Thursday, December 11, 2008

Escuridões


Estou a escrever na sala, sentado no meu sofá favorito, aquele que coloquei ao lado da lareira. Ainda bem que obriguei a Maria a ir buscar lenha e a pegar-lhe fogo porque a luz eléctrica foi-se e levou as outras formas de aquecimento com ela. Lá fora, tudo o que é visível da minha casa, está, também, às escuras o que me leva a pensar que, ou a EDP acabou de dar o berro ou que, simplesmente, se trata de uma avaria cá na minha zona. As sombras tomaram conta da residência e, se os técnicos da empresa de electricidade meteram férias antecipadas como aqueles trinta deputados do pê-esse-dê que se baldaram a uma votação importante na semana passada, estou feito ao bife.
A falta de luz trouxe o silêncio e as sombras, sombras que distorcem a realidade dos objectos cá de casa, objectos que eu devia conhecer bem, tão bem como a palma das minhas mãos.
A realidade que me rodeia está manipulada, estou refém e escravo das trevas. Porque me faltou a luz, deixei de ver e ouvir bem. Mais ou menos como os surdos e ceguinhos dos nossos jornalistas na opinião do economista João César das Neves:
"A nossa imprensa traz pouca informação. Muita análise, intriga, provocação, boato, emoção, combate, mas pouca informação (...). Assiste-se a uma verdadeira caça ao deslize, empolado até à hilaridade. (...) Aliás, relatar o sucedido é o que menos interessa. O jornalista vai ao evento para impor a agenda mediática que levou da sede.O mais curioso é que, embora a imprensa escrita e falada seja intensamente opinativa, nunca se assume em termos políticos. (...) O público não é informado da orientação do meio que escolheu, porque todos dizem apenas a verdade. Todos os repórteres têm opinião, mas todos são isentos de orientações e partidarismos…
"O actual Governo goza de clara benevolência jornalística. Apesar da contestação e inevitáveis 'gaffes', o tratamento não se compara com o dos antecessores. (...) Muitos dos que relatam o jogo participam nas equipas. Quando o jogo se suja, avolumam-se as suspeitas. Isto ainda não afecta o poder da imprensa, mas já degrada a classe."

Felizmente tenho aqui uma pila grande, perdão, felizmente tenho, no computador, uma pilha com uma hora de autonomia e assim posso continuar a trabalhar enquanto os meus vizinhos estão ceguinhos de todo.

Não me levem a mal, mas não imaginam a maçada que é esta coisa de também escrever para jornais espanhóis! Estou sempre a confundir as línguas, meto-me em cada alhada, ainda por cima eu, que sou quase tão envergonhado como o senhor Dias Loureiro ou o senhor Coelho, passo por cada uma, às vezes apetecia-me enfiar num buraco e esperar que a confusão passasse. Como lhes deve estar apetecer àqueles dois agora. Coitados, como eu os compreendo!

A Maria já anda por ai, de vela na mão, a tentar pôr um pouco de luz em tudo quanto é sitio.
Como é hábito nestas situações de falhas de luz, especulamos sobre a possibilidade desta ser uma avaria muito prolongada e fazemos o inventário do nosso kit de sobrevivência.
É o inventário mais rápido de todo o planeta: na dispensa temos duas velas, uma caixa de fósforos semi-vazia, dois pacotes de chá preto, uma lata de sardinha em molho de tomate e piripiri ainda no prazo de validade e, naquilo que eu chamo “o meu bunker”, setenta e três garrafas de oxigénio, no estado líquido, com um grau de aquecimento nunca inferior a doze graus e meio. Estamos portanto equipados para sobreviver quase três dias. Com a água da chuva, talvez conseguíssemos prolongar a nossa sobrevivência por mais uma dúzia de horas.

Pelas estatísticas e segundo os estudos comparativos divulgados pelo governo civil , parece que até nem ficaríamos muito mal classificados mas, para mim, não chega. Exijo mais! Estou farto de dizer à Maria: chica, tens obrigação de fazer melhor!
Quando eu acabar de escrever a crónica e a luz estiver de volta, vou elaborar um novo kit de sobrevivência, vou acrescentar mais uns produtos, pelo menos mais uma lata de sardinha e uma lata de feijão frade e mais umas quantas garrafas de oxigénio, devidamente classificadas por região demarcada, para mais fácil utilização em caso de emergência e incluir um volume de maços de tabaco, para juntar fumo às sombras.

No comments: