Thursday, July 02, 2009

Fatalidades





A Adelaide da Facada há muitos anos que não tem uma enxaqueca, uma tossezinha ou até um qualquer outro tipo de maleita, coisa que, muito provavelmente, terá de agradecer ao facto de ter esticado o pernil há quase um século. Podia ser fruto dalgum poder sobrenatural mas não, três palmos de terra em cima da chicha e do esqueleto operam milagres. Uma navalhada profunda no lado esquerdo alterou-lhe a cara e o nome.

Aliás, o Amâncio, que foi seu amante, boémio e brigão, tocador de guitarra e fadista nas horas vagas, também é menino para se gabar de ter a mesma saúde de ferro; estatisticamente falando, é tão provável este casal de falecidos ter um ataque de gota como o Benfica ganhar o título de campeão nacional. Digo eu, aqui em conversa com o teclado, sem exageros nenhuns, como é hábito.

A Adelaide da Facada alugava o corpo por necessidade e profissão; quando não havia clientes aflitos, esparramava-se num banco duma taberna na Mouraria e por lá ficava, a fumar, enquanto o Amâncio, nos intervalos da porrada, amaldiçoava o destino e afogava as mágoas numa garrafa da pinga da casa. É este o casal retratado no “O Fado”, da autoria de José Malhoa.

O pintor, ao que consta, andou muito tempo pelas ruas dos bairros populares de Lisboa à procura de gente de condição o mais baixa possível, gente com que ele pudesse retratar a realidade que via e que sentia. O produto final, uma das suas mais célebres obras, pode ser, temporariamente, apreciado numa visita ao museu do fado em Lisboa, às portas de Alfama.

Lá pude conhecer, um pouco melhor, a história do fado, desde o inicio até aos dias de hoje e uma extensa lista de cantadores famosos, uns que já estão a fazer companhia à Adelaide e ao Amâncio e outros que ainda vão arranhando umas coisas. O visitante pode seleccionar um artista pelo nome e vê-lo em fotografia enquanto aprecia o fado que, supostamente, o tornou digno de nota.

Noutra lista, sem direito a som nem a imagem, no meio dos que deram ou ainda dão voz à coisa, há outros listados que foram, ou são, os autores das letras, ou das músicas, ou de ambas. É aqui, na lista dos poetas líricos da actualidade, que eu tenho grandes críticas a fazer, não sei se deva mas aqui vai, falta lá gente muito famosa, com grandes títulos recentemente publicados, nomeadamente:

- Augusto Santos Silva e o seu poema “Eleições de segunda ordem”, uma peça a dois tempos, versando sobre a estrondosa derrota nas eleições para o Parlamento Europeu;
- Almeida Santos e o ensaio “O Eleitorado não governa…a não ser que vote em mim”;
- Carlos César e o seu manifesto “É estúpido deixar que os outros decidam sobre o que nos diz respeito…a não ser que votem em nós”.

José Malhoa, no seu quadro, escondeu bem a cicatriz que marca o rosto da Adelaide da Facada; se fossem pintores, estes três poetas ignorados, na tentativa de esconderem o meio milhão de votantes que perderam duma penada, borravam a pintura…

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