Tuesday, June 19, 2007

Enredo

(imagem de www.star.ucl.ac.uk)
Plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro.
Eram estes, quando eu vivia regalado e sem responsabilidades, os três objectivos fundamentais na vida de qualquer candidato a macho que se prezasse. Cumpridos, sem esforço e com prazer, os dois primeiros, era normal e lógico que começasse a tratar da tarefa que me faltava para obter o desejado estatuto.

Iniciei os estudos há dez anos. Decidi que ia ser um livro de ficção, um romance policial, romance que ia ter pelo menos umas quinhentas páginas (gosto de ler ao quilo, tinha que escrever em conformidade), ia vender para aí umas quinze edições – só em Portugal! – a história girava à volta das peripécias de um grupo terrorista que pretendia levar a cabo um atentado biológico, através da disseminação do vírus do ébola, a ocorrer durante o jogo da final do campeonato europeu de futebol que estava marcado cá para o burgo.

Da empreitada, tenho escritas umas oitenta e tal páginas e, exactamente, trinta e sete anos para acabar as restantes quatrocentas e pico. Parece um prazo relativamente apertado mas, sem esforço e sem vontade, o falhanço está no papo. Só lamento o tempo que fiz perder aos meus editores chineses e nepaleses, países onde a minha obra era esperada com grande expectativa e que, com esta minha confissão pública, vão sofrer uma enorme decepção.

Não pareço mas, apesar de sorna, sou persistente e, na esperança de um dia voltar ao romance, necessito de exercitar e desenvolver a minha criatividade (caso contrário enferruja ainda mais). Para o conseguir já seleccionei duas hipóteses: concorrer a um lugar na agência de informação AFP (Agence France Press) ou candidatar-me a biógrafo oficioso do novo aeroporto de Lisboa.




Na AFP é dado enorme relevo e importância à ficção e à criatividade, como comprova a publicidade para angariação de novos talentos, feita através da publicação de uma noticia na semana passada de que o vai e vem americano Atlantis “tinha explodido segundos após o lançamento para mais uma viagem até à estação espacial, cujas imagens estavam a ser difundidas pelo canal de televisão da Nasa”. Infelizmente para mim, neste mundo global, tal anúncio foi visto por milhões de marmanjos que também vão querer concorrer a tão cobiçado lugar.
Mentes sem sentido de humor andam por aí a dizer, há anos, que a AFP pinta a realidade de acordo com as cores mais ao gosto e desejos particulares e especiais dos seus editores, os mesmos que, só por acaso, não viram o arraial de pancadaria entre palestinianos “moderados” e radicais até terem sido obrigados a pôr os óculos da realidade, que é chata, mas é o que é.

Como candidato a biógrafo do novo aeroporto, poderei escrever ao quilo, sem ter que encher chouriços como tantas vezes faço, há material para umas cinco mil páginas e, o enredo, tem os ingredientes dos melhores livros de suspense: um crime, vários suspeitos reunidos à volta da mesma mesa, cada um com as suas próprias motivações, negociatas, traições, pistas, muitas pistas, falsas a maior parte delas e um castiço inspector chefe encarregado da investigação que, mesmo sabendo muito bem quem é o criminoso e o móbil do crime, só os vai revelar no último parágrafo da última página. E haverá surpresa!

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