer os braços, pontapear bolas imaginarias e berrar como se estivesse a tomar banho à noite, todo nu, no pólo norte em plena noite de passagem de ano sem ter consumido uma única gota de álcool. Nada de grave mas parece que é embaraçante para quem tem uma relação familiar ou de proximidade comigo.
Não tendo ficado internado, lá terei que continuar com o relato da minha aventura à procura de gente infectada com o vírus dos porcos, dentro daquela furgoneta velha como eu sei lá o quê, um calor lá dentro que nem queiram saber, o único sitio fresco era um frigorifico minorca onde estavam guardadas as lamelas com as amostrar de sangue que iam para análise e aonde só dava para enfiar uma cabeça humana de cada vez.
Sabem o que é mais chato? É que, tantos sacrifícios que fiz e tantos perigos que corri e afinal não encontrei nem um só caso para amostra.
É quase tão frustrante como o crescimento da nossa economia: muitas promessas, muito alarido e depois, zás, é assim uma coisita ainda mais murchita e mais pindérica do que um girassol às duas e um quarto da manhã.
Vi porcos a espirrar, isso eu vi! Com o meu brio profissional cheguei-me tão perto deles que um acabou por espirrar mesmo em cima da minha tromba. Parecia o fim do mundo!
O pessoal entrou logo em alvoroço, a sirene a tocar como se as cuecas da motorista estivessem a arder, a velocidade nos limites do motor e da segurança, por pouco chegámos aos trinta e dois quilómetros por hora, um stress danado.
Grunhir ainda grunhi, mas a gripe não apanhei! Os exames ao sangue vieram perfeitos e limpinhos mas as autoridades competentes acharam por bem pôr o suíno de quarentena; também me pareceu um exagero tanto cuidado com o animal, afinal de contas a minha cabeçada não lhe acertou, acabei enfaixado junto ao tampão do depósito da gasolina, ainda tenho a marca na testa e os óculos no oculista. Se alguém precisava de cuidados era eu. Assim sendo, pode ser que vá mesmo de férias.

Descontraindo




Por esta altura do ano, altura em que o sol está bem quentinho e anda pelo ar aquele cheiro a férias, sempre que posso enfio um dos meus fatos de banho e estendo-me de papo para o ar na esperança de que o calor derreta os pneus.

Foi um curandeiro amigo que me falou desta técnica de reposição da estética abdominal, a mais barata e indolor que ele tinha no catálogo para clientes broncos e tesos como eu, aconselhou-me a tirar partido das horas de maior calor para me esparramar, ele chama-lhe a teoria do torresmo, quanto mais quente mais possibilidade há de a banha derreter, lentamente, mas mantendo as propriedades da carne.

Não poupo nos esforços nesta luta sem quartel pelo regresso ao apetitoso trinca espinhas que eu era aos vinte anos e todos os sacrifícios são poucos para atingir esse objectivo; ao meio-dia e um quarto calço as chinelas de praia, pego num livro, numa garrafa de água e no boné, na toalha e na Maria, tudo por esta ordem, e deito-me, ora a ler ora a pensar na morte da bezerra, coitadita, vejam lá uma vaca ainda tão jovem e tão cheia de vida, com tanta erva para ruminar e, de repente, zás, ali está ela às fatias, no talho do tio Antunes, embrulhada em papel celofane, a catorze euros o quilo.

Ao fim de algum tempo os raios solares começam-me a chatear, já estive deitado de costas e de barriga para baixo, estou tão farto duma posição como da outra, suo que eu sei lá, estou tão cheio de calor que já não aguento mais.
Como a água ainda não está à temperatura ideal para que os meus ossos apreciem devidamente o prazer da natação – a partir de vinte e oito graus começa a ser aceitável – bato no ombro da Maria e aviso-a de que “já estou cheio de calor, não aguento mais!”. Ela cumpre logo com a sua obrigação, levanta-se e vai tomar banho.

Mesmo que não queiram, eu faço a pergunta por vocês: isso não é muito chato para ti? Claro! Sim, quer dizer, apesar dela não fazer fita e ir logo ao banho, a verdade é que nem meia hora depois já eu estou outra vez aflito, sem conseguir ter posição e cheio de calor! Que remédio tenho senão interromper, mais uma vez, a minha leitura para lhe dizer que se levante e que faça o que tem a fazer. Obviamente que é chato!

Além de chato e cansativo, de cada vez que ela volta da água e chega ao pé de mim, acha muita piada a passar-me a mão, gelada e molhada, pelas costas abaixo e eu não só fico tão arrepiado como ficou a Elisa Ferreira quando viu as últimas sondagens para a câmara do Porto como, naturalmente, fico danado como o raio porque aquela cabecinha não se dá conta de que, com tanta mudança de temperatura, ainda acabo possuído pela gripe suína e depois quero ver como é que vou continuar com este tratamento.

Quando a Maria não está mando o cão. Dá-me bastante mais trabalho porque o estafermo tem medo da água e eu tenho que o empurrar lá para dentro. Cinco minutos depois, cansado de ouvir a Maria a berrar comigo e farto de ouvir o bicho a ganir, vou buscá-lo porque o animal ainda não aprendeu a sair sozinho. Que canseira!



Thursday, July 02, 2009

Miopia





Certinho como as estações do ano, aí está ele, o senhor Estado, a matraca numa mão e a outra estendida, a exigir-me o adiantamento de mais uma prestação – a primeira das três que sou obrigado a fazer este ano – do empréstimo (imposto) sobre os lucros que nem sequer sei se vou ter durante o resto do ano até Dezembro. Sem falar no descaramento que é não me pagarem um chavo pelos adiantamentos. Se fosse ao contrário…cala-te teclado!
São estas coisas simpáticas que dão mais cor à vida e eu não me canso de agradecer aos deuses por me darem a oportunidade de viver num país com esta economia, uma economia que, segundo a maioria da nossa opinião pública e publicada, é perigosamente capitalista e neoliberal e a causa de todas as desgraças que nos apoquentam, seja dentro das fronteiras ou fora delas.
Quando um povo tem um grande banco “só nosso”, mais outro grande banco “quase nosso”, uma televisão “só nossa”, uma rádio “só nossa”, empresas privadas cotadas em bolsa que afinal têm de fazer o que “nós” dizemos, grandes empresas e respectivos empresários que não conseguem viver sem os “nossos” apoios, uma economia que vive assim, com isto tudo, é, óbvia e claramente, uma perigosíssima economia, uma economia neoliberal onde o capital anda à solta, sem rei nem roque, como um elefante numa loja da Vista Alegre (passe a publicidade).
Só numa economia desgraçadamente neoliberal é que um primeiro-ministro teria o poder e a lata para usar os negócios entre empresas privadas-que-ó-caraças-afinal-não-o-são para calar uma senhora que, por causa da sua grande boca, o põe a ferver (oooppps…acabei de dar uma traulitada numa mosca que ficou escarrapachada ali no mapa mundo, mesmo em cima de Caracas, a capital da Venezuela).
A embirração com a (crescente) estatização da minha vidinha não me traz nada de bom, só me faz mal à saúde, aumenta-me os ácidos estomacais, põe-me com cara de quem está sempre a chupar limão e prejudica o meu ténis.
Se não fosse egoísta, devia até ficar contente pelos imensos êxitos que, trinta anos desta nossa dita economia neoliberal, trouxeram aos portugueses em geral.
Êxitos esses comprovados em tudo quanto é estatística, onde aparecemos sempre muito mais bem classificados do que outros países com economias diferentes da nossa, e que se traduzem num crescimento continuo e fabuloso da pobreza riqueza nacional – que é como quem diz da “nossa” riqueza – e no conjunto de todas as coisas boas que a maior quantidade de carcanhol disponível no bolso dá para adquirir.
Como acumulo egoísmo com estupidez, sou incapaz de dar o braço a torcer e contentar-me com este Estado de coisas; mais grave ainda, bem podem continuar a abanar com as vantagens deste regime mesmo à frente do meu nariz que eu continuarei a não dar por elas.
Por causa da miopia!

