Thursday, July 02, 2009

Querido diário





Estou cheio de sono e amanhã tenho que me levantar cedo. Não ponho já a tampa na caneta e o pijama no corpo porque entre esta linha e a linha quarenta e sete deste texto ficaria um enorme espaço em branco que me daria algum trabalho a explicar a quem tu muito bem sabes.
O dia hoje foi muito cansativo; tinha programado ir a Lisboa, depois do almoço, à manifestação do partido comunista mas quando soube, já dentro da camioneta, que de cu tremido só até ao Marquês de Pombal e que, para ter direito ao programa completo com discursos e tudo incluído, era preciso andar mais do que cento e cinquenta metros a pé até à zona dos palcos, borreguei.
Já estava cansado graças a uma noite mal dormida por ter teimado em ver um filme completo do Manuel de Oliveira, imprudência que me pôs num tal estado de excitação que me impediu de pregar olho e a perspectiva de ir para as avenidas da capital andar aos berros, de braço no ar e, ainda por cima, a penantes, tirou-me o ânimo para a política de rua.
Tomada a decisão de me baldar à passeata na capital, ainda pensei em ver se conseguia arranjar uma boleia que me levasse até ao comício dos socialistas em Coimbra; o cartaz prometia, o elenco, já de si notável dada a presença do Zezito, ia ser abrilhantado com a vinda dum artista estrangeiro, nada mais, nada menos do que o chefe do governo dos nuestros hermanos e se a reunião acabasse cedo talvez ainda desse tempo para ir ouvir uns fadinhos de Coimbra. Há tantos anos que não vou a uma casa fados da cidade do Mondego que a perspectiva agradava-me.
Não tendo encontrado, entre os meus conhecidos, uma única alma que tivesse vontade de ir ver o chefe a botar faladura em português de Castela, arrumei a ida num encolher de ombros e peguei no jornal do dia à procura de pistas sobre ofertas concorrentes e alternativas, ver por onde iriam andar os candidatos laranjas e os azuis; excluída e fora de questão estava a possibilidade de me juntar aos amigos do télé evangelista Frei Louçã porque, desesperado sim mas não tanto.
A ideia era ver se ainda ia a tempo de conseguir meter o meu nome nas listas a candidato às próximas eleições europeias; não por causa do salário mensal, apenas sete mil e tal euros, nem do subsidio, diário, de duzentos e quarenta e um euros, nem do direito a empregar a Maria e os putos como assistentes pessoais, nem da reforma vitalícia, não, tudo isso são ninharias.
Movia-me a inveja pelo direito à poltrona de massagens, ao jacuzzi e a tudo o mais a que aqueles pobres desgraçados vão ser obrigados a usufruir no ginásio onde o parlamento europeu vai gastar quase dez milhões de euros em obras de renovação.
Querido diário, tenho mesmo de tomar uma pastilha para a dor de cotovelo e vestir o pijama. Até amanhã.

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