Monday, August 24, 2009

Directivas





Segundo relatou o Correio da Manhã (CM) do passado fim-de-semana, foi com socos, cadeiras pelo ar e ameaças de morte que terminou uma eleição para o secretariado do Partido Socialista da freguesia da Sé, na cidade do Porto, cidade que também tem uma catedral e onde mora, desde o último domingo, mais um título (para si caro leitor que, de há uma catrefada de anos para cá, não sabe o que é que é isso dum “título”, aqui fica o meu abraço de compaixão e os meus votos sinceros de que para o ano…a coisa continue na mesma).

Pequeníssimas diferenças de opinião entre elementos afectos a duas facções que lutam pela presidência da Junta daquela freguesia nas próximas autárquicas terão estado na origem da excitação que levou a esta democrática forma de resolução das diferenças internas destes militantes do aparelho socialista.
Em pequenas, mas bem localizadas comunidades, o cheirinho a eleições, principalmente o cheirinho a eleições autárquicas e legislativas, é mais perigoso do que o vírus da gripe agá-ene-não-sei-das-quantas, provoca febrões altíssimos e reacções estranhas como a relatada pelo CM, enfim, todo um conjunto de sintomas já investigados e a que os estudiosos classificam como a Pandemia-do-tacho.

Consta que muitos membros dessas comunidades escapam às formas mais graves da doença e, por muito que já se esteja familiarizado com o fenómeno, não se conhece ainda a existência de qualquer tratamento totalmente eficaz. Alguns dos maiores especialistas na matéria defendem a teoria de que todos nós, em maior ou menor escala, somos portadores duma variante do bicho, sendo vulgar o comum dos mortais esticar o pernil sem sofrer uma crise séria, desde que mantido longe das tais comunidades localizadas.

Embora não haja indicação de que a moléstia possa alastrar a toda a população assim por dá cá aquela palha, sabe-se que em certos países – como Cuba, Venezuela, Coreia do Norte, entre outros – alguns dos portadores, os mais iluminados e mais esclarecidos, se isolam do resto do maralhal e, num gesto de despojada filantropia, eliminam totalmente as eleições de modo a que o cheirinho não se propague aos compatriotas e os efeitos nefastos fiquem restringidos aos mais próximos.

O filantropismo despojado é aliás o efeito secundário benigno mais visível na versão mais preocupante da doença. Pode não parecer mas ele está lá! A populaça que fique descansada que os iluminados e os esclarecidos, mesmo que os seus actos o não mostrem, através de boas directivas só têm uma coisa em mente: zelar por nós e pelos nossos bens.
E, para isso, o recurso aos membros da comunidade afectados pela forma mais grave do vírus é fundamental para assegurar níveis de estabilidade e controlo desejáveis.

Embora eu seja uma potencial vitima do vírus da dita gripe – estou sempre a meter-me com ele de tal maneira que já quase esqueci a anedota daquele famoso computador totalmente português – podia jurar em publico e pela rica saúde de qualquer um dos meus vizinhos, dos lagartões empedernidos e dos lampiões assumidos, que nunca, jamé e em tempo algum, seria afectado por esse febrão que, em épocas eleitorais, ataca as ditas comunidades. Podia mas não juro!

