Tuesday, May 29, 2007

8, 15 dias

(cartoon by Chris Madden)

Quem não conhece alguém que, por causa de um susto, tenha alterado rotinas e comportamentos? Por exemplo, alguém que, confrontado com o resultado das suas ultimas cinquenta e duas análises ao sangue, tenha decidido, de imediato, deixar de beber sumo de uva nas quantidades habituais e passar a beber só água, tal-qualmente os camelos da outra margem ou alguém que, depois de ter escaqueirado o popó contra o poste da luz pública, por causa dos pneus carecas na chuva miudinha, tenha tomado a decisão de começar a comprar pneus novos a cada quinhentos quilómetros percorridos.

Aconteceu-me no último fim-de-semana. Um susto e a consequente prometida mudança. Para já, dado o curto espaço de tempo entretanto decorrido, não passa mesmo de promessa mas a minha determinação, alimentada pelo medo, está, por enquanto, firme e hirta como o aço.

Éramos quatro: eu, a minha Maria e os meus progenitores. Nos bandulhos: pastéis de bacalhau, rissóis, moamba de pato, gelado de natas e chocolate e o famoso leite-creme da tia Arlete. Lubrificante: duas garrafas de tinto, reserva de 2001 da Quinta da Espinhosa. A conversa fluía com a ligeireza apropriada ao repasto. Subitamente, uma deriva sexista abateu-se sobre os homens presentes na mesa, a propósito da argumentação usada pela minha Mãe para justificar aquela que seria, para ela, a grelha ideal para a partida na grande corrida para o Além: primeiro vai ele e depois, oito, quinze dias no máximo, vai ela. Porquê, por esta ordem? Por duas razoes: ele é mais velho e – esta é que é a grave, a tal que me pôs a tremer de medo – porque ele, sozinho, seria absolutamente incapaz de se governar! De notar que, no caso, se trata de argumentos inatacáveis!

Foi o olhar de “estás a ver o que te espera também a ti, ó meu grande nabo” que a minha Maria me lançou, que provocou este frenesim que me deu para mudar a minha vida!
A partir de agora – decidi! – vou-me esmerar e aplicar nas lides caseiras e na arte de bem cuidar sozinho de mim, com a mesma tenacidade com que me tenho aplicado no ténis, no descanso solitário de papo para o ar ou no jeito de levar à boca os vários tipos de copos com que sou obrigado a lidar (modéstia à parte, eu que até nem sou menino para me gabar, gostava, mas a sério, gostava mesmo, gostava que vissem a técnica que aperfeiçoei a emborcar champanhe: é um espectáculo..!).

Na fracção de segundo que durou esse olhar de “não perdes pela demora”, uma longa-metragem das milhares de imagens sobre as minhas inutilidades passou-me diante dos olhos. Nelas pude constatar a catrefada de genes herdados do meu Pai, defeituosos todos eles, coitaditos: as camas mal feitas, feitas sem o necessário cuidado em puxar bem ou bem alisar o lençol de baixo, a gola do lençol de cima sobre o edredão que, de tão torta, mais parece a estrada para o caramulo, as almofadas que ficam sempre como se tivessem acabado de sair de debaixo das rodas de um autocarro de dois andares cheio de turistas gordos, os casacos dependurados em tudo quanto é cadeira pela casa fora. E as refeições? Quando é que foi a última refeição que eu cozinhei para mim ou para a família? Tive que recuar seis anos, para me poder vislumbrar, de avental, a fazer uma torrada! Nesse ano entrou ao serviço o meu filho mais novo, promovido a cozinheiro ajudante, com a função de nos alimentar quando a Maria, por qualquer desgraça, não estiver disponível.

Tudo isso é passado! Juro que vou mudar! Não me façam já a grelha para a partida!



Mais um

(Image: Michael Mucci)

Por cortesia de um fervoroso adepto do novo campeão nacional, adepto que por sinal é o pai das netas dos avós dos meus filhos, deixo-vos a seguinte definição: "casamento é um relacionamento a dois, no qual uma das pessoas está sempre certa e a outra é o marido." Eu sei, é antiga e foleira, mas, com tranquilidade, com toda a tranquilidade, eu tive foi medo de perguntar se sabiam qual é a diferença entre o treinador dos lampiões e o nosso primeiro; é que a resposta implica uma graçola sobre a licenciatura do senhor político e, já se sabe, não se pode andar a brincar com o canudo dele.

