Sunday, February 21, 2010

Mistérios




“Ó senhor ministro, diga-me lá como é isso para eu ver se eu encontro ali nalguma gaveta da sua secretária”.
Não, obviamente isto não me foi perguntado a mim mas, conseguisse eu, por qualquer bambúrrio, chegar a ministro, então esta talvez fosse uma das frases mais escutadas no gabinete.
Como ando sempre à procura das minhas coisas, sou um verdadeiro despistado, um daqueles desgraçados a quem os outros, especialmente os que estão mais em contacto comigo, massacram com a frase “só não perdes a cabeça porque ela está agarrada ao corpo”. O que, por enquanto, é verdade sim senhor. Deve estar por um fio, mas por enquanto ainda cá está, agarradinha.
A minha carteira é, teimosamente, o bolso da minha camisa ou um dos bolsos do casaco que visto, um molho solto de documentos avulsos e à balda que transporto sempre comigo: carta de condução, bilhete de identidade, cartão da segurança social, cartão de contribuinte, cartão de eleitor, cartão multibanco, uma nota de vinte euros, duas de dez e uma de cinco, um bocado de papel amarrotado com qualquer coisa escrita por mim mas que eu próprio já não percebo, alguns recibos de compras feitas há meses, um minúsculo bocado de linha azul escura que não sei de onde veio e…acho que é tudo.
Com esta espécie de carteira, é portanto a coisa mais vulgar do mundo eu andar à rasca porque agora perdi isto, depois perdi aquilo, bolas, onde é que terei metido a porcaria do cartão multibanco, já viste no casaco que trazias ontem? já e não estava lá, então e na camisa que puseste para lavar?, ah, espera lá, já encontrei, afinal estava aqui no molho, estava agarrado ao cartão do contribuinte. O costume! Tantas vezes isto se repete que a Maria abana a mona com resignação mas já nem diz nada o que, no caso dela, é obra!
Apesar da portabilidade da minha carteira, é raríssimo perder documentos ou dinheiro; quando perco, calha sempre ao bilhete de identidade ou então algum dinheiro, muito pouco aliás e normalmente é porque algum dos filhos da Maria me pediu um empréstimo e ainda não teve oportunidade de falar comigo e entregar a documentação necessária devidamente preenchida e assinada.
A frase, a pergunta que começa este texto, resultou da exclamação de desespero do senhor ministro das finanças, escutada há dias por estes ouvidos que a terra há-de sujar e cuja transcrição é mais ou menos “porra, valha-me santo Constâncio, aonde raio é que meti aqueles 1,3% do PIB português, ainda há duas semanas os tinha aqui guardados e agora não os encontro!”
Se isto me acontecesse a mim, além de dois pulos e dum valente berro, caía-me logo tudo, o Carmo a trindade e os tintins. Não necessariamente por esta ordem! Obviamente ficaria a falar fininho e não entendo como é que o ministro ainda fala grosso.
É verdade que o hábito faz o monge e o senhor ministro até já está habituado a perder grandes nacos do nosso produto interno bruto por atacado.
Em Outubro de 2008 dizia que o défice em 2009 ia ser de 2,2% do PIB, depois já eram 3,9% em Janeiro de 2009, depois 5,9% em Maio e, finalmente 8% em Dezembro. Agora lá desapareceram mais estes 1,3%.
À data em que teclo estas letras, a secretária do senhor ministro continua à procura.
A sorte dele não é ter a cabeça agarrada ao corpo, não! A sorte dele é outra, mas é mistério…

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