Cordeirinhos







Estava eu muito bem refastelado no meu sofá, numa posição muito própria do homem – com o comando do televisor na mão, a passear de canal em canal – metido com os meus botões, a matutar nas coisas do meu dia-a-dia, quando, de repente, dei de caras com o rosto dum coitadinho no ecrã do aparelho.
Pareceu-me reconhecer o penteado, ia até jurar que a cara me fazia lembrar a do nosso querido líder e primeiro-ministro, mas o som estava tão baixo e a vozinha tão delico-doce que, confuso, fui incapaz de jurar a identidade do senhor, para lá de qualquer dúvida.
Embora tivesse elevado o nível do som do televisor, já não fui a tempo de ouvir mais nada do que estava a ser dito, excepto a afirmação de que sim senhor, o rosto estava muito satisfeito consigo mesmo.
A seguir ao choradinho do desgraçadinho, talvez aproveitando-se do facto do homem estar de rastos desde as últimas eleições, cerca duma trintena de economistas manifestaram-se a favor da revisão das grandes obras públicas, à laia de “arrive lui qu’il bouge encore” ou seja, traduzido para português, casca-lhe.
Ao que sei, a lista é constituída pela nata daquela classe, nomes muito sonantes, gente do mais competente que há, quase tudo (senão tudo) personalidades ligadas ou próximas dos socialistas, dos propriamente ditos e também da versão social-democrata, um grupo de amigos que reúne nada menos nada mais do que oito ex-ministros das finanças entre outras pastas e muitos gestores da coisa pública. Esta coisa pública inclui o que sai da minha algibeira para os cofres do monstro.
Eu cá não percebo puto de obras públicas, sejam elas grandes ou pequenas, trate-se de abrigos nucleares para as meninas do intendente ou de comboios de pequena ou grande velocidade.
Em boa verdade não é só de obras públicas que eu não percebo e felizmente sou um perfeito ignorante ambulante que se desloca em duas patas; mas sei muito bem que não gosto que saquem o guito do meu bolso em impostos elevados. Se ainda por cima é para o esbanjar, fico uma fera e, também eu, me transformo num animal feroz.
Para o gastar mal gasto até eu, na minha santa ignorância e no meu ritmo pachorrento, sou menino para ter umas quantas ideias e não preciso que os outros se incomodem por mim.
Daquele lote de notáveis economistas, exceptuando o Dr. Medina Carreira que, consistentemente diz mal da tropa fandanga que nos tem desgovernado, quer-me parecer que a esmagadora maioria dos outros anda um bocado distraída já há uns tempos.

Fatalidades





A Adelaide da Facada há muitos anos que não tem uma enxaqueca, uma tossezinha ou até um qualquer outro tipo de maleita, coisa que, muito provavelmente, terá de agradecer ao facto de ter esticado o pernil há quase um século. Podia ser fruto dalgum poder sobrenatural mas não, três palmos de terra em cima da chicha e do esqueleto operam milagres. Uma navalhada profunda no lado esquerdo alterou-lhe a cara e o nome.

Aliás, o Amâncio, que foi seu amante, boémio e brigão, tocador de guitarra e fadista nas horas vagas, também é menino para se gabar de ter a mesma saúde de ferro; estatisticamente falando, é tão provável este casal de falecidos ter um ataque de gota como o Benfica ganhar o título de campeão nacional. Digo eu, aqui em conversa com o teclado, sem exageros nenhuns, como é hábito.

A Adelaide da Facada alugava o corpo por necessidade e profissão; quando não havia clientes aflitos, esparramava-se num banco duma taberna na Mouraria e por lá ficava, a fumar, enquanto o Amâncio, nos intervalos da porrada, amaldiçoava o destino e afogava as mágoas numa garrafa da pinga da casa. É este o casal retratado no “O Fado”, da autoria de José Malhoa.

O pintor, ao que consta, andou muito tempo pelas ruas dos bairros populares de Lisboa à procura de gente de condição o mais baixa possível, gente com que ele pudesse retratar a realidade que via e que sentia. O produto final, uma das suas mais célebres obras, pode ser, temporariamente, apreciado numa visita ao museu do fado em Lisboa, às portas de Alfama.

Lá pude conhecer, um pouco melhor, a história do fado, desde o inicio até aos dias de hoje e uma extensa lista de cantadores famosos, uns que já estão a fazer companhia à Adelaide e ao Amâncio e outros que ainda vão arranhando umas coisas. O visitante pode seleccionar um artista pelo nome e vê-lo em fotografia enquanto aprecia o fado que, supostamente, o tornou digno de nota.

Noutra lista, sem direito a som nem a imagem, no meio dos que deram ou ainda dão voz à coisa, há outros listados que foram, ou são, os autores das letras, ou das músicas, ou de ambas. É aqui, na lista dos poetas líricos da actualidade, que eu tenho grandes críticas a fazer, não sei se deva mas aqui vai, falta lá gente muito famosa, com grandes títulos recentemente publicados, nomeadamente:

- Augusto Santos Silva e o seu poema “Eleições de segunda ordem”, uma peça a dois tempos, versando sobre a estrondosa derrota nas eleições para o Parlamento Europeu;
- Almeida Santos e o ensaio “O Eleitorado não governa…a não ser que vote em mim”;
- Carlos César e o seu manifesto “É estúpido deixar que os outros decidam sobre o que nos diz respeito…a não ser que votem em nós”.

