Monday, April 27, 2009

Bólides

(Nota da Maria: eu cá tenho boas recordações de um destes...)


Há vinte anos que não compro um carro novo; podia ser por falta de dinheiro mas, felizmente e por enquanto, no meu caso, não é! Chateia-me – para não empregar uma palavra menos convencional – pagar uma pipa de massa por um popó novinho em folha e levar com uma desvalorização de quase um vinte e cinco por cento assim que me apanham do lado de fora do stand.

O meu popó, um descapotável, vai fazer, no mês que vem, onze anos de vida, oito dos quais guiados pelas minhas extraordinárias mãos. A sua compra foi a realização dum dos meus sonhos, um carro que eu há muitos anos cobiçava, uma máquina que, se conseguir, vou guardar até esticar o pernil, coisa que deve acontecer lá para o final do século – deste século, entenda-se!
Outra razão importante para eu fazer um manguito à compra dum bólide em primeira mão tem a ver com o fisco, aquela rapaziada não aceita que, acima dum determinado valor, eu possa deduzir os encargos com a coisa e, ainda por cima, aplica-me uma taxa adicional sobre a gasosa, os sapatos com que o calço e sobre o que gasto em mais alguns mimos que, de quando em vez, sou obrigado a dar-lhe.

Felizmente nem toda a gente pensa como eu senão a crise do sector automóvel estaria muito pior do que está, se é que, para além das oficinas de reparações e de meia dúzia de fabricantes de peças, ainda restasse alguma coisa digna de se ver.

A Assembleia da Republica, num gesto patriótico e demonstrativo do nojo que tem à crise que afecta dois milhões de portugueses – vinte por cento! – que vivem na pobreza, deu uma ajuda significativa ao comprar 14 popós novos, todos eles da marca BMW, um custo total aproximado de um milhão de euros.
Como não podia deixar de ser, para o senhor presidente da Assembleia, foi-se buscar o topo de gama, um modelo da série 7 ao qual se juntou mais um veiculo, da série cinco, uma coisita mais modesta para quando o senhor presidente precisar de se deslocar e o carrão estiver a lavar a tripa ou outra a tratar de outra doença do género

Da dúzia restante, a maioria modelos da série 5, foi repartida por três dos quatro senhores vice-presidentes da casa da democracia (o representante do CDS diz que continua a andar num chaço que é muito mais velho que o meu e, se ele o disse para a televisão é porque deve ser verdade), por uma secretaria e até por um antigo presidente que, como é bom-tom e socialmente justo, mantém esta (e sabe-se lá que outras) regalia.

Segundo um porta-voz daquela casa, optou-se pela compra destes carros agora porque se gastaram, só nos últimos dois anos, duzentos mil euros com a manutenção dos carros antigos que estes vieram substituir. Como dizia o outro, é só fazer as contas: duzentos mil euros a dividirem por catorze carros em vinte e quatro meses dá…quinhentos e noventa e cinco euros por carro e por mês de despesas em oficinas. Acreditamos, ou fazemos de conta que sim só para eles não ficarem magoados e tristes “cá ca gente”?

Não sei porquê, lembrei-me dos suspiros de alivio do professor Costa, um antigo presidente da autarquia onde nasceu o “botas”, quando a presença em actos oficiais na capital não implicava mais nenhum encargo adicional ao seu bolso para além do preço do bilhete da camioneta e da estadia na pensão…

Redacção




Eu gosto muito da Páscoa. A Páscoa é das alturas do ano mais bonitas e é uma daquelas de que eu mais gosto. É quase tão boa como o Natal. Mas eu gosto mais do Natal. No Natal há mais prendas e algumas até são para mim e só é pena haver mais frio no Natal. E chuva, também há mais chuva no Natal e eu não posso ir jogar à bola com os outros meninos tantas vezes como jogo na Páscoa.

