Sunday, November 11, 2007

Obrigações




Em teoria, nos contos de fadas ou em Marte todos nós somos iguais, todos nós temos as mesmas oportunidades, todos somos amigos, tretas desse género e por aí fora.
Acredito que, talvez, quando nascemos sejamos todos iguais: inocentes, nus, sujos e feios!
A partir daí, acho que tudo muda. No início, cada um terá alguém que lhe vai tratar da vidinha, depois calçam-se sapatos próprios e, toca a andar, cabecinhas na estrada a furar pelo trânsito.

Quem prega que somos todos iguais, é tão aldrabão como os que têm a lata de dizer, na presença dum recém-nascido, “mas que menino tão lindo!”. Recém-nascido e bonito são coisas completamente distintas e opostas (excepto para essa interessante e intrigante categoria de primatas que dá pelo nome de avós).

Quando pela primeira vez, oito minutos depois do nascimento, botei olho no meu filho mais velho – valha-me Santo Agostinho! – pensei que, ou ele tinha saído disparado com tanta força que não conseguira evitar o choque frontal com a parede oposta à marquesa ou então fora pela minha estúpida e perigosa condução a caminho da maternidade, guiada pelos nervos, pela ignorância e pelo cagaço, que a tromba do puto ficara assim, toda amarrotada.
Era então “aquilo” que eu ia levar para casa ao fim de nove longos meses de expectativa? Era “aquilo” que ia contaminar, com as suas fraldas borradas e os seus babetes azedos, o sadio ambiente lá em casa, impedir-me de dormir como aquilo que eu era, um anjo, e obrigar-me a preparar, ao frio e às três da madrugada, centenas de biberões? Quando nasceu o segundo, para evitar mais desilusões, só ao fim de onze dias ousei encará-lo de frente e, ainda assim, assustei-me.
É claro que, entretanto, se transformaram os dois em bonitos rapazes, com pais assim outra coisa não era de esperar mas, agora, estão outra vez feios porque não arrumam os quartos não querem regar a relva e nem querem pôr a louça do jantar na máquina, etc.

Se pai de recém-nascido tivesse estatuto, e se esse estatuto fosse igual ao que agora dizem ir ser aprovado para os alunos, não me teriam apanhado na sala de aula durante todo o curso, ter-me-ia baldado o tempo todo e se conseguissem obrigar-me, eu acabaria por responder às milhentas convocatórias da maternidade, quanto mais não fosse para dar uma meia dúzia de tabefes nas enfermeiras pela insistência em atribuir-me a responsabilidade de levar o pacote para casa.



O meu amigo Vítor, o meu socialista parceiro do ténis, professor de electrotecnia, coordenador dos directores de turma e ele mesmo director de uma turma de sete alunos do oitavo ano da via profissionalizada (com uma média de idades de 17,3 anos) numa das piores classificadas escolas públicas do país, localizada bem perto do palácio de Belém, tem o mesmo receio que lhes aconteça o mesmo que às enfermeiras e acredita que muitos dos agora responsabilizados progenitores só ponham mesmo os pés na escola para partir os dentes a quem vai insistir em chateá-los por causa dos filhos e das filhas. Em boa verdade os alunos já fazem bem esse papel e a ele ainda nenhum o agrediu porque, como ele diz, “quando os gajos começam com merdas eu também parto para a agressividade”.

“Mas sabes, lá no fundo – continua ele, agora a sorrir – dá-me um gozo danado vê-los a tourear a malta que por cá aparece a dizer que com uma postura de compreensão, de diálogo, de igualdade acabaremos por conquistá-los”. Sim, está bem!

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