Friday, February 26, 2010

Quem sabe



Apesar de todo este mau tempo, da ventania e da chuva chata e persistente, da constante nebulosidade que tapa o azul do céu, é o sol que está a grelhar o nosso primeiro-ministro em lume brando, em episódios semanais.

A prolongada exposição do chefe do governo aos raios do sol dará razão às campanhas publicitárias que, todos os verões, nos alertam para os cuidados a ter com a gravidade das queimaduras que o estafermo pode provocar na nossa pele.

Como consequência, devagar devagarinho, há cada vez mais gente importante a dizer, claramente e na televisão, que o Zezito mentiu no e ao parlamento sobre a trapalhada do falhado negócio da compra da TVI pela PT.

É certo que todas essas pessoas são do PSD – Manuela Ferreira Leite, Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Rangel – o que poderá tirar independência à afirmação mas a verdade é que não há, até ao momento, conhecimento de nenhum processo crime por difamação interposto pelo chefe do governo. Mentiu, ponto final parágrafo, disseram eles.

Neste fim-de-semana deram à costa noticias segundo as quais também o senhor Procurador-Geral da Republica teria, alegadamente, mentido nas respostas que deu às perguntas colocadas por dois deputados social-democratas sobre os despachos de arquivamento das famosas escutas entre o chefe do governo e o seu amigo Armando Vara.

Até ao momento, as únicas posições conhecidas do senhor procurador em relação às contradições publicadas são a de que responderá na segunda-feira “se assim o entender” e o anúncio da instauração de mais um processo por violação do segredo de justiça.

Neste diz que disse, o desgraçado do portuguesito, tal como o mexilhão, vai batendo na rocha, cada vez com mais força, incapaz de se segurar e encontrar pé, manipulado por gente com olho em terra de cegos.

Talvez que uma das causas deste nosso destino esteja na quantidade de exemplos semelhantes ao do aluno do 9º ano duma escola em Espinho que, de acordo com uma notícia que corre pela internet, ao enunciado “num teste estruturado e linguisticamente cuidado, com um mínimo de 10 linhas, exprime a tua opinião sobre o papel da escola na formação de um cidadão” respondeu:

" O papel da escola eu axo que é igual a um papel qualquer de imprensa A4. E de certeza que é. tem a mesma grossura e tudo. Agora se estão a falar, por exemplo, das folhas de Teste que é uma folha A3 duberada ao meio fazendo duas folhas A4, axo melhor que as folhas de teste sejam assim do que só uma folha A4, essas fichas que os professores dão são sempre folhas de formato A4 ou de formato A5 . Os testes As professoras metem sempre folhas de formato A4 mas quando são mais as professoras agrafam sempre as folhas e nunca fazem teste com folhas formato A5. Por isso eu axo que as folhas desta escola são iguais às das outras escolas ou de outras empresas."

É, também axo que, se calhar, é por estas e por outras que nos tratam como umas marionetas.

Assim seja!


(ilustração por Greg Horn)



