Não é que os marmanjos da academia sueca, aquela que atribui os prémios Nobel, ensandeceram de vez, passaram-se dos carretos e entregaram o da Paz a um ferrenho adepto do capitalismo e ao banco por si criado? A um desgraçado que preferiu passar a vida a lutar para arranjar dinheiro para os mais pobres dos pobres, não na forma de um subsidiozinho mínimo estatal garantido, tão do agrado que quem eu muito bem sei, mas através de empréstimos com a respectiva cobrança de juros? Pode lá ser? A economia que, através do risco e responsabilidade pessoal, visa o lucro, a ser galardoada com um prémio da paz?
O tresloucado, que dá pela graça de Mohammad Yunnus, começou, há cerca de trinta anos, a emprestar sem quaisquer garantias, pequenas quantias do seu próprio dinheiro a meia duzia de mulheres para que estas pudessem desenvolver negócios que as sustentassem, a elas e às suas famílias, permitindo ao mesmo tempo libertar fundos suficientes para reembolsar esses empréstimos. Como naquele país, o Bangladesh, que tem pouco mais do dobro do tamanho do nosso Portugal, clientes muito pobres não faltavam, o senhor Yunnus, para satisfazer a clientela, começou a moer o juízo aos bancos estatais e privados e, com muito engenho e muito mais persistência, lá acabou por criar um império de milhões de pequenos empresários e um grupo cujo rosto mais visível é o banco Grameen. Mas não é só ele que é louco; os seus clientes, mulheres na esmagadora maioria, em vez de se pirarem com a guita, lá vão trabalhando, desenvolvendo os negócios e pagando o capital e os juros.
Tivessem essas empresárias tempo livre e acesso a informação detalhada sobre a nossa sociedade actual e certamente já teriam pendurado o senhor Yunnus, de cabeça para baixo, no pau da roupa mais próximo. Com toda a razão, digo eu, pois se há centenas de milhar de almas lusas (mais as francesas, as espanholas, as alemãs, mais as outras europeias) a receberem, por mês e garantidinhos, uns trocos a troco de nada e a nada terem que dar em troca – excepto talvez uns votos de quando em vez – porque carga de água hão-de aquelas pobres desgraçadas, já de si (ainda) com poucos direitos cívicos numa sociedade ainda demasiado machista, terem que trabalhar que nem loucas para terem um sustento?
Acho bem que não se exagere na publicidade a este conceito capitalista, não vá perder-se o nosso modo de vida que é a esmolinha de caridade aos pobrezinhos, coitadinhos, eles nem sequer saberiam o que fazer se tivessem acesso ao dinheiro, os senhores intelectuais doutores é que sabem o que é melhor para eles, já pensaram bem, depois vinha o stress, a tensão alta, sabe-se lá se a independência, enfim, tudo problemas com que eles, os pobrezinhos, não iam, de certeza certezinha, saber lidar e por isso toca mas é a cuidar bem deles, anestesiando-os, vestindo-os e alimentando-os. Mal mas de boa vontade.
E se todas estas bondosas boas acções mesmo assim não forem suficientes para os manter quietos e anestesiados, inventam-se e implementam-se mais umas quantas normas, regulações e obrigações e outros tantos e pesados impostos. Assim, se alguém tiver peneiras e quiser sair da alçada do estado providência, ou consegue engendrar uma actividade que dê lhe lucro suficiente para sustentar a sua família e mais a família de dois ou três funcionários estatais ou então, o que é mais certo, arruma logo as botas e vai vivendo vegetando ou vegetando vivendo.
Diz o novo Nobel da Paz que caridade não, que a caridade não dignifica o ser humano. Mas o homem é doido ou quê?
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