José Malhoa, no seu quadro, escondeu bem a cicatriz que marca o rosto da Adelaide da Facada; se fossem pintores, estes três poetas ignorados, na tentativa de esconderem o meio milhão de votantes que perderam duma penada, borravam a pintura…

Ai







“Portugal será uma excepção em relação ao resto da Europa” foi uma das frases que me fartei de ouvir durante a campanha para as eleições europeias; esta excepção devia-se ao facto de todas – todas! – as sondagens apontarem para uma vitória dos socialistas que, apesar das trapalhadas do seu chefe e das politicas do seu governo, iriam aguentar o desgaste e vencer a múmia do maior partido da oposição e tudo o resto que se lhe apresentasse pela frente.
Este feito excepcional, a vitória do partido no poder numas eleições realizadas em plena crise, afirmavam-me os jornalistas, os comentadores e os fazedores de sondagens, só iria ser possível graças às enormes qualidades do nosso grande líder, o Zezito, que, de propaganda em propaganda, de inauguração em inauguração, se tinha fartado de puxar pela clientela, dando o litro e a ele, só a ele, se iria dever a anunciada vitória.
Por essa Europa fora, diziam as tais senhoras e senhores, semelhante feito, a vitória do partido no poder, dificilmente estaria ao alcance dos fracos políticos que governam os outros povos deste espaço, políticos que, não tendo a fibra do Zezito, o nosso querido líder, iam levar uma valente murraça nas trombas por andarem a gozar com o pagode.
Para um vencedor há sempre um perdedor, há muito tempo que ele estava encontrado no maior partido da oposição e na velhota que o chefia; explicações para a derrota anunciada ouviam-se para todos os gostos, tudo era mau de mais para ser verdade, com destaque para as divisões dentro do próprio partido, até em plena campanha de que eram um exemplo as exigências do “jovem” quarentão Passos Coelho.
Galo do caraças, um ciclone chamado realidade, com o epicentro no Zé-povinho votante, não contente em despentear o camarada e candidato Vital Sassoon Moreira, virou tudo de patas para o ar e a tal excepção de facto aconteceu, sem dúvida que aconteceu, embora com resultados irritantemente diferentes dos anunciados, afectando, e muito, não só o nosso Zézito, mas também os seus melhores amigos, os socialistas que, como ele, também chefiam governos, nomeadamente o espanhol e o inglês. Para que estes governantes socialistas não ficassem tristes e sós, os caramelos que por essa Europa fora se dignaram alçar o dito da cadeira e ir votar, dedicaram-se também a malhar nos demais partidos socialistas, com ou sem governo (com uma ou outra excepção, claro está).
Quando a esmagadora maioria das astrólogas Mayas e dos professores Karamba que se passearam pelas televisões tinha dado como morto e enterrado tudo quanto não cheirasse vagamente a mofo e a socialismo, o resultados destas eleições, a derrota do Zezito e dos seus muchachos, mostraram que talvez muitos desses videntes precisem de tirar umas férias, quem sabe se prolongadas.
Mas acho que posso esperar sentado porque, apesar de terem sido cilindrados pela realidade, esta gente que gosta da situação em que isto anda(va), há-de levantar a grimpa e fazer o encomendado e o combinado.

Sprays







A malta azul do norte pegou na toalha e na mesa do piquenique e rumou até à capital para despachar uma dobradinha; eu fiz exactamente o contrário, rumei ao interior norte e fui comer, entre outras iguarias, uma rica feijoada acompanhada duma pomada de cinco estrelas, um tinto da abençoada região do douro.
Como o repasto dos azuis do norte estava marcado para um restaurante relvado que fica mesmo à porta da minha casa, foi uma boa forma de me livrar do anunciado caos no trânsito que centenas de autocarros iriam provocar e da consequente emissão de muitos e mal cheirosos gases, altamente prejudiciais à fina mucosa da minha adunca penca.
Consegui o chamado efeito de 2 em 1, o efeito duplo, o género de resultado parecido com o daqueles produtos que os pobres coitados que têm cabelo precisam de usar para afugentar as lêndeas e outros bicharocos irritantes.
Eu não sou dado a sentimentos de inveja quanto à aridez do meu cocuruto mas devo confessar que me roo todo de cada vez que apanho um tempo de antena ou uma reportagem do candidato camarada Vital Sasson Moreira; é que não é só a inveja pela simpatia do homem nem pela quantidade do pelo, é a inveja pela qualidade do mesmo, sempre impecável, bem arranjadinho, sem abanar um só milímetro. Dá a sensação que nem um ciclone o revoltará.
Tenho dado por mim em profundas reflexões sobre isto mas continuo às escuras e às apalpadelas, a ver se entendo como é que aquilo é feito.
Em todo o caso, presumo que o segredo esteja na laca, calculo que o senhor use algo muito especial, infelizmente deve tratar-se dum produto de difícil acesso a qualquer Zé da esquina, não me admiro nada que seja uma coisa bastante mais barata lá fora do que cá dentro, o que ajudaria a explicar a candidatura.
Qualquer que seja a marca do produto em questão, acho que o camarada candidato deve abusar dele como eu abuso do chantilly em lata, quando borrifa a trunfa muito lhe há-de espirrar para a cara, o suficiente para lhe colar aos lábios aquele meio sorriso permanente e indefinido, de quem está, do alto da burra, a gozar com o pagode ou de quem está na presença da rainha montado numas socas seis números abaixo do seu tamanho.
Dizem-me que a grande maioria destes produtos, quando inalados assim, em doses industriais, provocam alterações na quantidade de oxigénio que chega às células azuis do snifante o que, na minha modestíssima opinião, explica que este candidato diga num dia que “certamente por acaso e só por acaso todos aqueles senhores [do caso BPN] são figuras gradas do PSD. Estamos à espera que o PSD se prenuncie sobre a roubalheira do BPN…o caso BPN é um escândalo vergonhoso e uma roubalheira…devemos denunciá-lo, porque é um escândalo, uma vergonha de utilização dos dinheiros da economia para efeitos puramente criminosos” e no outro afirme arrebatado que “o PSD, e a sua actual direcção, entrou em ruptura com a sua história e está a romper com a sua tradição, com o seu passado reformista…”.
Na impossibilidade de arranjar uma lata do produto para meu próprio gozo e consumo, vou tomar como boa a última afirmação do senhor socialista e vou ajudar o candidato parecido com os bonecos sempre em pé, o social-democrata Paulo Rangel, a manter a tal ruptura com o passado.

