Tuesday, November 04, 2008

Preces




Quando o safado e bem anafado ouriço se soltou do castanheiro e aterrou em cheio na minha pinha, fui o único que não teve vontade nenhuma de rir. Naturalmente que o meu primeiro gesto foi coçar com ternura a careca ferida, mandar as castanhas para os carvalhos e ir, a seguir, de trombas, alapar-me à lareira em vez de continuar ali, no quintal assassino, a dar cabo da espinhela na apanha das oito toneladas de castanhas que os meus pais fizeram o favor de deixar caídas no chão para me escravizarem.
Dá-lhes gozo…o que é que eu hei-de fazer!

Sai um gajo da cidade, farto daquela confusão de gente que a crise empurra para os centros comerciais e da correria que é procurar uma caixa de Multibanco que ainda não tenha sido assaltada, com intenções de passar um fim-de-semana sossegado e agradável na província e acaba a ser gozado por aquela malta do campo.

Depois queixam-se e dizem que as aldeias estão a ficar sem gente, admiram-se que a malta troque o campo pela cidade.
Pudera! Na cidade, quando quero castanhas não sou eu que as vou apanhar não! Isso é que era bom! Aliás, na cidade, a malta está tão avançada que a castanha já nem vem com o ouriço; pode vir com bicho, mas com picos, isso é que não! Castanha em árvores, embrulhada em ouriços, é mesmo coisa do século passado, coisa do campo! Às tantas ainda pensam que Magalhães é nome de gente!

Portanto, lá estava eu, a tola mais picada do que carne para esparguete à bolonhesa, a mola toda dobrada e aqueles dois marretas ali ao alto, na galhofa, a gozar o panorama.
Como sou católico, especialmente quando está a trovejar mesmo em cima de mim, rezei para que, também eles, fossem presenteados com, pelo menos, uma dúzia de ouriços cada um.
Contudo as minhas preces não surtiram efeito; segundo informações recebidas do além, há congestionamento grave nas linhas que levam as orações dos tubarões que, como eu, só se lembram que são católicos quando se aleijam e os pedidos estão a ser entregues ao destinatário com muito atraso.

Um santinho, que falou comigo na condição de eu manter o seu nome no anonimato, disse-me que, por causa da avalanche dos pedidos, as cunhas eram tantas, vindas de todo o mundo e de gente tão importante que parecia o nosso país; confidenciou-me alguns dos nomes, o que é que eles suplicavam, as cunhas que metiam, nomes que, bem, a vocês nem vos passa pela cabeça! A nata da nata das sociedades, ou como dizem os venezuelanos “la créme de la créme, carago”. E a procissão ainda vai no adro!

Eu, se já não fosse uma besta, acreditem nisto, tinha-me tornado numa! Logo ali! Em maior numero do que políticos no poder – que eram bastantes – estavam os banqueiros, de todas as cores e de todos os feitios. No meio de toda aquela gente importante a pedir coisas muito sérias, havia um anónimo caramelo a rezar pela repetição dos dois últimos jogos realizados pelos dragões (eu disse ao santinho para, à socapa, apagar esse da lista, ainda nos arriscamos a levar mais na repetição se o pedido for aprovado).
Que me lembre, este meu pedido anónimo era o único pedido totalmente egoísta. Os outros não, os outros só queriam a paz na terra e o bem geral.
Embasbacado com a quantidade e qualidade da lista dos banqueiros pedintes, perguntei-lhe o que é que o Espírito Santo achava daquilo mas fiquei sem moedas para prosseguir a conversa e o santinho foi-se. Quanto a mim, continuo picado e cheio de dores nas costas!

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