Também gosto da Páscoa por causa das amêndoas e dos folares. Mas gosto mais dos folares de azeite. Algumas amêndoas são azedas e sabem mal e por isso é que eu tenho muito cuidado e não as trinco assim sem mais nem menos. E também porque é pecado ser guloso.

Na Páscoa, às vezes também há muito vento e muito frio. Na Pascoa às vezes também recebo umas prendas que a minha madrinha me dá. O meu padrinho não me dá nada! Mas eu não me posso queixar, não posso dizer nada porque senão ele depois não me defende dos meninos mais velhos que se metem comigo e me chamam caixa de óculos e que, ainda por cima, me querem bater e ele até me ensina alguns truques de boxe.
Temos treinado muito! Eu encosto-me à tileira, normalmente é assim que acabo por ficar lá na escola, com as costas coladas às paredes, ele faz de contas que é um dos meninos maus que me quer dar na tromba, depois ensina-me umas fintas, deixa que eu me desvie e até parece que já sou capaz de me defender sozinho. Quando as aulas começarem é que eu vou ver se estive com atenção ao que o meu padrinho me ensinou.

No domingo de Pascoa, o senhor Padre vem a nossa casa, traz uma cruz com o Nosso Senhor, a gente ajoelha-se e beija-lhe os pés, depois os adultos ficam a falar do tempo e doutras coisas sérias com o senhor prior, que também nos faz perguntas sobre a escola e a catequese. Quando ele sai a gente vai para a mesa comer.

Além da visita do senhor Padre, na Pascoa há outras pessoas que visitam a nossa casa. A tia Josefina é uma dessas pessoas que costuma vir cá a casa na Pascoa. Eu acho que ela deve ter quase noventa anos mas, como vive na cidade, ainda tem o cabelo todo preto. A tia Josefina diz que, lá na cidade, a retrete é dentro das casas e que há umas torneiras só para a água quente e outras só para a água fria. Como a toda a gente diz que a tia Josefina mente muito, eu não sei se é por isso que ela não tem cabelos brancos. A novidade da Páscoa deste ano é que ela jura que o namorado da filha mais nova, a Fernanda (cá em casa tratamo-la por Nandita), há-de vir a ser um grande político daqui a muitos anos. Anda muito orgulhosa, ri-se muito e pisca o olho quando conta que está sempre a dizer à filha “Fernanda, canse-o filha, canse-o!”. Eu nunca tinha ouvido uma mãe a tratar a filha por você mas acho que deve ser uma das tais modernices da cidade.

A minha professora é boa. Quer dizer, ela não é boa no sentido que eu lhe vou dar daqui a uns anos…não…ela é mesmo boa a ensinar os meninos da nossa classe a escrever, a ler e a contar, coisas que vão ser importantes se eu quiser ser alguém no futuro.
Eu gosto muito da minha professora e não estou a escrever isto só para ver se ela me dá uma boa nota. Estou a escrever isto porque andei no ripanço e agora o senhor director está à espera disto para o jornal ir para a tipografia.
Assinado: Joãozinho fogueteiro

Liberdades


Ilustração de John Dyson daqui

Gastei uma pequena fortuna numas sapatilhas xis-pê-tê-ó e agora ando todo torto; eu não devia escrever “sapatilhas” porque os idiotas dos meus filhos, de cada vez que digo “sapatilhas” reviram os olhos, ficam com aquela cara de enjoados que fazem quando a Maria lhes arrefinfa com peixe cozido no prato e tratam-me como se eu os obrigasse a partilhar o quarto com um extraterrestre. Para eles, uma sapatilha é aquela espécie de sapato que um bacano usa, sem meias, no ginásio da escola. Tudo o resto é um “ténis”.
Bom, dizia eu que, por causa do formato das sapatilhas, a unha do dedo grande do meu pé esquerdo está muito parecida a governação cá no burgo e com o nosso primeiro em especial: uma nódoa negra e em riscos de cair!

