Thursday, May 29, 2008

Chilreios





Há muitas coisas que me arrepiam todo, coisas que me põem com pele de galinha como o barulho dum marmanjo qualquer a fazer música arrastando um prego ao longo da chapa do meu carro ou o meu irmão a cantar o fado da desgraçadinha no gamanço.

Um dia, em casa dos pais dele, ouvi barulhos esquisitos. Valente como sou avancei na sua direcção, a câmara de filmar do meu telemóvel a funcionar para poder apanhar os gatunos em flagrante delito, a intensidade do som aumentou à medida que me fui aproximando da zona dos quartos e tornou-se insuportável por detrás da porta de uma das casas de banho. Um vulto, de capacete na cabeça e uma corda grossa e comprida com um nó à volta do pescoço, surgiu de dentro do armário que fica no corredor e disse-me que era melhor irmos dar uma volta enquanto o filho dele estivesse a cantar no banho. Ainda hoje, quando estou deitado no divã do psiquiatra por causa do meu problema com os impostos que pago, o meu coração dispara se o doutor traz o episodio à baila, coisa que acontece com frequência por que o gajo é um lagartão e adora chatear-me pavoneando-se com uma taça em cada uma das mãos.

Ele, o meu irmão, pelo contrário, ficou numa boa e continua convencido de que tem uma bela voz. Desde há uns tempos que frequenta um grupo coral em vila nova de Gaia, terra onde mora e de aonde conseguiu ainda não ser expulso.
Quando mo contaram pensei que fosse um coro formado por pessoas com graves problemas de audição mas um dia vi um vídeo duma das actuações deles e fiquei aterrado. No palco, único elemento da segunda fila e bem escondido atrás de um dos colegas, lá estava ele e, na plateia, que estava repleta, reinava a calma, havia gente sorridente, sem ovos, tomates ou caçadeiras nas mãos.

Quando finalmente o realizador conseguiu, a muito custo, fazer um grande plano do meu irmão, agarrei-me à cadeira com toda a força e só então percebi que alguma alma caridosa lhe tinha colocado à cintura um cinto cheio de explosivos, o detonador estava preso junto à garganta, razão pela qual ele se limitava a abrir e a fechar a boca sem que de lá saísse qualquer som. Relaxei, sorri e achei que, finalmente, o mundo estava a salvo e que eu tinha ficado curado.

Engano meu!

No passado fim-de-semana, enquanto estava com os pais dele, recebi um e-mail com dois ficheiros de duas gravações áudio, um ficheiro com fotografias e um enigma: descobrir qual dos dois ficheiros áudio era a gravação, feita em directo, dum aparatoso desastre ocorrido durante uma prova de velocidade num autódromo japonês que envolveu o despiste de vinte e seis carros.

O pandemónio, o caos e a cacafonia numa das gravações não deixava margem para dúvidas, só podia ser aquela.
Impressionado, abri o ficheiro das fotografias, sem dúvida – pensei eu – as fotografias relativas ao desastre sonoro que acabara de ouvir!
Eram de facto de um dos desastres sonoros que ouvira, mas retratavam a actuação recente do grupo coral dos alunos e ex-alunos de inglês da universidade da terceira idade de Tondela, sendo que os dois elementos que mais contribuíram para a queda prematura dos frutos da cerejeira lá do quintal e a extinção das aves canoras foram os pais do meu irmão.
Quem sai aos seus…

P.S. – Como não estava correcta nenhuma das respostas que recebi sobre o problema que lancei na crónica da semana passada, dou mais uma semana para alguém, com a ajuda da matemática, me conseguir dizer aonde é que estava o pai da mãe do filho.

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