Wednesday, January 24, 2007
O Maior
Tanta gente a votar a setenta e dois paus o voto, mais iva, para a eleição do maior português de sempre e nem um só, um só único desgraçado votou no Gabriel!
O Gabriel foi, sem sombra de dúvida, o maior português de sempre. Dois metros e para ai uns quase quarenta centímetros. Deitava a cabeça na cama do quarto e os pés numa outra, instalada na marquise. Duas traineiras velhas, compradas na sucata, escondiam as camisolas que calçava nos pés para esconder os joanetes do tamanho de maçãs reinetas.
Nascido em Moçambique, conheci-o ainda aquela colónia era território português. Veio na bagagem de um empresário manhoso e, juntamente com um anão de nome Lúcio, correu o país de lés a lés; o Gabriel sentado numa cadeira real segurava o Lúcio na palma da sua mão direita enquanto recebia, na enorme tenda, os visitantes que compravam o direito a vê-lo de perto, a ele, o gigante de Majacaze, o maior de todos os portugueses.
Durante os meses que durou a sua tournée pelas feiras do norte, ficou hospedado na mesma casa que eu. A vivenda de três andares, conhecida nas redondezas como a casa dos malucos, tinha onze quartos e uma vintena de inquilinos, todos machos e supostos estudantes, rapaziada que foi mandriar para o Porto, idos das mais variadas regiões, do Minho ao Algarve.
Nos primeiros dias da sua estadia naquela espécie de manicómio, ainda conseguiu ter algum sossego porque essas eram as ordens do empresário e também porque o Gabriel era muito tímido. Valeu-nos o Lúcio, a quem bastava enfiar um copo com brande ou whisky debaixo do nariz para cair redondo no chão. Na sala das refeições e depois de um jantar, após a segunda inspiração de Macieira lá tivemos nós que o levar ao colo para a sua cama, que era ao lado de uma das do Gabriel. A medo batemos à porta, pedimos autorização, dissemos ao que íamos e ficámos amigos. Rapidamente aquela zona passou a sala de jogos e a casa de fados, berros esforçados ao som da viola do Gabriel, por sinal muito mal tocada. Aquela manápula era incapaz de conseguir tocar uma só corda de cada vez e, a partir, eram logo todas as seis duma vez.
O Gabriel deslocava-se numa furgoneta VW, a sua limusina; o banco era muito rebaixado para evitar que o desgraçado andasse sempre às cabeçadas ao tejadilho. Tinha problemas nas pernas (tinham-lhe enxertado um osso – de carneiro ao que me lembro – numa das coxas) e muita dificuldade em andar a pé e usava uma bengala do meu tamanho que brandia em jeito de ameaça, sempre a sorrir, quando fazia de contas que se zangava connosco.
As visitas lá a casa de duas namoradas que vinham expressamente contratadas de um bar da Povoa do Varzim eram um dos momentos mais comentados, até pelas medidas de segurança que originavam, com dois seguranças à porta do quarto que só partiam quando a visita estivesse consumada. Uma destas namoradas acabou por casar com ele, tendo-se divorciado pouco depois. De volta a Moçambique, também ele morreu na miséria.
Um enorme português e nem um mísero voto… nem o meu, pois eu, confesso, preferi esbanjar os setenta e dois paus, mais iva, numa imperial com tremoços!
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