Querido diário





Estou cheio de sono e amanhã tenho que me levantar cedo. Não ponho já a tampa na caneta e o pijama no corpo porque entre esta linha e a linha quarenta e sete deste texto ficaria um enorme espaço em branco que me daria algum trabalho a explicar a quem tu muito bem sabes.
O dia hoje foi muito cansativo; tinha programado ir a Lisboa, depois do almoço, à manifestação do partido comunista mas quando soube, já dentro da camioneta, que de cu tremido só até ao Marquês de Pombal e que, para ter direito ao programa completo com discursos e tudo incluído, era preciso andar mais do que cento e cinquenta metros a pé até à zona dos palcos, borreguei.
Já estava cansado graças a uma noite mal dormida por ter teimado em ver um filme completo do Manuel de Oliveira, imprudência que me pôs num tal estado de excitação que me impediu de pregar olho e a perspectiva de ir para as avenidas da capital andar aos berros, de braço no ar e, ainda por cima, a penantes, tirou-me o ânimo para a política de rua.
Tomada a decisão de me baldar à passeata na capital, ainda pensei em ver se conseguia arranjar uma boleia que me levasse até ao comício dos socialistas em Coimbra; o cartaz prometia, o elenco, já de si notável dada a presença do Zezito, ia ser abrilhantado com a vinda dum artista estrangeiro, nada mais, nada menos do que o chefe do governo dos nuestros hermanos e se a reunião acabasse cedo talvez ainda desse tempo para ir ouvir uns fadinhos de Coimbra. Há tantos anos que não vou a uma casa fados da cidade do Mondego que a perspectiva agradava-me.
Não tendo encontrado, entre os meus conhecidos, uma única alma que tivesse vontade de ir ver o chefe a botar faladura em português de Castela, arrumei a ida num encolher de ombros e peguei no jornal do dia à procura de pistas sobre ofertas concorrentes e alternativas, ver por onde iriam andar os candidatos laranjas e os azuis; excluída e fora de questão estava a possibilidade de me juntar aos amigos do télé evangelista Frei Louçã porque, desesperado sim mas não tanto.
A ideia era ver se ainda ia a tempo de conseguir meter o meu nome nas listas a candidato às próximas eleições europeias; não por causa do salário mensal, apenas sete mil e tal euros, nem do subsidio, diário, de duzentos e quarenta e um euros, nem do direito a empregar a Maria e os putos como assistentes pessoais, nem da reforma vitalícia, não, tudo isso são ninharias.
Movia-me a inveja pelo direito à poltrona de massagens, ao jacuzzi e a tudo o mais a que aqueles pobres desgraçados vão ser obrigados a usufruir no ginásio onde o parlamento europeu vai gastar quase dez milhões de euros em obras de renovação.
Querido diário, tenho mesmo de tomar uma pastilha para a dor de cotovelo e vestir o pijama. Até amanhã.

Tretas (CCV)







Numa outra encarnação, numa das outras vezes em que viajei do céu em direcção à cova disfarçado de terráqueo, devo ter sido um brilhante músico, um exímio executante de violino, tão conhecido a nível mundial na época como hoje é conhecida a gripe suína. Isto sem querer, com a comparação, ofender a gripe, não vá ela amuar e chamar-me um figo.
De certeza que fiz parte de, pelo menos, um agrupamento famoso, andei em digressão por tudo quanto era lugar onde o calor era rei e o frio um triste desconhecido, arrastei milhares de fãs dispostas a fazer coisas do arco da velha para poderem passar-me a mão pelo cabelo – sim, seguramente que nessa encarnação, o meu couro cabeludo era sedoso, liso e comprido, o género de escalpe que, ainda hoje, fica a matar na sala de visitas dum qualquer chefe índio, se é que me entendem.
Cheira-me que, além dos elevados dotes musicais, possuía também um enorme poder de organização e uma queda danada para a escrita, as encomendas entregues a tempo e a horas, devo ter escrito livros a dar com um pau, alguns terão mesmo sido um êxito de vendas danado e feito da minha pessoa um mano muito rico.
A parte irritante destas repetidas visitas à terra é que eu acho que elas funcionam como um sistema de vasos comunicantes, quer dizer, quando uma alminha faz a viagem e acaba encarnado num espécimen cheio de coisas boas e com muitas qualidades, é certo e sabido que, na vez seguinte, já não vai receber o mesmo tipo de equipamento de série, há que gramar uma vidinha inteira com um kit completamente diferente, menos produzido e um bocado para o rasca.
Está na cara que estou a tentar justificar o fraquíssimo conjunto de extras existentes no esqueleto que assaltei para esta visita, incluindo a péssima qualidade dos programas que equipam o cérebro que coordena e comanda a coisa, programas que são do mais básico que há e, sei lá, só para perceberem a miséria franciscana disto, tão mau assim só mesmo o Magalhães


(estão a ver?, esta minha obsessão com o primeiro computador verdadeiramente português, é causada por um programa marado que está sempre a encravar e a dar erro).
Como não há fartura que não dê em fome, depois de ter vindo equipado com tantas e tão boas qualidades musicais no passado, agora limito-me ao banal e corriqueiro dom para tocar campainhas de portas, coisa que, se calhar, até vocês, queridos leitores, conseguem tocar. Na volta e às tantas, alguns até serão bastante melhores nisso do que eu, mas não se preocupem, eu não fico com inveja.
Calculo que na última encarnação devo ter usado e abusado das cunhas e dos favores porque, desta vez, vim desprovido de qualquer trunfo nessa matéria; em todo o caso, pudesse eu dar uma ou duas palavrinhas a quem de direito, de modo a obter uns pequenos ajustamentos na carroçaria e nos programas, e vocês, queridos amigos e leitores, em vez de estarem a ler esta treta sem terem que me pagar rigorosamente nada, bem podiam fazer bicha e abrir os cordões à bolsa pelo privilégio de me ver e ouvir, mesmo que de longe, a interpretar uma coisita qualquer. A dar-vos música, boa música bem entendido!

Monday, June 22, 2009

Depressões





Era lindo era, cair-me aos pés uma oportunidade destas e eu não a aproveitar, desperdiçar este meu tempo de antena em rodriguinhos no meio campo, deixar a minha atenção desviar-se com assuntos menores.

Sei lá, coisas corriqueiras como as afirmações de Elisa Ferreira, candidata socialista a um cargo ao parlamento europeu e ao cargo de presidente da câmara da cidade do Porto, durante uma visita que fez, em campanha, a três centros da terceira idade; relatam dois jornais da nossa praça que, numa critica ao actual presidente, a senhora terá dito: “Pintaram os bairros, mas esqueceram-se de vos dizer que o dinheiro é do Estado, é do PS”.
Eu, como se nota por aquilo que escrevo, desde há muitos anos que ando desconfiado que, para muita malta daquela área e não só, o partido e o Estado são a mesma coisa, mas nunca me tinha passado pela cabeça que o descaramento chegasse ao cúmulo de largarem na praça pública o que lhes vai, realmente, na carola, ainda por cima pela boca de tão destacada figura.
Se fosse o Tino de Rãs, ainda era como o outro, mas este peso pesado?

De acordo com os jornalistas, um dos acompanhantes disse que a doutora, antes de pedir aos trinta utentes ali presentes para porem a cruzinha no quadrado com o seu nome no boletim de voto das autárquicas, ainda vai dar uma voltinha à Europa ao que ela, a doutora, terá respondido instintivamente “vou só dar o nome e volto” e “sinceramente, eu quero vir para o Porto. Quero-vos pedir que me ajudem a conquistar a Câmara do Porto. O meu objectivo é sair de onde estou e trabalhar para a cidade”.
Pode dar-se o caso dos jornais estarem a mentir, talvez ainda apareça um desmentido…

Outra coisita corriqueira que eu não quero deixar que me desvie do meu tema de hoje é a notícia do Público que informa que a Energie perdeu a certificação de produtora de equipamentos solares térmicos.
Perdeu-o porque, para os certificadores alemães, o que vende não são propriamente painéis solares mas bombas de calor.
A Energie é uma das duas empresas aonde o Zezito disse para nós irmos comprar painéis solares para instalarmos nas nossas casas e, assim, contribuirmos para haver mais emprego no país.
O Zezito disse também que o Estado ia ajudar, pagando metade do investimento. Entretanto, más-línguas a soldo de campanhas negras, andam por aí a dizer que a Energie recebeu umas massas “nossas” e até já deixou de pensar em se mudar, com armas e bagagens, para a Galiza.
Talvez esta notícia também seja desmentida.

