Wednesday, December 23, 2009

Sacrifícios


Embora tenha uma energia fora do vulgar, de ser um daqueles seres humanos que não conseguem parar quietos e que precisam de estar em perpetuo movimento, a cada ano que passa, depois da quadra natalícia e quando se arruma a caixa com as decorações no sótão, os pneumáticos que circundam a minha (por enquanto esbelta) cintura mostram um ajustamento pela positiva, apresentam um significativo, embora pequeno, aumento de volume.
E eu, ao contrário do Paulinho das feiras, até sou um miúdo com muito juizinho e tenho muito tento na língua. Quando muito, às vezes – raramente, muiiiiiito raramente – sou capaz de me alambazar com manteiga e, em vez de só pôr metade, por distracção enfio um papo-seco inteiro num pacote de duzentos e cinquenta gramas. Mas isto, como disse, com papos-secos acontece muito raramente. Já com os croissants é mais habitual mas também o que é que adianta um gajo viver a vida toda e não ter uma porcaria dum vício para confessar ao Criador?
Além do mais, para manter esta elegância de hipopótamo raquítico, obrigo-me a praticar desporto durante o ano inteiro e, chova ou faça sol, jogo ténis três vezes por semana. Normalmente treino sempre com o mesmo parceiro, temos os dois tanta classe e as jogadas já estão tão bem ensaiadas que o mesmo par de meias e a mesma t-shirt dão-nos para mais de três jogos (o recorde está em seis jogos sem que nada fique amarrotado).
Pois bem, apesar de todos estas preocupações, este ano optei por ter ainda mais cuidado com o esqueleto, a idade exige cada vez mais sacrifícios, pus a cabeça a funcionar e delineei um programa suplementar de apoio ao pobre do pneumático, programa que passa por ir andar a pé aos fins-de-semana. Vivendo tão pertinho do mar e havendo tanto passeio marítimo aqui na zona, só mesmo um calão como eu é que não aproveita e não tira partido destas benesses.
Acabei agora de vir da estreia mundial deste novo programa e, devo dizer-vos que estou muito contente com a opção tomada, arrependido até por não me ter lembrado disto há mais tempo, de facto o que custa é a gente sair de casa, depois de estarmos na rua até lhe apanhamos o gosto, sinto-me bastante mais revigorado, pareço outro.
Como ainda não conhecia o paredão de dois quilómetros e tal que liga a praia de Paço de Arcos à praia de Santo Amaro de Oeiras, saí de casa, guiei até à marginal e parei o carro num parque de estacionamento mesmo em frente ao mar.
O céu estava cheiinho de nuvens escuras e, como de costume, à beira-mar o vento era mais forte o que leva à diminuição da temperatura exterior, mas eu estava bem equipado e, acima de tudo, estava determinado.
Deixei sair a Maria e o cão, apertei bem o anoraque até ao pescoço, tranquei as portas porque dizem que há ladrões por ali, aumentei o volume do rádio, encostei o banco um pouco mais para trás e encerrei as pálpebras.
Uma hora depois, quando um bater insistente na janela me acordou, o exercício físico feito e a satisfação do dever cumprido, não pude evitar de pensar: porque é que eu não me sacrifico mais vezes?

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