Sunday, March 16, 2008

Vénias

John Stillwell / EPA
Quando andava a estudar, uma das matérias de que eu mais gostava era da disciplina de história. Não tanto da história do tempo dos dinossauros, dos trogloditas mais as suas salas de jantar cheias de graffitis nas paredes e de outras velharias do género, mas dos acontecimentos mais recentes. Gostava especialmente da nossa história, dos nossos reis, das nossas heroínas e dos nossos heróis, das suas proezas e até das suas desgraças, sempre em pé de guerra na defesa dos seus ideais, dos seus interesses, das suas coisas.

Como quase todos os energúmenos do meu tempo, eu sabia de cor e salteado o nome e o cognome de cada um dos reis e as respectivas dinastias com excepção da última, da quarta, sobre a qual era, e continuo, um burro chapado.
Ainda hoje sou menino para me bater em duelo com qualquer um e recitar, de olhos abertos ou fechados, as três primeiras dinastias (só não desafio a minha Mãe porque ela teima em não se esquecer do que aprendeu no século passado).

Havia os actores principais, muitos, e os secundários, poucos, mais raros. O meu actor secundário preferido era o porta-bandeira na batalha do Toro, aquele bravo e desempoeirado alferes que, sem braços, se manteve firme e hirto em cima do cavalo com a bandeira sempre levantada, bem presa pelos dentes. Na altura nem sequer me passou pela mona que aquilo era publicidade enganosa já que, com os braços decepados e a esvair-se em sangue ainda vá, sim, ainda acredito que o gajo se aguentasse, agora conseguir aguentar a bandeira com os dentes numa época em que ainda não havia o pepsodente, o flúor nem a super cola 3, não, eu isso, hoje, já não engulo. Já a padeira de Aljubarrota nunca me disse nada, não só porque os mortos não falam mas também porque, em vez de a terem descrito como a Brigite Bardot do pastel de Belém, passou para o meu livro de história como uma gorduchona desgrenhada e pouco limpa.

Dos actores principais, o meu preferido era (ainda é!) o mestre de Avis, o D. João I, porque eu tenho o mesmo nome que Sua Alteza tinha, porque deu uma trepa das antigas nos castelhanos e porque, do seu casamento com uma duquesa inglesa, teve um conjunto de filhos com muita pinta, ninhada que ficou célebre na nossa história.

Hoje, republicano ferrenho, tenho muito pouca simpatia pelas realezas que ainda sobrevivem e que, na minha opinião, para pouco mais servem do que para ocupar as páginas dos mexericos e da imprensa cor-de-rosa.

Porém, respeitosamente me curvo perante o príncipe Harry, o filho mais novo da falecida princesa Diana – aquela baby que foi para a cama com a cara do Carlos sem apanhar urticária – e o terceiro na linha de sucessão ao trono inglês.

O jovem príncipe esteve, por ser esse o seu desejo, durante dois meses e meio no Afeganistão a ajudar na guerra contra os talibans, um dos grupelhos que quer mandar a nossa civilização de volta aos tempos do meu mestre de Avis, quando a liberdade, a dignidade do individuo e a democracia ainda não eram o núcleo dos valores que, penso eu, hoje, nos une.

Thank you Sir!

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