Estas e outras banalidades sobre a paternidade e o uso dos nossos dinheiros não me desviam das notícias realmente importantes: seis milhões de portugueses que, oficialmente na noite do último domingo, viram o seu estado de depressão agravar-se. Causada por um tetra vírus de nome cientifico “dragonius fabulosus”, esta forma grave de depressão não tem ainda um tratamento eficaz e, teme-se que, a curto prazo, evolua para um penta vírus, mais raro e ainda mais debilitante.

Leituras







Daqui até às próximas eleições legislativas vai haver uma catrefada de sondagens que, como é da praxe, os órgãos de comunicação social usarão para informarem o povo sobre como é que esse mesmo povo está a pensar votar em cada um dos próximos actos eleitorais.

Trinta anos após o vinte e cinco e não sei quantas centenas de sondagens depois, nem uma única vez saí na rifa para dar um palpitezinho que fosse sobre as minhas intenções em matéria de voto; ou então saí e não dei por isso.Verdade seja dita que quando telefonam lá para casa, geralmente acertam na hora da paparoca a pedir uns minutos do meu precioso tempo e umas breves respostas a um estudo de opinião sobre não sei bem o quê, o mais certo é eu pedir, educadamente, que voltem a ligar depois da janta, coisa que, felizmente, acabam por não fazer.

Com estes estudos de opinião procura-se ter uma ideia de como é que o povo vai usar a arma e quem é que vai cantar de galo quando as vindimas estiverem, finalmente, concluídas. Tradicionalmente, os que aparecem mal no resultado final dos estudos desvalorizam a coisa, as sondagens valem o que valem, blá, blá, blá e os que têm bons resultados fazem de conta que não lhes dão importância de maior, ao mesmo tempo que sublinham a sua relevância como um indicador precioso.

Através de jornalistas e de analistas ditos independentes, os órgãos de comunicação esfalfam-se a legendar as intenções de voto das marmelas e dos marmelos que fazem parte da amostra da sondagem e, cândida e inocentemente, ensinam-nos e guiam-nos de forma a conhecermos as verdadeiras razões para os resultados apurados, a explicação para a inevitável derrota da senhora com os olhos tortos no confronto com o sucessor da picareta falante, a subida dos seguidores do tele evangelista frrrrei Louçã e por aí fora.
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Uma das legendas mais usadas é a da melhor ou pior imagem televisiva coisa que, invariavelmente, acaba por ser a principal explicação para o sucesso ou para a derrota dum politico, a par da sua capacidade para dourar a pílula e brincar às escondidas com a verdade.

A primeira sondagem que saiu sobre as eleições europeias, depois de serem conhecidos todos os principais candidatos, dava trinta e nove por cento de intenções de voto nos socialistas e trinta e seis por cento no PSD, o resultado mais aproximado entre os dois maiores partidos desde que…eu sei lá…já nem me lembro!
Um jornalista do DN, o tal diário cujo director é o único jornalista vivo com direito a elogio público do Zezito, fez, para os seus leitores, a seguinte interpretação das intenções de voto: “Os 36% que o PSD surpreendentemente alcança no estudo são, ao mesmo tempo, um prémio para a prestação de Paulo Rangel – apesar dos inquiridos ainda não o reconhecerem como o rosto do partido nestas eleições – e um cartão amarelo a Manuela Ferreira Leite”. Cartão amarelo? E se fosse uma vitória, seria o quê, cartão vermelho?
Tendo sido a Nelinha a escolher o senhor Paulo Rangel, escolha vendida como uma boa opção mas-que-veio-demasiado-tarde-e-que-diacho-havia-outros-nomes-bem-melhores, o jornalista quando escreveu aquilo estava grosso ou é mesmo assim, totó todos os dias? Ou então, o que é mais certo, sou eu que sou mesmo burro e não há meio de aprender a ler e a interpretar.

Wednesday, May 06, 2009

Dá-lhe!




Um dia destes vou ter que me chatear com o senhor que me vende os jornais, o homem parece os espelhos que tenho cá em casa e que estão sempre a gozar comigo, a mostrarem-me coisas que eu preferia não ver, a tromba toda amarrotada, quando me rio então a coisa piora e por isso é que ando sempre sisudo. Se eu tivesse o jogo de cintura do nosso Zezito e chutasse tão bem para canto como ele chuta, havia de mostrar a esses estúpidos espelhos uma realidade bem diferente e bem mais linda, qual rugas qual carapuça, tudo muito bem passadinho a ferro. Adiante!

Eu vou à loja para comprar as notícias que ele lá tem expostas para venda, de preferência procuro notícias que me ponham bem disposto mas, a cada semana que passa, são cada vez menos as que me agradam, o homem bem se esforça para ver se me impinge qualquer coisita, às tantas convence-me, lá lhe entrego o meu voto dinheiro, mas mal ponho os pés na rua já estou arrependido e assim por diante.

Uma notícia que comprei na semana passada disse-me que aquele que diz-que-é-uma-espécie-de-democrata, Otelo Saraiva de Carvalho, tinha recebido, ou ia receber, umas prendas porreiras, com muitos beijinhos, muitos cumprimentos e muitos milhares de euros do povinho português como pagamento pelos serviços prestados.
O meu estômago, que tinha acabado de levar com um pequeno-almoço bem fornecido, desatou logo a chispar faísca, aos coices a tudo quanto cheirasse vagamente a órgão do sistema digestivo e eu, que não tinha vindo equipado com rennies, vi-me e desejei-me para não desopilar logo ali em público.
Ainda bem que a Maria não estava comigo! Só de ouvir o nome do castiço fica logo com urticária e a mona a deitar fumo, recorda-se, entre outros feitos heróicos do personagem, da garrafinha de vinho do porto que o pai recebera e guardara para celebrar a formatura da filha mais velha e que os soldados do Copcon fizeram o favor de abafar da casa dos pais quando, a mando do camarada herói, lá foram fazer uma visita. A garrafa nem vazia reencontrou o caminho de casa mas, uma pistola, uma das várias que também faziam parte do lote dos produtos abafados, foi encontrada na mão dum dos assaltantes a um banco no norte do país. Vá-se lá saber como e porquê...!

Deixem-me lá então ver se percebi bem: um marmanjo que assinou mandatos de captura em branco, que sonhou encher o campo pequeno com milhares de presos sem culpa justificada, que distribuiu armas como se fossem rebuçados para a tosse e que, com a democracia já devidamente implantada, liderou uma organização terrorista que, entre outras provadas malfeitorias, limpou o sebo a dezassete pessoas, tem direito a brinde? Percebi bem…é mesmo assim?

Não sei se será mera coincidência ou até se terá grande significado, mas não deixa de ser curioso que os grandes amigos desta peça são (ou eram) os sempre muito elogiados grandes revolucionários combatentes pela liberdade, heróis que acabaram por tramar – e de que maneira! – os seus compatriotas, tirando-lhes a liberdade que prometiam, tipo o camarada Fidel.

Poderei desviar a parte dos meus impostos que há-de ir parar à pensão de tão ilustre tirano-armado-em-democrata e esturrá-la noutras coisas igualmente intragáveis, sei lá, assim de repente não me lembro de nada mais enjoativo, mas, se me derem um minuto, ah…já sei, em chupa-chupas com sabor a leite azedo?

Monday, April 27, 2009

Bólides

(Nota da Maria: eu cá tenho boas recordações de um destes...)


Há vinte anos que não compro um carro novo; podia ser por falta de dinheiro mas, felizmente e por enquanto, no meu caso, não é! Chateia-me – para não empregar uma palavra menos convencional – pagar uma pipa de massa por um popó novinho em folha e levar com uma desvalorização de quase um vinte e cinco por cento assim que me apanham do lado de fora do stand.

O meu popó, um descapotável, vai fazer, no mês que vem, onze anos de vida, oito dos quais guiados pelas minhas extraordinárias mãos. A sua compra foi a realização dum dos meus sonhos, um carro que eu há muitos anos cobiçava, uma máquina que, se conseguir, vou guardar até esticar o pernil, coisa que deve acontecer lá para o final do século – deste século, entenda-se!
Outra razão importante para eu fazer um manguito à compra dum bólide em primeira mão tem a ver com o fisco, aquela rapaziada não aceita que, acima dum determinado valor, eu possa deduzir os encargos com a coisa e, ainda por cima, aplica-me uma taxa adicional sobre a gasosa, os sapatos com que o calço e sobre o que gasto em mais alguns mimos que, de quando em vez, sou obrigado a dar-lhe.

Felizmente nem toda a gente pensa como eu senão a crise do sector automóvel estaria muito pior do que está, se é que, para além das oficinas de reparações e de meia dúzia de fabricantes de peças, ainda restasse alguma coisa digna de se ver.

A Assembleia da Republica, num gesto patriótico e demonstrativo do nojo que tem à crise que afecta dois milhões de portugueses – vinte por cento! – que vivem na pobreza, deu uma ajuda significativa ao comprar 14 popós novos, todos eles da marca BMW, um custo total aproximado de um milhão de euros.
Como não podia deixar de ser, para o senhor presidente da Assembleia, foi-se buscar o topo de gama, um modelo da série 7 ao qual se juntou mais um veiculo, da série cinco, uma coisita mais modesta para quando o senhor presidente precisar de se deslocar e o carrão estiver a lavar a tripa ou outra a tratar de outra doença do género

Da dúzia restante, a maioria modelos da série 5, foi repartida por três dos quatro senhores vice-presidentes da casa da democracia (o representante do CDS diz que continua a andar num chaço que é muito mais velho que o meu e, se ele o disse para a televisão é porque deve ser verdade), por uma secretaria e até por um antigo presidente que, como é bom-tom e socialmente justo, mantém esta (e sabe-se lá que outras) regalia.

Segundo um porta-voz daquela casa, optou-se pela compra destes carros agora porque se gastaram, só nos últimos dois anos, duzentos mil euros com a manutenção dos carros antigos que estes vieram substituir. Como dizia o outro, é só fazer as contas: duzentos mil euros a dividirem por catorze carros em vinte e quatro meses dá…quinhentos e noventa e cinco euros por carro e por mês de despesas em oficinas. Acreditamos, ou fazemos de conta que sim só para eles não ficarem magoados e tristes “cá ca gente”?

Não sei porquê, lembrei-me dos suspiros de alivio do professor Costa, um antigo presidente da autarquia onde nasceu o “botas”, quando a presença em actos oficiais na capital não implicava mais nenhum encargo adicional ao seu bolso para além do preço do bilhete da camioneta e da estadia na pensão…

Redacção




Eu gosto muito da Páscoa. A Páscoa é das alturas do ano mais bonitas e é uma daquelas de que eu mais gosto. É quase tão boa como o Natal. Mas eu gosto mais do Natal. No Natal há mais prendas e algumas até são para mim e só é pena haver mais frio no Natal. E chuva, também há mais chuva no Natal e eu não posso ir jogar à bola com os outros meninos tantas vezes como jogo na Páscoa.

Também gosto da Páscoa por causa das amêndoas e dos folares. Mas gosto mais dos folares de azeite. Algumas amêndoas são azedas e sabem mal e por isso é que eu tenho muito cuidado e não as trinco assim sem mais nem menos. E também porque é pecado ser guloso.

Na Páscoa, às vezes também há muito vento e muito frio. Na Pascoa às vezes também recebo umas prendas que a minha madrinha me dá. O meu padrinho não me dá nada! Mas eu não me posso queixar, não posso dizer nada porque senão ele depois não me defende dos meninos mais velhos que se metem comigo e me chamam caixa de óculos e que, ainda por cima, me querem bater e ele até me ensina alguns truques de boxe.
Temos treinado muito! Eu encosto-me à tileira, normalmente é assim que acabo por ficar lá na escola, com as costas coladas às paredes, ele faz de contas que é um dos meninos maus que me quer dar na tromba, depois ensina-me umas fintas, deixa que eu me desvie e até parece que já sou capaz de me defender sozinho. Quando as aulas começarem é que eu vou ver se estive com atenção ao que o meu padrinho me ensinou.

No domingo de Pascoa, o senhor Padre vem a nossa casa, traz uma cruz com o Nosso Senhor, a gente ajoelha-se e beija-lhe os pés, depois os adultos ficam a falar do tempo e doutras coisas sérias com o senhor prior, que também nos faz perguntas sobre a escola e a catequese. Quando ele sai a gente vai para a mesa comer.

Além da visita do senhor Padre, na Pascoa há outras pessoas que visitam a nossa casa. A tia Josefina é uma dessas pessoas que costuma vir cá a casa na Pascoa. Eu acho que ela deve ter quase noventa anos mas, como vive na cidade, ainda tem o cabelo todo preto. A tia Josefina diz que, lá na cidade, a retrete é dentro das casas e que há umas torneiras só para a água quente e outras só para a água fria. Como a toda a gente diz que a tia Josefina mente muito, eu não sei se é por isso que ela não tem cabelos brancos. A novidade da Páscoa deste ano é que ela jura que o namorado da filha mais nova, a Fernanda (cá em casa tratamo-la por Nandita), há-de vir a ser um grande político daqui a muitos anos. Anda muito orgulhosa, ri-se muito e pisca o olho quando conta que está sempre a dizer à filha “Fernanda, canse-o filha, canse-o!”. Eu nunca tinha ouvido uma mãe a tratar a filha por você mas acho que deve ser uma das tais modernices da cidade.

