Wednesday, September 12, 2007

Tabuletas




Passei o fim-de-semana em Vila Viçosa. Fui convocado para, na qualidade de amigo da artista pintora, assistir à inauguração da sua primeira exposição a solo; ela é uma calipolense, palavrão que classifica os naturais daquela vila alentejana, vila que é famosa por esse mundo fora graças ao seu mármore e às, de outros tempos, tricas e mexericos reais que por lá ocorreram em séculos passados, dentro e fora das paredes do Paço Ducal. Também é famoso pelo bom vinho Borba, os queijos, os enchidos de porco preto e a sericá (se for sem a ameixa) ou sericaia (com a dita).

Os meus conhecimentos sobre pintura estão ao mesmo nível de tudo o que eu sei sobre o cérebro da ratazana o que me qualifica para, pelo menos, saber que se o objecto em questão está pendurado por um ou mais pregos e eu o não posso contornar, então trata-se, claramente, de um quadro. Se me perguntarem se o borrão pendurado é um aguarela um óleo eu entupo, engasgo-me e, na melhor das hipóteses, quando quase pareço um intelectual vestido com a minha mais que coçada e algo esburacada ganga, a camisa amarrotada e por fora das calças, a barba por fazer e o cabelo comprido, faço uma cara de ofendido como se quem se atreve a fazer-me essa pergunta idiota queira, no fundo, ter algum género de contacto físico comigo, a modos que um estalo na tromba.

Também já sei que o Picasso não é nenhum jogador espanhol de futebol a jogar numa equipa inglesa e que a Paula Rego não é uma praticante da modalidade do salto à vara. Conhecimentos adquiridos, escrevo-o com orgulho, sem o recurso a explicações!

Percorro as exposições de pintura como a mesma velocidade com que o esfomeado do meu filho mais novo limpa um bife com batatas fritas e ovo a cavalo; como resultado, ficamos, ambos, cheios e a abarrotar durante uns tempos, incapazes de repetir a gracinha.

Conhecedora destes meus desarranjos artísticos, a minha amiga fez coincidir o sacrifício da exposição com as festas anuais da vila. Das várias actividades que constavam no programa para um turista acidental como eu, só consegui chegar a tempo a uma: à largada de toiros no domingo de manhã. Este é espectáculo em que o toiro, tal como o Zé-povinho às mãos do estado, é gozado até dizer chega. Alguns, poucos, dos funcionários públicos – oh perdão, enganei-me! – alguns, poucos, dos participantes na largada, quando o desgraçado do bicho já está preso por uma corda e a ser puxado para dentro da camioneta, desatam – à socapa, não vá, mesmo preso, o diabo tecê-las – à biqueirada ou à traulitada com a ponta de guarda-chuvas.

Borrei definitivamente a pintura quando, regressado à base depois de uma visita à “nossa” Olivenza, insultei a estátua de homenagem ao monarca da restauração, insultos justificados pelas esmagadoras diferenças que há entre o lado de cá e o lado de lá, mal se atravessa a ponte sobre o rio Guadiana e se passa para lá da simples tabuleta que sinaliza a entrada em Espanha.

Antes de, rapidamente, me por na alheta, tinha desabafado para os meus companheiros de viagem: que pena os gajos não terem posto a tabuleta em Oeiras!

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