Ainda por cima, resolvi, por estes dias, vir de férias para o Algarve, bronzear a pernoca, e é uma vergonha andar de xanatos na praia com o dedão à mostra, parece-me que toda a gente olha exactamente para lá, o único sitio do meu esbelto corpo que devia estar, em obras de restauro, escondido atrás dum taipal bem opaco.
Como é que toda esta a gente, portugueses e estrangeiros, que se cruza comigo na praia tem conhecimento desta nódoa é para mim um mistério; a nódoa está em segredo de justiça, este nosso país está mesmo nas lonas, tudo se sabe..
Às tantas foi o telejornal da Manuela Moura Guedes que espalhou a notícia, a moça, com aquela boca enorme, tipo reforma de muitos jovens políticos, não sabe ouvir e calar como a maioria dos seus colegas da estação pública.

Ainda se ela só desvendasse segredos sobre a nódoa negra do meu dedo do pé, vá que não vá; agora, andar, todas as sextas-feiras, a noticiar coisas sobre o Zézito e algumas práticas de companheiros seus, isso é que é inadmissível e está mesmo a precisar de levar com um processo em cima para ver como é que elas lhe doem.

Em matéria de processos, o Zézito anda cá numa roda viva, numa azáfama tal que temo pela sua saúde, tanta excitação ainda acaba por lhe provocar um desarranjo nalgum órgão vital, logo agora que a crise fez como a Toyota, veio para ficar e ficou mesmo e esta coisa de passar o tempo e ler os jornais e a ver as televisões é capaz de interferir, negativamente, com o trabalho do homem.
Consta que na 11ª Vara – 3.ª Secção deu entrada a Acção de Processo Ordinário 783/09.2TVLSB, no valor de EUR 250,000 cujo autor é José Sócrates Carvalho Pinho de Sousa e tendo por réus o jornal Púbico, o seu director José Manuel Fernandes e ainda Paulo Ferreira e Cristina Ferreira. Repito: consta, não estou a afirmar que seja verdade!

Além dos processos aos marmanjos que referi lá em cima, o primeiro-ministro, alegadamente, também processou criminalmente João Miguel Tavares, um cronista que escreve no DN, para quem ver a pornográfica Cicciolina defender a monogamia teria tanta credibilidade como ver o senhor José Sócrates a apelar à moral na política portuguesa.
Na sua prosa, o cronista relembrou as declarações do primeiro-ministro, durante o congresso albanês do partido socialista, contra alguns directores de jornais e de televisão, lembrando que “quem escolhe é o povo porque em democracia é o povo que mais ordena”, uma versão revista e actualizada da tese defendida, com muito sucesso diga-se de passagem, pela Fatinha de Felgueiras e pelo major Valentim de Gondomar.
Bem, com tanta conversa dei uma topada, vou ter que recorrer a um especialista. Vou ali e venho já!

Saturday, April 25, 2009

Ilusões



Estavam à espera de quê? Que o pastor alemão fosse para terras de África distribuir camisinhas pela malta e incentivar o maralhal a mergulhar em orgias de sexo, drogas e rock and roll? Estavam? A sério…?

Bem, se realmente estavam (ou se estão…) então mais vale tirarem o cavalinho da chuva e ficar, sentados, à espera – recomendam-se uns sofás bem confortáveis para evitar lesões graves na coluna!

É uma maçada para a inteligência intelectual da nossa sociedade nacional e europeia, cada vez mais laica e, como é fácil de comprovar, cada vez mais perfeita, que os homens que ocupam a cadeira de São Pedro teimem em não ver a luz, a deles, a única luz que devia brilhar no nosso firmamento e se recusem a abraçar as suas progressistas ideias. É uma chatice, eu sei que é, a Igreja não ser exactamente aquela que cada um de nós tem na sua própria tola, vá-se lá saber porque é que isso não é possível.

