Monday, February 25, 2008

Espelho meu





Mergulhei numa espécie de mala que tenho no sótão da minha casa onde guardo coisas antigas e, cedo, fiquei como o céu, lavado em lágrimas.

Em muitas das fotografias que, em dias de arrumação e limpeza, lá armazenei, vi a cara dum castiço muito parecido comigo mas com mais cabelo, menos peso e a pele menos amarrotada do que a roupa. Tenho quase a certeza de o ter conhecido bem mas, assim de repente, escapam-se-me muitas das coisas que nos devem ter ligado. Estafermo de fotografias, é incrível o que elas mudaram desde os anos sessenta.

Nem só de fotografias vive aquela espécie de mala: cadernos e material escolar dos putos, prendas que fui recebendo no dia do Pai, clips, um apara-lápis, uma fisga, agendas e recortes de jornais, vários, com várias notícias, notícias da mesma época das fotografias. Para meu espanto, também elas mudadas:

“A maioria do povo português cubano está triste com a despedida do seu ditador presidente, cujo anúncio foi feito através do jornal da União Nacional do partido comunista cubano na passada semana.

Vítima de doença, o ditador Salazar el comandante Fidel foi obrigado sabiamente entendeu que era a hora de devolver o poder ao povo transferir o poder para o seu irmão Raul.

Salazar Fidel teve sempre, enquanto governante, enorme apoio por parte dos portugueses cubanos, do povo mais simples a intelectuais e artistas, facto que explica a longevidade da sua carreira à frente dos destinos políticos do país. Devido a um tão grande período de governação, poder-se-á mesmo dizer que quase três quartos dos portugueses cubanos não conheceram outro líder durante as suas vidas.

Salazar Fidel sobreviveu a sete nove presidentes americanos, governou com mão de ferro e impôs um corporativismo de estado autoritário, de inspiração fascista comunista, prosseguindo numa linha de acção económica nacionalista assente numa sociedade auto-suficiente, incapaz de produzir tudo o que necessita.

Centenas de milhar de portugueses cubanos fugiram do seu país a salto em embarcações precárias, com risco das suas vidas, em busca de novas oportunidades noutros países especialmente na França nos Estados Unidos onde hoje se existe uma enorme comunidade nacional.

Embora haja relatos de que muitos exilados portugueses cubanos tenham celebrado no estrangeiro esta anunciada mudança, nas ruas de Lisboa Havana não houve protestos nem pedidos para alteração das políticas actuais onde reina a calma, a tranquilidade e um sentimento de esperança enorme perda.

Vários líderes europeus e o presidente americano expressaram a esperança de que com a saída de Salazar Fidel possa, rapidamente, haver eleições livres e limpas num dos mais atrasados e pobres países da Europa América central”.

Estava a brincar! Mudei eu e os jornalistas, não as fotografias ou as notícias.

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