Tuesday, September 09, 2008

Investigando

(foto daqui )

(Nota da Maria: aquilo sim era uma obra de arte, deviam ter visto!!!! Batia esta verdadeira obra da artista Tracy Emin em qualquer exposição de arte contemporânea. Sim, sim, não acreditam? Esta é uma fotografia de uma obra de arte chamada "My Bed" apresentada, em 1999, pela dita artista na prestigiada Galeria Tate de Londres, tendo sido uma das obras nomeadas nesse ano para o Prémio Turner. O nosso menino ganhava de certeza com a sua "obra de arte")

Os especialistas da meteorologia mundial e europeia andam nitidamente a apanhar bonés. Ainda a primavera mal tinha começado e já nos anunciavam um verão quente, dos mais quentes dos últimos anos, um verão que ia fazer suar as estopinhas ao mais refinado dos friorentos, música para os meus ouvidos e para os do avô paterno dos filhos da Maria.
Filhos esse que, armados em carapaus de corrida, à medida que foram crescendo em tamanho e em número de anos, foram também criando alergias à companhia dos que, com tanto amor e carinho, se fartaram de sujar as manápulas na limpeza dos seus rabiosques enquanto bebés. Eu, por acaso, nunca sujei as minhas! Sempre que fazia esse sacrifício, borrifava a minha tromba com o frasco de perfume que estivesse mais à mão, tapava o nariz com a mão direita, enfiava a esquerda num rolo de papel higiénico e depois gritava pela mãe da criança, para que ela viesse segurar e levantar as duas patas do bicho enquanto eu, de costas, tentava acertar naquilo que era suposto limpar. Ainda hoje desconheço porque é que, ao fim de dois sacrifícios, eu que até gostava daquilo, nunca mais fui requisitado para o serviço.
Esta alergia tem as suas vantagens nas férias mas tem, também, as suas desvantagens.
Do lado positivo, as viagens ficam mais baratas, somos menos elementos e viajamos com muito menos bagagem – excepto, claro, quando passamos mais do que uma noite fora, situação que a Maria aproveita para arejar toda a sua roupa, duas toneladas e meia de panos que ocupam sete dos três armários lá de casa, mais os quase cento e trinta e seis pares de chinelas, sandálias e sapatos, metade dos quais parecem, pelo menos a mim e à vista desarmada, iguaizinhos uns aos outros.
Do lado negativo, deixamos a habitação entregue aos bichos, o que transforma o regresso numa espécie de filme sobre a caça a assassínios em série, descobre-se a primeira vitima, reduzem-se os suspeitos a dois mas, depois, há todo um trabalho de investigação forense a fazer para descobrir quantos mais crimes foram cometidos, a sua real gravidade e aonde estão enterradas todas as vitimas. Sendo conhecido o hábito que os bichos têm para, quando sozinhos, se juntarem em alcateias violentas, sedentas e famintas, nem sempre é fácil arranjar um sólido conjunto de provas que incriminem os nossos dois suspeitos principais e todos os seus cúmplices.
Com o passar dos anos tornou-se mais fácil detectar os crimes; não é o desenvolvimento das nossas capacidades de investigação que contribui para esse êxito mas sim o desleixo dos criminosos, que passaram a estar-se nas tintas para os indícios que – agora – deixam à vista do mais ceguinho dos detectives; recentemente, demos de caras com os restos mortais de cento e vinte e três garrafas de cerveja, sobranceiramente largadas num caixote do lixo sem tampa. À laia de suborno, os mafiosos lá deixaram meia dúzia delas, cheias, no frigorífico.
Há duas semanas porém, chegados de um fim-de-semana passado no Tourigo, essa bela e cosmopolita cidade beirã, detectámos um novo tipo de crime, sem qualquer dúvida fruto duma mente desequilibrada, temos as pistas, temos os suspeitos do costume, achamos que sabemos o móbil mas faltam-nos as provas.
Movida por um pressentimento ou, sabe-se lá, se abençoada por um simples golpe da sorte, a Maria fez uma coisa que já não fazia há anos, foi trocar os lençóis da cama de um dos bichos; o seu rosto, quando me mostrou os lençóis trocados, espelhava o terror provocado pela descoberta de duas toalhas de mesa, de cetim verde a que fazia de lençol de baixo e, a que fazia de lençol de cima, uma toalha de linho, bordada à mão há quase oitenta anos, a Ferrari das nossas toalhas de mesa!
O principal suspeito mantém o seu depoimento inicial: não fez aquilo com más intenções, foi sem querer, se calhar foi por causa do sono que tinha quando fez a cama. Nós, a acusação, não acreditamos, prosseguiremos com as investigações e só as daremos por terminadas quando descobrirmos o que é que o estafermo esteve a comer na cama.

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