Thursday, August 31, 2006

Contos de fadas (Jornal de Tondela)

“Aqueles que ao desembarcar temem enfrentar uma polícia de fronteiras carrancuda e formalidades burocráticas demoradas têm a primeira surpresa. Tudo é mais fácil do que na Europa de Schengen . No aeroporto carimbaram o passaporte sem olhar para mim … Pela primeira vez na vida, ao utilizar voos domésticos não me pediram documentos de identificação. …”.
“Pedi ao guia que me levasse a bairros degradados. Ele não entendeu, inicialmente, o que pretendia. Quando visitámos depois áreas da periferia densamente povoadas percebi o motivo da sua perplexidade. Eram bairros de moradores pobres, de ruas estreitas, mas asfaltadas, com abastecimento de luz, água e gás… O inesperado chegou também da visita aos bairros residenciais da classe dominante. O luxo e a riqueza não são ali menos ostensivos do que nas grandes capitais … milionários excêntricos escolheram terraços de alguns arranha-céus para instalar mansões, jardins e até piscinas em ambientes paradisíacos”.
“A resistência das mulheres às leis que lhes limitam os direitos – alguma ridículas como a proibição de assistirem nos estádios aos jogos de futebol, mesmo em bancada especial – é ostensiva…Confirmei que as mulheres … sobretudo têm uns olhos enormes, levemente oblongos, com uma luminosidade que lhes realça a beleza e a brancura da sua pele… a minha companheira de viagem entrou na sala sagrada do belo mausoléu … por uma porta diferente da minha. As filas não se cruzavam – as mulheres, registei, perdiam a serenidade ao desfilarem perante o sarcófago de prata de Fátima … disseram-me que não faziam promessas. As jovens pediam beleza, fecundidade, amor. As idosas gemiam e lançavam apelos.”

Todas estas frases foram extraídas de um mesmo texto. Longo. Ainda incompleto, no original.
Não é a descrição da minha última visita ao Tourigo, civilização onde, foi-me assegurado por fontes anónimas mas altamente conhecedoras, ainda é permitida a assistência de mulheres – desarmadas – aos jogos de futebol; as mesmas fontes asseguraram-me aliás que, na eminência de aí se voltar a praticar a dita modalidade, a junta de freguesia local tem já em estudo um projecto de lei que, embora não proibindo a sua presença – delas, das mulheres – as obriga a levar um lenço bem amarado à volta da boca (até ao momento do fecho desta edição ainda não foi possível chegar à fala com o respectivo presidente por, alegadamente, ele ter mais que fazer do que andar a responder a boatos).
Tão pouco reflectem as minhas precauções, a nível de documentos, sempre que atravesso a freguesia do Barreiro. Não é do Inimigo Publico, a secção humorística do jornal O Publico. Não é uma cópia parcial de nenhum dos escritos dos autores do gato fedorento. Não é de um texto da autoria do Badaró, do Herman José, da Lili Caneças ou do doutor Alberto João Jardim. Nem tão pouco do frei Anacleto.
Talvez, quem sabe, seja um teste à minha inteligência, à minha capacidade para pensar as coisas. Talvez faça parte de algum estudo sobre o grau de alfabetização do nosso povo. Talvez eu esteja a delirar, cheio de febre.

O texto, publicado no Avante, é da autoria de Urbano Tavares Rodrigues, jubilado como Professor Catedrático da Faculdade de letras de Lisboa Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sobre uma sua visita, recente, ao idílico Irão.