Que o diga aquele senhor professor de inglês, antigo deputado pelo PSD, a exercer, há vinte anos, funções numa direcção regional do ministério da educação e que por ter, alegadamente, brincado com o dito coiso em conversa com um colega, logo foi preventivamente suspenso, por vergonhosa falta de respeito, pela sua zelosa directora geral. Dizem, algumas más línguas, que a guardiã do templo e do bom respeitinho devido ao nosso primeiro, até já foi, mera coincidência, colaboradora dum actual ministro, aquele que (quer) manda(r) nos jornalistas.

A propósito de jornalistas, aquele que na TVI, o canal de televisão do cardeal Pina, ficou com a responsabilidade de “traduzir” o discurso que o papa Bento XVI fez no Brasil, deve ter sido vitima duma alergia qualquer, certamente derivada à deficiente qualidade do estado do ar que andamos a respirar (como diz Pacheco Pereira), ou então sofre da tal de claustrofobia de que falou o deputado Paulo Rangel, claustrofobia que também me afecta quando sou forçado a andar no metropolitano, em túneis muito compridos, ou em elevadores apinhados, com os consequentes ataques de pânico e ansiedade. No discurso, Bento XVI condenou o capitalismo e o comunismo mas, na TVI, na legenda que apareceu no ecrã a sintetizar a peça jornalística que o apresentador do noticiário narrava enquanto passavam as imagens da visita, a palavra capitalismo foi “traduzida” para liberalismo.

Atendendo à ideologia do senhor cardeal administrador da estação e à dos seus patrões, há que reconhecer a coerência na preocupação em poupar o “capitalismo” e diabolizar o liberalismo. Bem analisada a coisa, comprovada pela dura realidade quando a queremos ver, quando a conseguimos ver ou quando no-la deixam ver com olhos de ver, é muito mais fácil e corrente os pseudo democratas, de direita e de esquerda, conviverem com o capitalismo ou com o comunismo do que com o liberalismo (ou neoliberalismo, como, parece que, por pirraça, gostam de dizer).

Os que se diabolizam o liberalismo, como gostam, querem e precisam do estado em tamanho gigante e omnipresente, sempre que cheiram alguma agitação nas águas, para poderem justificar a manutenção do mar chão, lá vão colando carradas de, já gastos e estafados, rótulos e avisos alertando para os terríveis efeitos secundários a que as gentes do povo se arriscam quando sujeitas a uma prolongada exposição aos pensares e às práticas dessa gente ímpia e sem escrúpulos.

E, como veículos preferenciais de transmissão, usam boys. Um deles, também jornalista, durante muitos anos ligado à direcção do diário do regime, o Diário de Noticias, é agora, finalmente, um assumido assessor, num ministério. É como o meu grande FCP e os campeonatos: mais um!

Thursday, May 17, 2007

Pardais


Haverá alguém que duvide – ou que tenha a distinta lata de duvidar – que Maio é o mês mais porreiro, o mês mais fixe de todo o ano, o mês que mais génios por atacado trouxe ao mundo?
Confesso que, assim de repente, de facto, só me vem á ideia um nome, o nome dum génio famoso que possa atirar, para cima desta folha, como prova da veracidade do que escrevi, assim a modos que, zás, tomem lá e embrulhem. Sabem como é, é tanta a fartura de nomes famosos vindos ao mundo em Maio que a gente até entope quando tem que dar mais que um exemplo! Mas, quando me lembrar doutro, já cá volto.

Dito de outra maneira e para pôr as coisas mais terra a terra, este mês está para o calendário como o meu clube está para o futebol: é o maior!
Para o caso (improvável, impensável e inimaginável) de, no próximo fim-de-semana, apanhar outro susto (ou pior!), informo que já pus no bolso das calças um saco de plástico e um comprimido para a azia, daqueles que guardei, bem guardadinhos, para dias maus. Não quero que se preocupem com o meu mal-estar nem que julguem que sou apanhado desprevenido.

Apesar de todos os atributos que fazem deste mês o tal, o especial, o único, há coisas que, nos últimos anos, se vão agravando e que eu detesto. Ainda na semana passada, o senhor director, no seu ponto final, escrevia sobre o prazer que sentia ao assistir a mais um encontro da passarada. Espero que ainda vejo mais uns quarenta encontros mas olhe, a mim é que encontros desses não me dão gozo nenhum!

