Quem não conhece alguém que, por causa de um susto, tenha alterado rotinas e comportamentos? Por exemplo, alguém que, confrontado com o resultado das suas ultimas cinquenta e duas análises ao sangue, tenha decidido, de imediato, deixar de beber sumo de uva nas quantidades habituais e passar a beber só água, tal-qualmente os camelos da outra margem ou alguém que, depois de ter escaqueirado o popó contra o poste da luz pública, por causa dos pneus carecas na chuva miudinha, tenha tomado a decisão de começar a comprar pneus novos a cada quinhentos quilómetros percorridos.
Aconteceu-me no último fim-de-semana. Um susto e a consequente prometida mudança. Para já, dado o curto espaço de tempo entretanto decorrido, não passa mesmo de promessa mas a minha determinação, alimentada pelo medo, está, por enquanto, firme e hirta como o aço.
Éramos quatro: eu, a minha Maria e os meus progenitores. Nos bandulhos: pastéis de bacalhau, rissóis, moamba de pato, gelado de natas e chocolate e o famoso leite-creme da tia Arlete. Lubrificante: duas garrafas de tinto, reserva de 2001 da Quinta da Espinhosa. A conversa fluía com a ligeireza apropriada ao repasto. Subitamente, uma deriva sexista abateu-se sobre os homens presentes na mesa, a propósito da argumentação usada pela minha Mãe para justificar aquela que seria, para ela, a grelha ideal para a partida na grande corrida para o Além: primeiro vai ele e depois, oito, quinze dias no máximo, vai ela. Porquê, por esta ordem? Por duas razoes: ele é mais velho e – esta é que é a grave, a tal que me pôs a tremer de medo – porque ele, sozinho, seria absolutamente incapaz de se governar! De notar que, no caso, se trata de argumentos inatacáveis!
Foi o olhar de “estás a ver o que te espera também a ti, ó meu grande nabo” que a minha Maria me lançou, que provocou este frenesim que me deu para mudar a minha vida!
A partir de agora – decidi! – vou-me esmerar e aplicar nas lides caseiras e na arte de bem cuidar sozinho de mim, com a mesma tenacidade com que me tenho aplicado no ténis, no descanso solitário de papo para o ar ou no jeito de levar à boca os vários tipos de copos com que sou obrigado a lidar (modéstia à parte, eu que até nem sou menino para me gabar, gostava, mas a sério, gostava mesmo, gostava que vissem a técnica que aperfeiçoei a emborcar champanhe: é um espectáculo..!).
Na fracção de segundo que durou esse olhar de “não perdes pela demora”, uma longa-metragem das milhares de imagens sobre as minhas inutilidades passou-me diante dos olhos. Nelas pude constatar a catrefada de genes herdados do meu Pai, defeituosos todos eles, coitaditos: as camas mal feitas, feitas sem o necessário cuidado em puxar bem ou bem alisar o lençol de baixo, a gola do lençol de cima sobre o edredão que, de tão torta, mais parece a estrada para o caramulo, as almofadas que ficam sempre como se tivessem acabado de sair de debaixo das rodas de um autocarro de dois andares cheio de turistas gordos, os casacos dependurados em tudo quanto é cadeira pela casa fora. E as refeições? Quando é que foi a última refeição que eu cozinhei para mim ou para a família? Tive que recuar seis anos, para me poder vislumbrar, de avental, a fazer uma torrada! Nesse ano entrou ao serviço o meu filho mais novo, promovido a cozinheiro ajudante, com a função de nos alimentar quando a Maria, por qualquer desgraça, não estiver disponível.
Tudo isso é passado! Juro que vou mudar! Não me façam já a grelha para a partida!
1 comment:
fdx ia te convidar para me fazer o jantar mas acho que mais val comer sozinha uma boa dentada hehehehe
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