Sunday, November 11, 2007

O Saldanha





Nos últimos cinco minutos era para aí a quinta vez, o tom de voz a aumentar, que ela dizia “mas eu já lhe disse que só o Saldanha é que lhe pode resolver o seu problema” e era, para aí, a sétima vez que o homem lhe respondia, o tom também em crescendo “mas foi o Saldanha que me mandou vir aqui e disse que vocês é que me resolviam o problema!” quando ela entornou definitivamente o caldo ao proferir, alto e bom som “mas eu quero lá saber!”.

Antes que lhe desse um chilique e porque “eu não vou dar cabo da minha saúde por causa das asneiras do Saldanha” a funcionária chamou a policia, por acaso vieram dois, calmos e diligentes, tomaram conta da situação, não sem que um deles tenha levado as mãos ás algemas ameaçando prender o utente vitima do Saldanha que, a caminho do olho da rua e de estribeiras completamente perdidas, foi distribuindo elogios a todos quantos, na sua opinião, faça sol ou faça chuva, informem bem ou informem mal, não precisam de se preocupar com as consequências dum mau serviço porque o guarda-chuva aparece sempre no final do mês.

Por esta altura, eu e mais a outra dúzia e meia de utentes que comigo esperavam na sala, estávamos com tamanho pó ao Saldanha que, se o apanhássemos ali, bem à nossa frente, dávamos-lhe uma valente esfrega e uns quantos bananos nas fuças. O marmanjo estava mesmo a pedi-las. Estava ele e, achávamos nós, estava a funcionária, graças a quem, já conhecíamos todos os podres dos cinco desgraçadas utentes que ela atendera antes.

Levantei-me, pedi a atenção dos meus colegas, expliquei-lhes os porquês da minha profunda irritação com o comportamento do Saldanha, disse-lhes que tipos como ele que brincam com a vida dos outros não mereciam andar por aí à balda e, como todos mostraram concordância comigo, propus-lhes a minha solução: recambiar o Saldanha para o Jardim das Pichas Murchas!

Ainda agora todo eu fico pele de galinha e me comovo até ás lágrimas quando recordo a efusiva reacção dos colegas à minha proposta, as palmas, os gritos de “este mano para presidente, já!”, os abraços, os beijos e os apalpões. Foram, acredito, os meus cinco minutos de fama.

Infelizmente os sonhos duram pouco e, rapidamente, uma outra funcionária do atendimento ao público da Segurança Social do Areeiro se apressou a esclarecer que o Saldanha não era um homem mas sim um local, também em Lisboa e a cerca de um quilometro dali, onde havia outras instalações daquele organismo publico, também ele com dezenas de outros funcionários aptos a resolver os nossos problemas.

Atendendo a que o Jardim das Pichas Murchas, que fica perto do castelo de São Jorge, é um espaço muito pequeno, caiu também por terra a minha proposta já que, com tantos candidatos e candidatas a irem lá parar, aquele pacato recanto alfacinha tornar-se-ia inabitável e, sabe-se lá, corria até o risco de ter que ser rebaptizado.

Para acabar numa nota mais alegre, deixo-vos com a resposta do senhor Jardim Gonçalves quanto perguntado se dera o seu contributo para o perdão da divida de juros do seu filho para com o BCP: Ó pus dei!

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