Está visto que o senhor não tem, a rodear a sua casa, uma vedação de chapa toda cagada por essa passarada toda! Eles são pardais, melros, pombos, rolas, o diabo a quatro! É uma rebaldaria pegada e eu que me amanhe! Conhece as cataratas do Niagara? Então fica com uma ideia do meu problema.
A sério, a coisa é tão grave que, se eu não fosse tão preguiçoso, se calhar tinha que pintar a malvada da chapa todos os anos. Pintar ainda é o menos, o pior é que primeiro tenho que raspar, com uma lixa, toda aquela … coisa.

Ah, que saudades que eu tenho dos tempos em que se podia andar pelos campos a dar uns tirinhos com uma espingarda de pressão de ar, como quando eu era puto, lá pelas bandas do Beco! E o meu irmão? Eia pá, esse gajo é que era um perigo! A bicharada ficava logo toda apardalada quando o viam, entravam mesmo em parafuso porque ele, mesmo quando falhava o alvo (o que era raro), havia sempre algum que morria de susto.

Ando a ver se consigo convencer um dos dois hóspedes, ambos estudantes, que tenho agora a viver cá em casa a ir lá para fora fazer de espantalho. Como é difícil apanhá-los dentro dos meus horários, já lhes deixei várias notas escritas. Sem resposta, até ao momento. Estou a pensar fazer-lhes uma espera mas a minha Maria tem-me travado, estão a ver, ela tem pena deles, diz que lhe fazem lembrar os nossos filhos.
É mesmo bronca, como se os nossos filhos andassem por ai como estes dois pardais: fora do ninho, até às quinhentas da matina! Sempre!

Maio de 2007

Foto daqui


Como hábito, depois do debate a que assisti em directo e depois de ter lido, na Internet, uma série de jornais e de blogues portugueses, franceses, ingleses e americanos, fiquei deprimido. Como hábito, fui confrontado com o facto de ter nascido desprovido de ferramentas de interpretação, especialmente quando a análise envolve bate papos entre personalidades que representam a direita e a esquerda. Nestas alturas, só não afinfo com a cabeça nas paredes porque também não sou parvo a esse ponto mas, que fico deprimido lá isso fico, por o meu ponto de vista ser, quase sempre, contrário à maioria das opiniões publicadas.

Tornou a acontecer no final do debate entre o senhor Sarkozy e a senhora Ségolène Royal. Eu sei que o meu francês não é muito melhor do que o meu japonês e que até posso ter percebido mal quase tudo o que foi dito; eu sei que sou tendencioso como o caneco e que, nas curvas, descaio mais para a direita mas …que diacho! … quando quatro em cinco opiniões publicadas davam a vitória à senhora e, para mim, ele, o senhor, é que tinha sido – de longe – o ganhador, estoiraram-se-me os pirolitos, passei do estado sólido para o gasoso em três tempos, fui para a prisão sem passar pela casa de partida!

Duas horas de paleio e a boa-nova que, maioritariamente, correu mundo foi a da descoberta de excelentes níveis de capacidade de indignação, de resistência e de combatividade da senhora Royal, fruto da sua enxofrada reacção a uma afirmação do senhor Sarko que, surpresa das surpresas, afinal não se enfureceu, sabe-se lá quantos calmantes tiveram que lhe dar para que ele se não irritasse e se não afiambrasse à garganta da madame.

Nada, rien, nickles, zilt, sobre a incapacidade da senhora em justificar, mais em detalhe e a pedido do senhor seu oponente, algumas das suas posições, nomeadamente sobre a segurança, as leis do trabalho, os impostos e os serviços públicos, a economia, enfim, sobre uma série de coisas chatas e corriqueiras com que a arraia miúda é obrigada a confrontar-se diariamente. Ia até jurar que houve um momento em que ela patinou às duas rodas mas deve ter sido impressão minha (só pode, pois nunca mais vi esses preciosos segundos de fita).

Amuado, atirei-me enrolado para um canto e lá fiquei até às sete horas da tarde de ontem, domingo, hora a que os telejornais avançaram com as primeiras projecções sobre as eleições em França.
Então, assustado, encolhi-me ainda mais porque o meu canto ia ser pequeno demais para me albergar a mim e aos milhões de deprimidos analfabetos franceses que não souberam, hélas, votar na poupée de cire, poupée de son.

Cairá mesmo o céu em cima da cabeça destes irredutíveis gauleses se o novo presidente levar à prática promessas eleitorais como, por exemplo, a de meter na gaveta o famoso legado de Maio de sessenta e oito?

Como me sobraram, de patuscadas anteriores, algumas pastilhas contra a azia, vou distribui-las por aí (a começar pelo director do JN) mas, manda o bom senso, vou ficar com um par delas … para mim e … à cautela.