A minha professora é boa. Quer dizer, ela não é boa no sentido que eu lhe vou dar daqui a uns anos…não…ela é mesmo boa a ensinar os meninos da nossa classe a escrever, a ler e a contar, coisas que vão ser importantes se eu quiser ser alguém no futuro.
Eu gosto muito da minha professora e não estou a escrever isto só para ver se ela me dá uma boa nota. Estou a escrever isto porque andei no ripanço e agora o senhor director está à espera disto para o jornal ir para a tipografia.
Assinado: Joãozinho fogueteiro

Liberdades


Ilustração de John Dyson daqui

Gastei uma pequena fortuna numas sapatilhas xis-pê-tê-ó e agora ando todo torto; eu não devia escrever “sapatilhas” porque os idiotas dos meus filhos, de cada vez que digo “sapatilhas” reviram os olhos, ficam com aquela cara de enjoados que fazem quando a Maria lhes arrefinfa com peixe cozido no prato e tratam-me como se eu os obrigasse a partilhar o quarto com um extraterrestre. Para eles, uma sapatilha é aquela espécie de sapato que um bacano usa, sem meias, no ginásio da escola. Tudo o resto é um “ténis”.
Bom, dizia eu que, por causa do formato das sapatilhas, a unha do dedo grande do meu pé esquerdo está muito parecida a governação cá no burgo e com o nosso primeiro em especial: uma nódoa negra e em riscos de cair!

Ainda por cima, resolvi, por estes dias, vir de férias para o Algarve, bronzear a pernoca, e é uma vergonha andar de xanatos na praia com o dedão à mostra, parece-me que toda a gente olha exactamente para lá, o único sitio do meu esbelto corpo que devia estar, em obras de restauro, escondido atrás dum taipal bem opaco.
Como é que toda esta a gente, portugueses e estrangeiros, que se cruza comigo na praia tem conhecimento desta nódoa é para mim um mistério; a nódoa está em segredo de justiça, este nosso país está mesmo nas lonas, tudo se sabe..
Às tantas foi o telejornal da Manuela Moura Guedes que espalhou a notícia, a moça, com aquela boca enorme, tipo reforma de muitos jovens políticos, não sabe ouvir e calar como a maioria dos seus colegas da estação pública.

Ainda se ela só desvendasse segredos sobre a nódoa negra do meu dedo do pé, vá que não vá; agora, andar, todas as sextas-feiras, a noticiar coisas sobre o Zézito e algumas práticas de companheiros seus, isso é que é inadmissível e está mesmo a precisar de levar com um processo em cima para ver como é que elas lhe doem.

Em matéria de processos, o Zézito anda cá numa roda viva, numa azáfama tal que temo pela sua saúde, tanta excitação ainda acaba por lhe provocar um desarranjo nalgum órgão vital, logo agora que a crise fez como a Toyota, veio para ficar e ficou mesmo e esta coisa de passar o tempo e ler os jornais e a ver as televisões é capaz de interferir, negativamente, com o trabalho do homem.
Consta que na 11ª Vara – 3.ª Secção deu entrada a Acção de Processo Ordinário 783/09.2TVLSB, no valor de EUR 250,000 cujo autor é José Sócrates Carvalho Pinho de Sousa e tendo por réus o jornal Púbico, o seu director José Manuel Fernandes e ainda Paulo Ferreira e Cristina Ferreira. Repito: consta, não estou a afirmar que seja verdade!

Além dos processos aos marmanjos que referi lá em cima, o primeiro-ministro, alegadamente, também processou criminalmente João Miguel Tavares, um cronista que escreve no DN, para quem ver a pornográfica Cicciolina defender a monogamia teria tanta credibilidade como ver o senhor José Sócrates a apelar à moral na política portuguesa.
Na sua prosa, o cronista relembrou as declarações do primeiro-ministro, durante o congresso albanês do partido socialista, contra alguns directores de jornais e de televisão, lembrando que “quem escolhe é o povo porque em democracia é o povo que mais ordena”, uma versão revista e actualizada da tese defendida, com muito sucesso diga-se de passagem, pela Fatinha de Felgueiras e pelo major Valentim de Gondomar.
Bem, com tanta conversa dei uma topada, vou ter que recorrer a um especialista. Vou ali e venho já!

Saturday, April 25, 2009

Ilusões



Estavam à espera de quê? Que o pastor alemão fosse para terras de África distribuir camisinhas pela malta e incentivar o maralhal a mergulhar em orgias de sexo, drogas e rock and roll? Estavam? A sério…?

Bem, se realmente estavam (ou se estão…) então mais vale tirarem o cavalinho da chuva e ficar, sentados, à espera – recomendam-se uns sofás bem confortáveis para evitar lesões graves na coluna!

É uma maçada para a inteligência intelectual da nossa sociedade nacional e europeia, cada vez mais laica e, como é fácil de comprovar, cada vez mais perfeita, que os homens que ocupam a cadeira de São Pedro teimem em não ver a luz, a deles, a única luz que devia brilhar no nosso firmamento e se recusem a abraçar as suas progressistas ideias. É uma chatice, eu sei que é, a Igreja não ser exactamente aquela que cada um de nós tem na sua própria tola, vá-se lá saber porque é que isso não é possível.

Se, apesar das evidências, a Igreja quiser fazer finca pé e insistir na defesa de posições completamente fora da moda, então só vejo uma solução para entrar nas boas graças do politicamente correcto que nos rege: mudar de agência de comunicação e alterar radicalmente a politica de marketing.

Eu, membro do grupo de fiéis que a quer ajudar a mudar de imagem perante esta opinião publicada, tornando-a mais subserviente para com os poderes das republicas laicas reunidas em Bruxelas, humildemente aconselho a contratação da agência que criou o anúncio para a rádio pública (a tal que todos pagamos, todos não, quase todos, há sempre uns insensíveis que fogem ao pagamento deste justo imposto e que, assim agindo, não estão a contribuir para uma sociedade radiofonicamente mais justa), anúncio onde, justamente, se vende a ideia de que as manifestações são um entrave para quem quer chegar a horas.
Deixo uma dica para uma versão que caía que nem ginjas: um estafeta leva uma caixa de camisinhas para um cliente aflitinho e fica engarrafado por causa duma manif contra os chuchas e organizada pelos comunas. Um caos!

Sim pode! A Igreja pode mudar! Basta despir-se de certos tabus, aliar-se ao camarada ministro da propaganda Santos Silva e à sua ERC, assinar um contrato com o canal um da rtp para uma mais eficaz distribuição da Palavra mensagem, a coisa fica feita e o sucesso está claramente garantido (não é por acaso que a senhora que emprestou a voz ao tal anúncio se chame Eduarda Maio – uma clara alusão aos pastorinhos e ao mês de Maria – e seja a autora do famoso best seller “o menino de oiro do ps”).

