Tuesday, September 09, 2008

Molengas



São quatro da tarde, hoje é feriado, o céu está limpo e um espectáculo com aquela cor à Porto, o sol brilha e o dia está quente, o vento está a ver se consegue arrancar-me os poucos cabelos que ainda resistem na carola e eu estou com uma moleza que, até a mim que estou habituado a ela, me assusta e incomoda.
Estou sentado à mesa, no terraço que fica na parte detrás da minha casa e, como companhia, tenho o computador e o cão dos meus filhos, um tresloucado com cinco meses de idade que, à semelhança do tratamento que os nossos governantes vêm dando ao défice do estado na ultima década e meia, faz buracos por tudo quanto é espaço verde, território que, em tempos, eu dizia que era um jardim, o meu jardim.
Hoje parece-se mais com uma daquelas fotografias da lua, local desprovido de vegetação mas repleto de crateras; ao contrário do planeta que gira em torno da terra, o meu quintal tem muita gravidade, coisa que descobri à minha custa quando, em acrobacias espaciais, me atirei, em voo, do cimo duma escada para o chão, tendo aterrado com as trombas no chão sem ter sentido a leveza lunar que era suposto sentir, de leve só mesmo as mazelas no orgulho e o arranhão no joelho.
De vez em quando o animal levanta a cabeça, arrebita uma das orelhas e olha para mim com ar de intelectual da esquerda caviar como que a dizer "olhem-me este, querem ver que com este calor me vai obrigar a cumprir algum objectivo realmente importante para os humanos ou a correr outra vez atrás daquela maldita estúpida bola amarela?".
Em cima da mesa, duas minis de cerveja vazias agitam-se na esperança de que eu vá buscar mais uma e cumpra o ditado de que não há duas sem três.
Hesito entre chatear o canídeo ou fazer a vontade às pequenas; para não ferir susceptibilidades não faço uma coisa nem outra, qualquer uma delas implicava ter que alçar a pandeireta da cadeira e carregar com o esqueleto durante breves instantes, estou muito bem assim e, além disso, tenho que acabar este texto antes de me poder dar ao luxo de me deitar num sofá e sonhar com a morte da bezerra ou com as medalhas que os nossos atletas ganharão nos jogos olímpicos de Pequim.
Ouvi dizer que a rapaziada foi com muito boas perspectivas e, embora a mim tanto se me faça como se me deu, estou certo que devem vir de lá com feitos valorosos que da lei da morte se vão libertar, cumprindo a profecia daquele poeta que só tinha um olho mas que nadava tão bem só com um braço como eu com os dois, até conseguiu salvar, das revoltadas águas do mar, um dos livros que mais dores de cabeça me deu quando andava a estudar português, os sujeitos, os predicados e os complementos directos furibundos uns com os outros e, por isso muito distantes para não andarem à trolha, tornando quase tão difícil descobrir e classificar correctamente as orações como pôr a nossa economia a crescer tanto como os bolos feitos com fermento de padeiro.
Misérias à parte, até este momento o grande herói destes jogos é um tubarão americano que nada quase tão bem como o nosso Camões tendo, para já, arrebanhado uma mão cheia de medalhas, numa ânsia açambarcadora só equiparável à de certos gestores públicos da nossa praça na acumulação de tachos. Só de ver fico cansado!
Por falar em cansaço, a moleza piorou, vocês vão-me desculpar mas tenho as pálpebras tão pesadas que vou precisar de fechar as persianas por alguns minutos. Não saiam daí que eu venho já.

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