Se, apesar das evidências, a Igreja quiser fazer finca pé e insistir na defesa de posições completamente fora da moda, então só vejo uma solução para entrar nas boas graças do politicamente correcto que nos rege: mudar de agência de comunicação e alterar radicalmente a politica de marketing.

Eu, membro do grupo de fiéis que a quer ajudar a mudar de imagem perante esta opinião publicada, tornando-a mais subserviente para com os poderes das republicas laicas reunidas em Bruxelas, humildemente aconselho a contratação da agência que criou o anúncio para a rádio pública (a tal que todos pagamos, todos não, quase todos, há sempre uns insensíveis que fogem ao pagamento deste justo imposto e que, assim agindo, não estão a contribuir para uma sociedade radiofonicamente mais justa), anúncio onde, justamente, se vende a ideia de que as manifestações são um entrave para quem quer chegar a horas.
Deixo uma dica para uma versão que caía que nem ginjas: um estafeta leva uma caixa de camisinhas para um cliente aflitinho e fica engarrafado por causa duma manif contra os chuchas e organizada pelos comunas. Um caos!

Sim pode! A Igreja pode mudar! Basta despir-se de certos tabus, aliar-se ao camarada ministro da propaganda Santos Silva e à sua ERC, assinar um contrato com o canal um da rtp para uma mais eficaz distribuição da Palavra mensagem, a coisa fica feita e o sucesso está claramente garantido (não é por acaso que a senhora que emprestou a voz ao tal anúncio se chame Eduarda Maio – uma clara alusão aos pastorinhos e ao mês de Maria – e seja a autora do famoso best seller “o menino de oiro do ps”).

Se – por absurdo! – mesmo assim a coisa não resultar, ainda há métodos um pouco mais drásticos a que a Igreja pode recorrer, pede ao engenheiro que meta uma cunha e manda uns quantos prelados para estágio com o camarada Chavez (estes cursos estão em saldo, o preço inclui uma peregrinação ao santuário de Cuba e uma saudosa homenagem ao assassino herói revolucionário Che Guevara e… um Magalhães em segunda mão mas sem erros).
Então verá então como é bom ser tratada com respeitinho!

Viganças




Ahhh que maravilha! O Sócrates foi para Cabo Verde e eles vieram para aqui!
Eles, são os dias quentinhos, dias que, para minha alegria, regressaram ao fim de ausência prolongada; graças a eles, estou quase a mandar de férias a máquina do aquecimento, uma das várias máquinas com quem mantenho uma complicada relação de amor e ódio, a malvada reconforta-me o esqueleto e arrefece-me a carteira a um nível que me põe doente.

Passam os anos e eu também me vou passando, dá a impressão que a minha pele está a ficar mais fina e menos resistente ao frio, não sei se isto é de série, quer dizer, se isto também acontece com vocês ou se, pelo contrário, é mais um defeito de fabrico de que eu devia reclamar, por escrito, aos progenitores.

Esta maior vulnerabilidade ao frio provoca também uma maior deterioração na saúde da minha carteira já que, para me manter relativamente menos enregelado, recorro cada vez mais ao gás natural, produto que é, em Portugal e só por acaso, mais um dos muitos que atiram para o carote. Com o preço a que ele está, qualquer aumento da temperatura é muito bem-vindo e é menos uma ralação para a carteira, a infeliz precisa de descanso, o que lhe fazia bem era ir para termas, seis anitos de cura a convite dum generoso vencedor do euromilhões.

Para poupar na factura, eu podia muito bem vestir para aí umas quatro camisolas mais aquelas ceroulas com ursinhos cor-de-rosa bebé que comprei há trinta anos quando tive aquele febrão e me quis mascarar de comuna, mas isso depois ia dar-me uma trabalheira do caraças a despir e arrepio-me só de imaginar todos aqueles minutos com partes do corpo ao léu antes de me poder enfiar no quentinho dos lençóis.