Se – por absurdo! – mesmo assim a coisa não resultar, ainda há métodos um pouco mais drásticos a que a Igreja pode recorrer, pede ao engenheiro que meta uma cunha e manda uns quantos prelados para estágio com o camarada Chavez (estes cursos estão em saldo, o preço inclui uma peregrinação ao santuário de Cuba e uma saudosa homenagem ao assassino herói revolucionário Che Guevara e… um Magalhães em segunda mão mas sem erros).
Então verá então como é bom ser tratada com respeitinho!

Viganças




Ahhh que maravilha! O Sócrates foi para Cabo Verde e eles vieram para aqui!
Eles, são os dias quentinhos, dias que, para minha alegria, regressaram ao fim de ausência prolongada; graças a eles, estou quase a mandar de férias a máquina do aquecimento, uma das várias máquinas com quem mantenho uma complicada relação de amor e ódio, a malvada reconforta-me o esqueleto e arrefece-me a carteira a um nível que me põe doente.

Passam os anos e eu também me vou passando, dá a impressão que a minha pele está a ficar mais fina e menos resistente ao frio, não sei se isto é de série, quer dizer, se isto também acontece com vocês ou se, pelo contrário, é mais um defeito de fabrico de que eu devia reclamar, por escrito, aos progenitores.

Esta maior vulnerabilidade ao frio provoca também uma maior deterioração na saúde da minha carteira já que, para me manter relativamente menos enregelado, recorro cada vez mais ao gás natural, produto que é, em Portugal e só por acaso, mais um dos muitos que atiram para o carote. Com o preço a que ele está, qualquer aumento da temperatura é muito bem-vindo e é menos uma ralação para a carteira, a infeliz precisa de descanso, o que lhe fazia bem era ir para termas, seis anitos de cura a convite dum generoso vencedor do euromilhões.

Para poupar na factura, eu podia muito bem vestir para aí umas quatro camisolas mais aquelas ceroulas com ursinhos cor-de-rosa bebé que comprei há trinta anos quando tive aquele febrão e me quis mascarar de comuna, mas isso depois ia dar-me uma trabalheira do caraças a despir e arrepio-me só de imaginar todos aqueles minutos com partes do corpo ao léu antes de me poder enfiar no quentinho dos lençóis.

Para complicar ainda mais a coisa, os filhos da Maria são uns desleixados de todo o tamanho; aqueles energúmenos têm, entre outras coisas, o termóstato cerebral avariado, fazem tudo ao contrário do que deviam, quando estão presentes de corpo raramente têm os aquecedores ligados mas quando estão fora de casa, no laró, e calha eu passar lá pelos seus aposentos, sobe-me logo a tensão porque, invariavelmente, não está nada desligado. É mundialmente sabido que os aquecedores têm muito medo do escuro de modos que eles também deixam as luzes acesas – são duma atenção que me comovem quase até às lágrimas!

O conceito de ser avô, além de tonturas, boca seca e urticária, causa-me o mesmo tipo de entusiasmo e alegria fúnebre que tenho quando os lagartos ou os lampiões estão à frente do meu fcp na tabela classificativa; mas são tantos os desleixos daqueles dois idiotas que eu já dou por mim a pensar no gozo que me dava ver a Maria ser avó de trigémeos (ou mais…) para os gajos verem como é que elas doem. Como dizia a minha Avó materna: julgam que berimbau é gaita mas ele é um instrumento real.

Agora que penso nisto, às tantas é mesmo por vingança que os avós mimam e estragam os netos, como quem dá um recado aos filhos: tomem e embrulhem! Cá se fazem cá se pagam! Antes que me esqueça, um recado para os gajos: malta, bom dia do Pai para vocês!

Tortura

cartoon de Darko Drljevic



Se a minha escrita, hoje, parecer um pouco tremida vão ter que me desculpar mas estou com uma dor de dentes das antigas e, de vez em quando, sou obrigado a mexer-me para poder bater bem com a tola naquela parede que está ali, mesmo a jeito, à minha frente, sempre dá para ir mudando as queixas, ora me queixo da cremalheira ora me queixo da pinha.
Tanto assunto sério para ser tratado e denunciado e eu com o cérebro em ponto morto, tipo administrador do bpn, e cheiinho de erros como aquele jogo do Magalhães do Sócrates (eu não acredito em bruxas mas, que o primeiro computador verdadeiramente português está embruxado, lá isso está, coitado!).

A semana toda para me doerem à vontade mas não – não senhor…!!! – tinham que vir de visita na sexta-feira à noite, assim aproveitam o fim-de-semana e fazem-me companhia até abrirem as câmaras de tortura, aquelas salas com montes de aparelhos proibidos pela convenção de Genebra, brocas movidas por turbinas invisíveis, que zunem enquanto cospem água para tudo quanto é sítio, nariz, olhos e, como no meu caso, óculos, impedindo-me de ver com clareza o meu carrasco, o que complica a posterior identificação para a merecida devolução dos mimos.

Ainda deve ser por causa daqueles CT de chocolate que fumei quando fui a Viseu fazer o exame da quarta classe. Desde então – que me lembre – nunca mais (lá) comi nada que me pudesse danificar o corta palha. Bem pelo contrário: mesmo que não seja preciso, todos os natais e sempre que os lagartos e os lampiões conseguem roubar-nos um título qualquer, faço questão de escovar muito bem os meus dentes, de modos que não entendo como é que estou assim, nesta agonia.

Se já no início deste século me arrastaram uma vez para uma dessas câmaras de horror, como é que hei-de estar a precisar de lá voltar? Na volta, quando os tipos dizem que nos estão a dar uma injecção para “não termos dores” estão mas é a implantar coisas programadas que nos forçam a voltar ao fim de um determinado tempo, como os carros, que nos arejam as notas da carteira de não sei quantos em não sei quantos quilómetros. Admirem-se! Ele há teorias da conspiração para tudo e se o outro diz que tem uma campanha negra só para ele, porque é que eu não hei-de ter uma também só para mim? Sou menos que ele é? Ah bom…!

Se há coisa que me deixa furibundo é a expressão de gozo daqueles sádicos quando, de sorrisinho trauliteiro à ministro Augusto Santos Silva me dizem “se estiver a doer diga, não tem necessidade de estar a sofrer!”. Que não tenho necessidade de sofrer isso sei eu, basta não pôr lá as patas. O problema é um gajo assentar a pandeireta na cadeira! Mal nos apanham sentados e com o babete bem amarrado à volta do gasganete, transformam-se e perdem aquela falsa capa de humanidade e compaixão com que nos receberam e só a voltam a usar quando nos entregam a conta (quando já temos o livro de cheques na mão, finalmente, dizem “se tiver dores tome dois comprimidos de arsénico de hora em hora, não precisa de sofrer, ouviu?”). Hipócritas!
Ó Maria (eh lá, não posso berrar tão alto que me dói como o raio!): traz-me aí outra vez a caneca com o “milagron”.