Monday, August 24, 2009

Promessas



- É claro que eu também quero! Há anos que falamos sobre isso e tu sabes muito bem como eu ficaria feliz e além disso não estou propriamente a ficar mais nova e, concordo, sim, quanto mais depressa engravidar, melhor. Mas tu tens bem a certeza do que me estás a dizer? – perguntou ela surpreendida, afastando bruscamente a sua cara da dele.
- Claro que tenho. Absoluta! Chica, não me digas que não ouviste falar disso, na comunicação e na explicação do simpático porta-voz? Na ausência de resposta, rematou: deu em tudo o que é noticiário, foi uma jogada inteligentíssima, de mestre, os outros partidos ainda estão em estado de choque. Com esta medida surpresa, a próxima eleição está no papo!
- Hum…e já fizeste bem as contas, vocês já fizeram bem as contas? – disse ela, voltando-se ligeiramente na cama e esticando o braço esquerdo em direcção ao interruptor do pequeno candeeiro cujo abajur vermelho escondia a lâmpada de energia verde renovável. Aos poucos, a escuridão em que o quarto estava mergulhado deu lugar a uma crescente luminosidade. Tens mesmo a certeza de que alguém fez bem as contas? Tens a noção da fama dessa malta, com anúncios e mais anúncios e mais anúncios…?
António levantou-se bruscamente e, sem responder, vestiu os calções do pijama, calçou os chinelos, pegou no copo com água que todos os dias levava para a sua mesinha de cabeceira e aonde sonhava, um dia, poder afogar a sua prometida dentadura postiça, bebeu um gole e saiu do quarto sem fechar a porta.
Quando voltou, pouco depois, trazia a máquina de calcular e duas bolachas; sentou-se na borda da cama e finalmente disse:
- Queres uma? A Maria estendeu a mão, sorriu agradecida e ele continuou: és mesmo do contra e desconfiada! Só porque são meus amigos tu hás-de estar sempre a embirrar com eles! Ora bem, supondo que o banco nos dá uma média de 3% de juros por ano, já vais ver a pipa de massa que ele terá quando fizer os dezoito anos.
A Maria sentou-se na cama para sacudir algumas migalhas da bolacha que se tinham espalhado pela almofada e pelo seu corpo nu e ficou à espera enquanto o marido, de costas voltadas para ela e a cabeça tombada sobre a máquina, prosseguia com os cálculos. O tempo passou – a Maria engomou uma dúzia de camisas e fez um apetitoso salame de chocolate – até que ele disse:
- Dá quase trezentos!
- Trezentos? Trezentos quê, perguntou a Maria, trezentos só de juros?
- Não – respondeu baixinho o António – trezentos tudo junto, os duzentos euros que o Sócrates dá pelo nascimento dum filho e mais os juros que ganhamos pelos dezoito anos que o dinheiro tem que ficar depositado, sem que a gente lhe possa mexer.
- Tanto? – ironizou ela. Ajoelhou-se, pôs-lhe as mãos nos ombros e, espreitando por cima da cabeça do António, ficou a olhar para os números no ecrã da máquina de calcular. Uma fortuna dessas daqui a dezoito anos? Tens a certeza que não te enganaste? António, envergonhado, atirou com a máquina de calcular para cima da cadeira aonde estavam as calças de ganga e a camisa de linho branca que vestira durante o dia, descalçou os chinelos, despiu os calções do pijama e deitou-se na cama, também ele nu, virado para a mulher, o cotovelo esquerdo espetado no colchão e a mão esquerda a apoiar a cabeça:
- Tenho e não, não me enganei! – balbuciou amuado.
A Maria, deitou-se de barriga para cima e, pensativa, pôs-se a brincar com o piercing que tinha no umbigo. Então perguntou:
- O que é que preferes: enfiar o preservativo ou tomar um duche de água gelada?

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