Para complicar ainda mais a coisa, os filhos da Maria são uns desleixados de todo o tamanho; aqueles energúmenos têm, entre outras coisas, o termóstato cerebral avariado, fazem tudo ao contrário do que deviam, quando estão presentes de corpo raramente têm os aquecedores ligados mas quando estão fora de casa, no laró, e calha eu passar lá pelos seus aposentos, sobe-me logo a tensão porque, invariavelmente, não está nada desligado. É mundialmente sabido que os aquecedores têm muito medo do escuro de modos que eles também deixam as luzes acesas – são duma atenção que me comovem quase até às lágrimas!

O conceito de ser avô, além de tonturas, boca seca e urticária, causa-me o mesmo tipo de entusiasmo e alegria fúnebre que tenho quando os lagartos ou os lampiões estão à frente do meu fcp na tabela classificativa; mas são tantos os desleixos daqueles dois idiotas que eu já dou por mim a pensar no gozo que me dava ver a Maria ser avó de trigémeos (ou mais…) para os gajos verem como é que elas doem. Como dizia a minha Avó materna: julgam que berimbau é gaita mas ele é um instrumento real.

Agora que penso nisto, às tantas é mesmo por vingança que os avós mimam e estragam os netos, como quem dá um recado aos filhos: tomem e embrulhem! Cá se fazem cá se pagam! Antes que me esqueça, um recado para os gajos: malta, bom dia do Pai para vocês!

Tortura

cartoon de Darko Drljevic



Se a minha escrita, hoje, parecer um pouco tremida vão ter que me desculpar mas estou com uma dor de dentes das antigas e, de vez em quando, sou obrigado a mexer-me para poder bater bem com a tola naquela parede que está ali, mesmo a jeito, à minha frente, sempre dá para ir mudando as queixas, ora me queixo da cremalheira ora me queixo da pinha.
Tanto assunto sério para ser tratado e denunciado e eu com o cérebro em ponto morto, tipo administrador do bpn, e cheiinho de erros como aquele jogo do Magalhães do Sócrates (eu não acredito em bruxas mas, que o primeiro computador verdadeiramente português está embruxado, lá isso está, coitado!).

A semana toda para me doerem à vontade mas não – não senhor…!!! – tinham que vir de visita na sexta-feira à noite, assim aproveitam o fim-de-semana e fazem-me companhia até abrirem as câmaras de tortura, aquelas salas com montes de aparelhos proibidos pela convenção de Genebra, brocas movidas por turbinas invisíveis, que zunem enquanto cospem água para tudo quanto é sítio, nariz, olhos e, como no meu caso, óculos, impedindo-me de ver com clareza o meu carrasco, o que complica a posterior identificação para a merecida devolução dos mimos.

Ainda deve ser por causa daqueles CT de chocolate que fumei quando fui a Viseu fazer o exame da quarta classe. Desde então – que me lembre – nunca mais (lá) comi nada que me pudesse danificar o corta palha. Bem pelo contrário: mesmo que não seja preciso, todos os natais e sempre que os lagartos e os lampiões conseguem roubar-nos um título qualquer, faço questão de escovar muito bem os meus dentes, de modos que não entendo como é que estou assim, nesta agonia.

Se já no início deste século me arrastaram uma vez para uma dessas câmaras de horror, como é que hei-de estar a precisar de lá voltar? Na volta, quando os tipos dizem que nos estão a dar uma injecção para “não termos dores” estão mas é a implantar coisas programadas que nos forçam a voltar ao fim de um determinado tempo, como os carros, que nos arejam as notas da carteira de não sei quantos em não sei quantos quilómetros. Admirem-se! Ele há teorias da conspiração para tudo e se o outro diz que tem uma campanha negra só para ele, porque é que eu não hei-de ter uma também só para mim? Sou menos que ele é? Ah bom…!

