Monday, April 07, 2008

Tri(pas)!




Eu resisti, eu bem que lutei, juro, a sério que resisti e que lutei, mas a tentação foi mais forte, ganhou o marmanjo “da consciência má”, o diabo que sussurra à minha orelha esquerda, porque é lá, sempre à esquerda, que ficam os meus diabos, aqueles diabos que me obrigam a fazer coisas feias, coisas que, depois, estragam a minha vida e interferem com a vida dos outros; à minha outra orelha, é um anjo que sussurra, o anjo “da consciência boa”, que fica do meu lado direito.

O anjo está amuado e triste, fez a trouxa e abalou deixando-me aqui sentado à frente do meu computador, à mercê do esquerdista, que não pára de me azucrinar “vá lá minha grande besta, tu estás tão mortinho como eu para gozares com aqueles seis milhões e tal de portugueses por causa do tri, anda lá, casca-lhes, dá-lhes, salta-lhes para cima, não sejas mongo, sabe-se lá quando é que vais ter outra oportunidade igual!”.

Num derradeiro esforço de resistência, olho para o céu azul salpicado de nuvens, à procura, a ver se ele vem, se o anjo “da consciência boa” me acode, mas não, ele está ressentido, consigo vê-lo naquela nuvem pequena, ali, aquela à direita, toalha estendida, perna traçada, as mãos enlaçadas a servir de apoio à cabeça, óculos de sol, auscultadores nos ouvidos e as asinhas a dar a dar. Quando o sol se puser ele volta, acho eu.

Perdido que estou para o danado do esquerdista, as pupilas dilatadas e a boca distorcida por esgares irónicos, repletos de malvadez, que substituíram o sorriso humilde e tímido, então seja, pronto, está bem ganhaste, aqui vou eu, pé na tábua e prego a fundo, valha-me são Lisandro mais são Quaresma, vou comemorar a vitória do terceiro campeonato seguido, o tri do meu FCP, quando faltam ainda uma pipa de jogos para o fim, é mesmo sobre isso que vou, excepcionalmente, escrever.
Somos os maiores, somos uma nação, para o ano há mais, vamos a caminho do tetra, depois do penta e não continuo por aqui fora porque não sei como é que se escrevem as palavras para seis, sete, oito, nove ou dez vitórias consecutivas.

Para bem dos lampiões e dos lagartos e até para bem da competitividade no nosso futebol, melhor seria que, com início já no próximo ano, a nossa equipa começasse logo com menos uma dezena de pontos do que os outros todos; assim, talvez se conseguisse fazer de contas que a incerteza quanto ao vencedor se arrastasse até para aí umas três jornadas antes do fim.

Mas – hesito – será certo e justo inebriar-me pelos vapores do êxito, ir-me assim, tresloucado, para a reinação, gozando com tanta gente que eu conheço, gente importante e gente simples, gente rica e gente pobre, tantos amigos meus, tantos familiares meus, pergunto-me, será justo? Um dos filhos da minha Maria é lagarto, o outro é lampião, que raio de pai sou eu?

A estes meus nobres pensamentos, imobilizam-se as asinhas do meu anjo da “consciência boa”, o rosto virado para a terra, os óculos na ponta do nariz e os olhos fixos nos meus. Está expectante! Ele conhece-me, ele sabe que eu tenho alguma decência escondida algures numa parte recôndita do meu ser. Insisto, será certo, será justo eu ir achincalhar assim tanta gente, os meus dois queridos filhos incluídos?

Claro, carago! Olé…olé olé, olé, olé, olé…olé!

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