Monday, May 12, 2008

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(foto daqui)
Abdel-Qader Ali, o pai que matou a própria filha



A miúda tinha 17 anos, o soldado das tropas ditas invasoras vinte e dois, a miúda deixou-se embeiçar pelo equipamento do militar, conversa puxa conversa, só mesmo conversa em público à moda dos namoros dos nossos avós, o paizinho da menina com a gravidade da ofensa causada passa-se dos carretos, espeta-lhe o pé com a bota calçada na traqueia, a mãe da infeliz apaixonada tenta que algum dos seus outros dois filhos ajude a irmã, a ajuda vem mas é para pressionar a bota ainda mais de encontro à garganta da vitima, a policia leva o assassino para a esquadra local onde, pela própria boca do senhor da bota em entrevista a um jornal inglês, o mundo fica a saber que a sua conduta foi graciosamente aplaudida antes de ser enviado em paz para o aconchego do lar.

Rand Abdel-Qader, a miúda, enquanto estudante universitária e voluntária na assistência a famílias desalojadas, fizera um biscate durante uns tempos como interprete, facilitando a comunicação entre as tais tropas ditas invasoras e os ditos invadidos, acabando por cometer o inqualificável pecado que levaria o seu pai – o pai biológico esclareça-se – a limpar-lhe o sebo com tanta elegância e propriedade.

Para este funcionário público iraquiano, a filha, por ter falado em público com Paul, o soldado estrangeiro, perdeu o que a mulher tem de mais precioso e embora ele ache que nós, os ocidentais, possamos ficar chocados com o castigo que ele lhe aplicou, entende que devemos aprender que as filhas deles têm que respeitar a sua religião, a sua família e os seus corpos, não podendo dormir com muito bem querem nem ficar grávidas sem estarem casadas.

Outra miúda, mais ou menos a mesma idade, 18 anos, outro país já sem tropas ditas invasoras no território, país de princesas e músicos famosos, um exemplo na nossa civilização e o sonho de qualquer turista faminto de história e de cultura, queria mesmo era dar de frosques, pôr-se na alheta o mais rápido e para o mais longe possível, pirar-se dos abusos do paizinho, o tarado não foi de modas, não esteve pelos ajustes, tirou-a de circulação e enfiou-a numa cave onde, durante vinte e quatro anos e sem que ninguém desconfiasse, fez o que nenhuma das mais criativas mentes de histórias de terror conseguiu pôr em livro ou em argumento de filme.

O raptor ainda não explicou os porquês, o mundo ainda só conhece a tanga que ele usa na praia para esconder uma das armas do crime, o mundo aguarda ainda as outras tangas que ele deverá, através dos seus advogados, contar durante o julgamento.

Milhares de miúdas, juntamente com outras centenas de milhar de seres humanos, de crianças, de homens e de mulheres, velhos e novos, numa outra cultura e num outro país, num país invadido pelos ventos e por tropas não estrangeiras, desesperam para que os pais de outras meninas autorizem que lhes seja permitido o acesso ao pouco conforto que outras gentes lhes querem entregar. O mundo está chocado e as miúdas também estão em choque!

Aos dezoito anos, a gente, não sei se toda a gente mas eu pelo menos gostava de discutir com os outros e dizer-lhes “a minha? A minha é muito melhor que a vossa!”, “queriam, isso é que era bom, a minha é que é boa, as vossas não prestam!” “vão-se encher de moscas, a minha é que é” e por aí fora até alguém desistir.
Interrogo-me se, hoje, seria menino para, afincada e orgulhosamente, defender que o meu monstro é que é o tal, muito mais monstro que o monstro dos outros.

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