Estou farto de puxar pelos miolos para ver se consigo escrever sobre um assunto sério mas a coisa, como é habitual em mim, não está fácil.
E até nem se pode dizer que não haja muito por onde escolher, (in)felizmente a nossa vida quotidiana está cheia de material onde eu me podia debruçar e, nas calmas, alinhavar umas quantas tiradas.
Ainda ontem à noite o senhor presidente do supremo tribunal de justiça fez o pleno e apareceu nos três canais de televisão, a tentar explicar aquilo das escutas e dos despachos e mais uma série de coisas. Como é tudo muito técnico, muito complicado e muito difícil de perceber, fiquei na mesma e não me arrisco a dar um único palpite que seja. Ou estou cada vez mais burro (o que não é de admirar), ou o senhor não se explica nada bem ou então as regras estão feitas para não serem percebidas. Contou porém, nas três entrevistas, que há um caso na sua vida de magistrado que ainda hoje o comove, com o qual ainda sonha regularmente, provavelmente foi um caso envolvendo uma boazona mamalhuda que se meteu em sarilhos.
Se aquele senhor, que é a quarta figura da nossa república, se dispôs a fazer o papel de simples figurante perante a comunicação social na mesma noite em que quiseram tapar o semanário Sol com uma peneira, vou ali e já venho.
Ou podia escrever sobre a candidatura ao cargo de presidente do PSD apresentada pelo eurodeputado Paulo Rangel mas, apesar de ser um político que eu admiro, vou ficar à espera e ver se ele me explica exactamente o que é que quer dizer com aquilo de ruptura com quinze anos de governos socialistas.
Ainda que ele explique a coisa como deve ser e consiga conquistar o lugar a que se candidata, vai ter muito trabalhinho a convencer-me de que o partido a que quer presidir ainda tem, como um todo, com os seus vários feudos, algo de diferente a oferecer, a começar por fiabilidade.
Optei, obviamente, pelo mais fácil, por um assunto ligeiro e lateral, um assunto que tem a ver com a grande amizade e o enorme carinho que nutro pelos lampiões deste país e cujo número, assim por grosso e à vista desarmada, deve andar aí pelos seis milhões de almas penadas, um número parecido com o total dos portugueses que vivem, dependem ou necessitam da ajuda do Estado português, nas formas mais benignas ou não.
Porque com o fim do carnaval se entra na Quaresma, sinto que é minha obrigação alertar-vos para que se preparem para o pior.
Em verdade vos digo que, para o vosso Jesus, depois de ele ter conseguido o milagre de pôr uma cambada de toscos a dar uns toques numa bola e a meter uns golitos, vai em breve começar um calvário que eu não desejo nem ao meu pior inimigo.
Dentro em breve, o vosso Jesus vai ser assobiado, sob as mãos dos lampiões associados vai sofrer e ser humilhado, vai descer aos balneários e às mãos dos vossos dirigentes vai ser castigado, despedido e mal pago e conforme o que constará no contrato não, não subirá de novo aos relvados para se sentar no banco dos suplentes e não festejará títulos em glória e a sua estadia no vosso clube terá fim.
Assim seja!

Sunday, February 21, 2010




Pouco barulho! Não mexe, não resfolega, quietinho, isso, lindo menino, dá cá a pata dá, isso, rebola, só mais uma vez, isso, agora deita, muito bem, toma lá um subsídio doce!
É assim que estamos, nós, os portugueses, estes milhões de marmanjos que pastoreiam a zona mais ocidental da península ibérica.
Dizia o meu professor da terceira classe, que também era meu tio, que ou a malta aprendia cedo a saber interpretar bem os textos que vinham no livro de leitura ou então arriscávamo-nos a, em adultos e como profissionais, ser uns grandes nabos e a dar com os burros (e com os camelos e os macacos, enfim, com a bicharia toda) na água, passaríamos a vida a misturar alhos com bugalhos. Posso dizer – e isto é mesmo para me gabar já que, para vossa informação, sigo o lema “a gente nunca gaba os outros” – que aprendi umas coisitas sobre a matéria e não me tenho desenrascado nada mal a esse nível.
Desde o fim do verão passado que dois dos mais altos e ilustres intervenientes do nosso sistema de justiça nos andaram a jurar que, no material interceptado em conversas telefónicas de gente graúda da nossa praça, nada havia de errado, nada justificava o alarido feito pela imprensa, um deles até disse que, por ele, divulgava tudo o que havia e assim o povo ficaria ciente da justeza das suas sábias decisões.
Estes dois dos mais ilustres magistrados, um deles é a quarta figura do Estado a que isto chegou, contrariaram o parecer de outros dois dos seus pares – um procurador e um juiz dum tribunal – e, do alto do seu poderio, disseram ao povo “vão cordeirinhos vão, fiquem tranquilos que não há lobos maus à vista, votem tranquilamente, está tudo bem…”.
E nós, os cordeirinhos, lá fomos, cantando e rindo, cumprimos o nosso dever e andámos com as nossas vidinhas para a frente.
Eis senão quando, através dum acto corajoso criminoso praticado pelo semanário Sol, os segredinhos são desvendados e são divulgadas as primeiras parcelas das escutas, bem como as conclusões a que chegaram os dois intervenientes judiciais menos importantes, conclusões que os levaram a considerar haver indícios de graves ilícitos que, na sua essência, consistiam num esquema governamental, nomeadamente do senhor primeiro-ministro, para controlo dos meios de comunicação social visando limitar as liberdades de expressão e informação
Eu, um peão desse tal bando de cordeiros, já que me era dada a oportunidade de ler o texto do exame, lá acorri a comprar o dito semanário e perdi meia hora e depois mais outra e ainda mais outra a ler e a reler as seis páginas dedicadas ao assunto.
No fim, pasmei e chorei!
Pasmei porque não consegui chegar à mesma interpretação a que chegaram os dois altos e ilustres intervenientes do nosso sistema de justiça e chorei por, durante estes anos todos, ter andado convencido de que o meu mestre da terceira classe tinha sido um mestre de se lhe tirar o chapéu e, afinal, tudo o que aprendi com ele e com todos os outros professores de português que se lhe seguiram enquanto estudei não me valeu de nada.
Como, como é que é possível que eu, logo eu que ainda agora me gabei lá atrás dos meus dotes de interpretação, não tenha sido capaz de fazer a mesma leitura que os nossos grandes e ilustres magistrados fizeram? Ó triste vida a minha, o que vai ser de mim daqui para a frente? Preciso de ir para a reeducação. Mas é que é já! Táxi!...

Mistérios




“Ó senhor ministro, diga-me lá como é isso para eu ver se eu encontro ali nalguma gaveta da sua secretária”.
Não, obviamente isto não me foi perguntado a mim mas, conseguisse eu, por qualquer bambúrrio, chegar a ministro, então esta talvez fosse uma das frases mais escutadas no gabinete.
Como ando sempre à procura das minhas coisas, sou um verdadeiro despistado, um daqueles desgraçados a quem os outros, especialmente os que estão mais em contacto comigo, massacram com a frase “só não perdes a cabeça porque ela está agarrada ao corpo”. O que, por enquanto, é verdade sim senhor. Deve estar por um fio, mas por enquanto ainda cá está, agarradinha.
A minha carteira é, teimosamente, o bolso da minha camisa ou um dos bolsos do casaco que visto, um molho solto de documentos avulsos e à balda que transporto sempre comigo: carta de condução, bilhete de identidade, cartão da segurança social, cartão de contribuinte, cartão de eleitor, cartão multibanco, uma nota de vinte euros, duas de dez e uma de cinco, um bocado de papel amarrotado com qualquer coisa escrita por mim mas que eu próprio já não percebo, alguns recibos de compras feitas há meses, um minúsculo bocado de linha azul escura que não sei de onde veio e…acho que é tudo.
Com esta espécie de carteira, é portanto a coisa mais vulgar do mundo eu andar à rasca porque agora perdi isto, depois perdi aquilo, bolas, onde é que terei metido a porcaria do cartão multibanco, já viste no casaco que trazias ontem? já e não estava lá, então e na camisa que puseste para lavar?, ah, espera lá, já encontrei, afinal estava aqui no molho, estava agarrado ao cartão do contribuinte. O costume! Tantas vezes isto se repete que a Maria abana a mona com resignação mas já nem diz nada o que, no caso dela, é obra!
Apesar da portabilidade da minha carteira, é raríssimo perder documentos ou dinheiro; quando perco, calha sempre ao bilhete de identidade ou então algum dinheiro, muito pouco aliás e normalmente é porque algum dos filhos da Maria me pediu um empréstimo e ainda não teve oportunidade de falar comigo e entregar a documentação necessária devidamente preenchida e assinada.
A frase, a pergunta que começa este texto, resultou da exclamação de desespero do senhor ministro das finanças, escutada há dias por estes ouvidos que a terra há-de sujar e cuja transcrição é mais ou menos “porra, valha-me santo Constâncio, aonde raio é que meti aqueles 1,3% do PIB português, ainda há duas semanas os tinha aqui guardados e agora não os encontro!”
Se isto me acontecesse a mim, além de dois pulos e dum valente berro, caía-me logo tudo, o Carmo a trindade e os tintins. Não necessariamente por esta ordem! Obviamente ficaria a falar fininho e não entendo como é que o ministro ainda fala grosso.
É verdade que o hábito faz o monge e o senhor ministro até já está habituado a perder grandes nacos do nosso produto interno bruto por atacado.
Em Outubro de 2008 dizia que o défice em 2009 ia ser de 2,2% do PIB, depois já eram 3,9% em Janeiro de 2009, depois 5,9% em Maio e, finalmente 8% em Dezembro. Agora lá desapareceram mais estes 1,3%.
À data em que teclo estas letras, a secretária do senhor ministro continua à procura.
A sorte dele não é ter a cabeça agarrada ao corpo, não! A sorte dele é outra, mas é mistério…