Promessas



- É claro que eu também quero! Há anos que falamos sobre isso e tu sabes muito bem como eu ficaria feliz e além disso não estou propriamente a ficar mais nova e, concordo, sim, quanto mais depressa engravidar, melhor. Mas tu tens bem a certeza do que me estás a dizer? – perguntou ela surpreendida, afastando bruscamente a sua cara da dele.
- Claro que tenho. Absoluta! Chica, não me digas que não ouviste falar disso, na comunicação e na explicação do simpático porta-voz? Na ausência de resposta, rematou: deu em tudo o que é noticiário, foi uma jogada inteligentíssima, de mestre, os outros partidos ainda estão em estado de choque. Com esta medida surpresa, a próxima eleição está no papo!
- Hum…e já fizeste bem as contas, vocês já fizeram bem as contas? – disse ela, voltando-se ligeiramente na cama e esticando o braço esquerdo em direcção ao interruptor do pequeno candeeiro cujo abajur vermelho escondia a lâmpada de energia verde renovável. Aos poucos, a escuridão em que o quarto estava mergulhado deu lugar a uma crescente luminosidade. Tens mesmo a certeza de que alguém fez bem as contas? Tens a noção da fama dessa malta, com anúncios e mais anúncios e mais anúncios…?
António levantou-se bruscamente e, sem responder, vestiu os calções do pijama, calçou os chinelos, pegou no copo com água que todos os dias levava para a sua mesinha de cabeceira e aonde sonhava, um dia, poder afogar a sua prometida dentadura postiça, bebeu um gole e saiu do quarto sem fechar a porta.
Quando voltou, pouco depois, trazia a máquina de calcular e duas bolachas; sentou-se na borda da cama e finalmente disse:
- Queres uma? A Maria estendeu a mão, sorriu agradecida e ele continuou: és mesmo do contra e desconfiada! Só porque são meus amigos tu hás-de estar sempre a embirrar com eles! Ora bem, supondo que o banco nos dá uma média de 3% de juros por ano, já vais ver a pipa de massa que ele terá quando fizer os dezoito anos.
A Maria sentou-se na cama para sacudir algumas migalhas da bolacha que se tinham espalhado pela almofada e pelo seu corpo nu e ficou à espera enquanto o marido, de costas voltadas para ela e a cabeça tombada sobre a máquina, prosseguia com os cálculos. O tempo passou – a Maria engomou uma dúzia de camisas e fez um apetitoso salame de chocolate – até que ele disse:
- Dá quase trezentos!
- Trezentos? Trezentos quê, perguntou a Maria, trezentos só de juros?
- Não – respondeu baixinho o António – trezentos tudo junto, os duzentos euros que o Sócrates dá pelo nascimento dum filho e mais os juros que ganhamos pelos dezoito anos que o dinheiro tem que ficar depositado, sem que a gente lhe possa mexer.
- Tanto? – ironizou ela. Ajoelhou-se, pôs-lhe as mãos nos ombros e, espreitando por cima da cabeça do António, ficou a olhar para os números no ecrã da máquina de calcular. Uma fortuna dessas daqui a dezoito anos? Tens a certeza que não te enganaste? António, envergonhado, atirou com a máquina de calcular para cima da cadeira aonde estavam as calças de ganga e a camisa de linho branca que vestira durante o dia, descalçou os chinelos, despiu os calções do pijama e deitou-se na cama, também ele nu, virado para a mulher, o cotovelo esquerdo espetado no colchão e a mão esquerda a apoiar a cabeça:
- Tenho e não, não me enganei! – balbuciou amuado.
A Maria, deitou-se de barriga para cima e, pensativa, pôs-se a brincar com o piercing que tinha no umbigo. Então perguntou:
- O que é que preferes: enfiar o preservativo ou tomar um duche de água gelada?

Virus II



Azar o vosso, desgraçados leitores!
Depois da alucinação da semana passada, muitos de vocês ficaram na esperança de que eu entretanto deixasse de respirar ou que fosse internado num hospício, enfiado num colete-de-forças e largado bem longe dum teclado.
Acontece que os hospícios precisam é de gente calma e tranquila, infelizmente todos eles disseram que estavam cheios, sem uma única vaga que fosse. A Maria, que tal como vocês também acha que lhe fazia bem pôr-me a saltar dum avião com um bruto rasgão no pára-quedas – estou a imaginá-la a olhar para o céu, a ver-me cair desamparado, a levar uma mão à boca, envergonhada e a dizer ooopppps, querido, esqueci-me de cozer aquilo – bem se fartou de chorar, implorar mas esta gente não tem sentimentos.
Deve ser um grande negócio este, tanto manicómio com a lotação esgotada mesmo com a crise do Sócrates que por aí vai, bem bom, quem me dera a mim gerir uma coisa destas! Isto se a minha cabeça funcionasse.
Ou então os responsáveis por aquelas chafaricas acharam que o mais acertado era fazer de contas que a lotação estava esgotada só porque, de vez em quando, dá-me para desatar a abrir muito os olhos, a encolher os ombros e a tremer os braços, pontapear bolas imaginarias e berrar como se estivesse a tomar banho à noite, todo nu, no pólo norte em plena noite de passagem de ano sem ter consumido uma única gota de álcool. Nada de grave mas parece que é embaraçante para quem tem uma relação familiar ou de proximidade comigo.
Não tendo ficado internado, lá terei que continuar com o relato da minha aventura à procura de gente infectada com o vírus dos porcos, dentro daquela furgoneta velha como eu sei lá o quê, um calor lá dentro que nem queiram saber, o único sitio fresco era um frigorifico minorca onde estavam guardadas as lamelas com as amostrar de sangue que iam para análise e aonde só dava para enfiar uma cabeça humana de cada vez.
Sabem o que é mais chato? É que, tantos sacrifícios que fiz e tantos perigos que corri e afinal não encontrei nem um só caso para amostra.
É quase tão frustrante como o crescimento da nossa economia: muitas promessas, muito alarido e depois, zás, é assim uma coisita ainda mais murchita e mais pindérica do que um girassol às duas e um quarto da manhã.
Vi porcos a espirrar, isso eu vi! Com o meu brio profissional cheguei-me tão perto deles que um acabou por espirrar mesmo em cima da minha tromba. Parecia o fim do mundo!
O pessoal entrou logo em alvoroço, a sirene a tocar como se as cuecas da motorista estivessem a arder, a velocidade nos limites do motor e da segurança, por pouco chegámos aos trinta e dois quilómetros por hora, um stress danado.
Grunhir ainda grunhi, mas a gripe não apanhei! Os exames ao sangue vieram perfeitos e limpinhos mas as autoridades competentes acharam por bem pôr o suíno de quarentena; também me pareceu um exagero tanto cuidado com o animal, afinal de contas a minha cabeçada não lhe acertou, acabei enfaixado junto ao tampão do depósito da gasolina, ainda tenho a marca na testa e os óculos no oculista. Se alguém precisava de cuidados era eu. Assim sendo, pode ser que vá mesmo de férias.

Descontraindo




Por esta altura do ano, altura em que o sol está bem quentinho e anda pelo ar aquele cheiro a férias, sempre que posso enfio um dos meus fatos de banho e estendo-me de papo para o ar na esperança de que o calor derreta os pneus.

Foi um curandeiro amigo que me falou desta técnica de reposição da estética abdominal, a mais barata e indolor que ele tinha no catálogo para clientes broncos e tesos como eu, aconselhou-me a tirar partido das horas de maior calor para me esparramar, ele chama-lhe a teoria do torresmo, quanto mais quente mais possibilidade há de a banha derreter, lentamente, mas mantendo as propriedades da carne.

Não poupo nos esforços nesta luta sem quartel pelo regresso ao apetitoso trinca espinhas que eu era aos vinte anos e todos os sacrifícios são poucos para atingir esse objectivo; ao meio-dia e um quarto calço as chinelas de praia, pego num livro, numa garrafa de água e no boné, na toalha e na Maria, tudo por esta ordem, e deito-me, ora a ler ora a pensar na morte da bezerra, coitadita, vejam lá uma vaca ainda tão jovem e tão cheia de vida, com tanta erva para ruminar e, de repente, zás, ali está ela às fatias, no talho do tio Antunes, embrulhada em papel celofane, a catorze euros o quilo.

Ao fim de algum tempo os raios solares começam-me a chatear, já estive deitado de costas e de barriga para baixo, estou tão farto duma posição como da outra, suo que eu sei lá, estou tão cheio de calor que já não aguento mais.
Como a água ainda não está à temperatura ideal para que os meus ossos apreciem devidamente o prazer da natação – a partir de vinte e oito graus começa a ser aceitável – bato no ombro da Maria e aviso-a de que “já estou cheio de calor, não aguento mais!”. Ela cumpre logo com a sua obrigação, levanta-se e vai tomar banho.

Mesmo que não queiram, eu faço a pergunta por vocês: isso não é muito chato para ti? Claro! Sim, quer dizer, apesar dela não fazer fita e ir logo ao banho, a verdade é que nem meia hora depois já eu estou outra vez aflito, sem conseguir ter posição e cheio de calor! Que remédio tenho senão interromper, mais uma vez, a minha leitura para lhe dizer que se levante e que faça o que tem a fazer. Obviamente que é chato!

Além de chato e cansativo, de cada vez que ela volta da água e chega ao pé de mim, acha muita piada a passar-me a mão, gelada e molhada, pelas costas abaixo e eu não só fico tão arrepiado como ficou a Elisa Ferreira quando viu as últimas sondagens para a câmara do Porto como, naturalmente, fico danado como o raio porque aquela cabecinha não se dá conta de que, com tanta mudança de temperatura, ainda acabo possuído pela gripe suína e depois quero ver como é que vou continuar com este tratamento.

Quando a Maria não está mando o cão. Dá-me bastante mais trabalho porque o estafermo tem medo da água e eu tenho que o empurrar lá para dentro. Cinco minutos depois, cansado de ouvir a Maria a berrar comigo e farto de ouvir o bicho a ganir, vou buscá-lo porque o animal ainda não aprendeu a sair sozinho. Que canseira!