Se há coisa que me deixa furibundo é a expressão de gozo daqueles sádicos quando, de sorrisinho trauliteiro à ministro Augusto Santos Silva me dizem “se estiver a doer diga, não tem necessidade de estar a sofrer!”. Que não tenho necessidade de sofrer isso sei eu, basta não pôr lá as patas. O problema é um gajo assentar a pandeireta na cadeira! Mal nos apanham sentados e com o babete bem amarrado à volta do gasganete, transformam-se e perdem aquela falsa capa de humanidade e compaixão com que nos receberam e só a voltam a usar quando nos entregam a conta (quando já temos o livro de cheques na mão, finalmente, dizem “se tiver dores tome dois comprimidos de arsénico de hora em hora, não precisa de sofrer, ouviu?”). Hipócritas!
Ó Maria (eh lá, não posso berrar tão alto que me dói como o raio!): traz-me aí outra vez a caneca com o “milagron”.

Gentilezas







O Manuel, que é fino também de nome, é um dos artistas portugueses que, ao longo dos anos, foi pedindo e obtendo milhões de euros de empréstimo do nosso banco do banco do regime, a Caixa Geral de Depósitos CGD), para ir à feira à bolsa comprar acções, mas comprar como deve ser, em quantidade suficiente para mandar bitaites na gestão de certas empresas, como a Soares da Costa, o BCP e a Cimpor, entre outras.

Nestes casos, enquanto dura o bem-bom é tudo um mar de rosas mas quando vem a tempestade, quando o valor das acções começa a descer sem parar, quanto mais gente houver a vender mais o preço baixa e estes tubarões – os que emprestam e os que pedem emprestado – têm que se aguentar à bronca, ficam amarrados ao prejuízo e a tentar manter o nariz de fora da água à espera que a maré vire outra vez (supondo que vira mesmo).

A CGD e o Manuel, que é fino também de nome, com água pelo nariz por causa da desvalorização das acções que garantiam os empréstimos, chegaram a acordo para a renegociação da divida; parte será reembolsando em sete anos e parte liquidada de imediato – 300 milhões – através dum contrato de compra e venda de dez por cento de acções da Cimpor.
O interessante é o preço negociado – 4,75 euros por cada acção – ou seja 25% acima do valor que elas valiam no mercado.
Uma prenda de sessenta e poucos milhões de euros!
Trocados por bejecas, esta modesta mas merecida prenda, matava-me a sede a mim, aos meus amigos mais próximos e a todos os meus descendentes até o homem pôr a pata em solo marciano ou o Benfica ganhar dois campeonatos seguidos.

Além da prenda, o Manuel, que também é fino de nome, pode, nos próximos três anos, optar por recomprar o lote de acções ou, melhor ainda, escolher quem é que terá direito a ficar com ele, se a prima direita ou aquela empregada estrangeira que lhe dá massajens.

Bem vistas as coisas – não duvido – esta é o tipo de benesse em tudo idêntica à que qualquer um de nós, precisando, obteria do mesmo banco. Nas calmas!

Para a enrascada em que se meteu o banco público cheira-me que o Manuel, que é fino também de nome, não está só; pelas muitas noticias publicadas durante os últimos anos, muitos mais milhões de euros foram emprestados a outras importantes figuras para reforço de posições no BCP numa altura em que as acções deste banco valiam quase seis vezes mais do que valem hoje, a saber, ao camarada Berardo, a Pedro Teixeira Duarte, à família Moniz da Maia, entre outros nomes dum grupo de vinte e tal amigos. Curiosamente, no grupo, estão os primeiros a apoiar a ida do antigo presidente da CGD para a presidência do BCP.

Quando o Ministério Público tiver decidido de vez o que fazer em relação a umas gajas nuas que desfiguravam um pobre dum computador Magalhães no corso de carnaval de Torres Vedras, talvez possam dedicar algum do seu tempo a coisas mais banais e mais ligeiras como esta curiosa negociata entre o Manuel, que é fino também de nome, e a CGD, o banco que-é-do-estado-e-que-Deus-nos-livre-de-ir-parar-às-mãos-dos-privados.