Sunday, February 21, 2010




Pouco barulho! Não mexe, não resfolega, quietinho, isso, lindo menino, dá cá a pata dá, isso, rebola, só mais uma vez, isso, agora deita, muito bem, toma lá um subsídio doce!
É assim que estamos, nós, os portugueses, estes milhões de marmanjos que pastoreiam a zona mais ocidental da península ibérica.
Dizia o meu professor da terceira classe, que também era meu tio, que ou a malta aprendia cedo a saber interpretar bem os textos que vinham no livro de leitura ou então arriscávamo-nos a, em adultos e como profissionais, ser uns grandes nabos e a dar com os burros (e com os camelos e os macacos, enfim, com a bicharia toda) na água, passaríamos a vida a misturar alhos com bugalhos. Posso dizer – e isto é mesmo para me gabar já que, para vossa informação, sigo o lema “a gente nunca gaba os outros” – que aprendi umas coisitas sobre a matéria e não me tenho desenrascado nada mal a esse nível.
Desde o fim do verão passado que dois dos mais altos e ilustres intervenientes do nosso sistema de justiça nos andaram a jurar que, no material interceptado em conversas telefónicas de gente graúda da nossa praça, nada havia de errado, nada justificava o alarido feito pela imprensa, um deles até disse que, por ele, divulgava tudo o que havia e assim o povo ficaria ciente da justeza das suas sábias decisões.
Estes dois dos mais ilustres magistrados, um deles é a quarta figura do Estado a que isto chegou, contrariaram o parecer de outros dois dos seus pares – um procurador e um juiz dum tribunal – e, do alto do seu poderio, disseram ao povo “vão cordeirinhos vão, fiquem tranquilos que não há lobos maus à vista, votem tranquilamente, está tudo bem…”.
E nós, os cordeirinhos, lá fomos, cantando e rindo, cumprimos o nosso dever e andámos com as nossas vidinhas para a frente.
Eis senão quando, através dum acto corajoso criminoso praticado pelo semanário Sol, os segredinhos são desvendados e são divulgadas as primeiras parcelas das escutas, bem como as conclusões a que chegaram os dois intervenientes judiciais menos importantes, conclusões que os levaram a considerar haver indícios de graves ilícitos que, na sua essência, consistiam num esquema governamental, nomeadamente do senhor primeiro-ministro, para controlo dos meios de comunicação social visando limitar as liberdades de expressão e informação
Eu, um peão desse tal bando de cordeiros, já que me era dada a oportunidade de ler o texto do exame, lá acorri a comprar o dito semanário e perdi meia hora e depois mais outra e ainda mais outra a ler e a reler as seis páginas dedicadas ao assunto.
No fim, pasmei e chorei!
Pasmei porque não consegui chegar à mesma interpretação a que chegaram os dois altos e ilustres intervenientes do nosso sistema de justiça e chorei por, durante estes anos todos, ter andado convencido de que o meu mestre da terceira classe tinha sido um mestre de se lhe tirar o chapéu e, afinal, tudo o que aprendi com ele e com todos os outros professores de português que se lhe seguiram enquanto estudei não me valeu de nada.
Como, como é que é possível que eu, logo eu que ainda agora me gabei lá atrás dos meus dotes de interpretação, não tenha sido capaz de fazer a mesma leitura que os nossos grandes e ilustres magistrados fizeram? Ó triste vida a minha, o que vai ser de mim daqui para a frente? Preciso de ir para a reeducação. Mas é que é já! Táxi!...

No comments: